A indústria automobilística e a sustentabilidade

A crise pela qual passam frequentemente as indústrias automobilísticas, não é apenas decorrente das crises econômicas globais, mas uma questão sistêmica. As fusões, incorporações e aquisições somente conseguem um pequeno fôlego para esta indústria. O problema começou, verdadeiramente, com Henry Ford em sua firme disposição de criar condições para que toda família de trabalhadores pudesse ter o seu Ford T. Não podemos culpar o idealismo do lendário capitão da indústria, cujas idéias estavam ligadas ao processo de expansão constante do capitalismo, pois ninguém ousava pensar, naquela época, que o automóvel se tornaria um bem acessível a centenas de milhões de pessoas em todo o mundo. Tampouco ninguém ousaria imaginar ou denunciar o impacto ambiental e social desta máquina. De qualquer forma seria impossível, nas condições da época, dar ouvidos a essas preocupações.

Os governos, de quase todos os países, dirigiram investimentos públicos no século passado, para facilitar o tráfego dos veículos motorizados, como grandes e largas avenidas, viadutos, pontes, garagens etc. Em função desta opção, os investimentos em transportes públicos, salvo honrosas exceções, foram colocados num plano secundário. As cidades foram adaptadas ao automóvel e não ao ser humano. Em países  de desenvolvimento tardio, como o Brasil, as ferrovias foram abandonadas, o transporte fluvial ou de cabotagem não chegou sequer ser cogitado em função do imediatismo do transporte rodoviário.

As cidades se agigantaram. De Metrópoles se tornaram Megalópoles, com a concentração urbana exigindo mais e mais investimentos públicos em saneamento básico, educação, saúde, infraestrutura e transporte. O custo de transportes coletivos como o Metro, única saída para contornar os congestionamentos nas ruas e avenidas, é extremamente alto, tornando difícil o atendimento da demanda crescente por esse meio de locomoção. Precisaríamos de três ou quatro vezes mais linhas do que temos hoje. A ampliação dos limites da cidade de São Paulo, que se conectou às cidades vizinhas, tornou simplesmente imperceptíveis os limites geográficos entre os municípios. Trabalhadores do ABCD se deslocam diariamente em direção à capital e vice-versa. O mesmo ocorre com outras cidades vizinhas a oeste, leste e norte, tornando o conceito de municípios, com administrações separadas, uma abstração.

Os ônibus vão se tornando inviáveis como alternativa definitiva para o transporte público, pois o aumento da frota esbarra no mesmo obstáculo: onde circular? Ruas preferenciais exigem altos investimentos e também uma severa fiscalização, o que aumenta seus custos de manutenção. Assim nos encontramos no velho dilema: aumentar as ruas ou diminuir o tamanho dos veículos? Recentemente foi publicada uma estatística em que se todos os veículos da cidade de São Paulo fossem para as ruas e ficassem alinhados, não haveria espaço para circulação.  Por sorte, muitos veículos permanecem em suas garagens boa parte do dia. Entretanto, outro dado bastante alarmante,  o número de carros novos licenciados na cidade de São Paulo. São lançados na cidade mais de mil veículos novos por dia. A metáfora do filósofo alemão, Max Bense, ilustra bem esta situação, dizendo que entre São Paulo e  Taubaté, se lhe afigura como “uma imensa plantação de automóveis”.

Parece que caminhamos literalmente  para uma rua sem saída, utilizando uma expressão do próprio trânsito.  Como será o futuro?  Haverá espaço para todos os automóveis circularem pelas cidades? O poder público terá recursos para aumentar a largura das ruas e avenidas, desapropriando imóveis? O meio ambiente suportará a poluição atmosférica, degradando a qualidade de vida da população urbana?

A dificuldade em responder a essas questões, coloca em cheque a condição de sustentabilidade desta indústria. Como o termo significa assegurar o sucesso do negócio em longo prazo e contribuir para o desenvolvimento econômico e social da comunidade, para um ambiente saudável e para uma sociedade estável sem comprometer as gerações futuras, deduz-se que esta indústria, longe disso,  representa um sério ônus para as futuras gerações.

O automóvel, como transporte individual, fatalmente deixará de ser uma opção para as grandes concentrações urbanas num futuro próximo. É urgente repensar as cidades, os conjuntos habitacionais, a logística de deslocamento da população para o trabalho, para as escolas, hospitais, enfim,  para todos os serviços e lazer. As cidades poderão ganhar com isso, tornando-se mais inclusivas, reduzindo os riscos de acidentes, principalmente para pedestres, melhorando a qualidade do ar e proporcionando um espaço de socialização maior e a integração das diferentes classes sociais, hoje dificultada pelo egoísmo do transporte individual.  

 

Redação

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