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A nova iniciativa dos BRICS+ na arquitetura financeira global, por Pedro Lange Machado

Bloco prepara aliança por arcabouço metodológico comum para suas agências de rating, que poderão adotar regime de ratings paralelos

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

A nova iniciativa dos BRICS+ na arquitetura financeira global

por Pedro Lange Machado

            Os BRICS+ estão preparando uma nova iniciativa voltada à governança financeira internacional. Uma “Aliança das Agências de Rating dos BRICS” está em gestação com o objetivo de contestar o oligopólio de S&P Global, Moody’s e Fitch Ratings, conhecidas como “Big Three”, no mercado de classificação de risco. A iniciativa não possui precedentes. O objetivo é estabelecer um arcabouço metodológico comum para as agências de rating dos países do bloco, em linha com parâmetros adotados por fintechs do ramo. Os ratings dessa iniciativa irão coexistir com os providos por agências já estabelecidas, que terão a opção de se integrar à Aliança e oferecer os dois produtos paralelamente. Estes poderão então ser comparados por atores interessados, mediante o acesso a relatórios explicativos das ações de rating. Outro ponto ressaltado pelo grupo de trabalho responsável pela Aliança é que a implementação do arcabouço metodológico dos Brics será facultativa, visando a preservar a soberania nacional em termos de supervisão regulatória – algo caro a países como China e Rússia.

            Os potenciais incentivos para tanto, em tese, serão muitos. Em primeiro lugar, a Aliança deve imprimir uma pressão competitiva em benefício da qualidade dos ratings já existentes, como os oferecidos pela Big Three. Em segundo, de acordo com os BRICS, a capacidade de financiamento de países em desenvolvimento nos mercados de capitais tende a melhorar à medida que os ratings da Aliança penetrem o mercado. Isso porque há entre eles a percepção de que vieses ideológicos incrustrados nas metodologias de S&P, Moody’s e Fitch prejudicam as avaliações atribuídas a economias emergentes ou de fora do eixo ocidental. Em terceiro, o grupo também alega que o trabalho de monitoramento e fiscalização de reguladores nacionais será facilitado pela difusão do arcabouço metodológico comum, em contraposição ao que ocorre quando várias agências utilizam metodologias distintas. Daí que a iniciativa, se bem sucedida, seria benéfica para o mercado, reguladores e agentes econômicos dos países a ela integrados.

            O lançamento de inovações institucionais no sistema financeiro internacional não é novidade na história do grupo. Na esteira da crise financeira de 2008, o bloco, então composto por Brasil, Rússia, Índia e China (e que contou com a integração da África do Sul, em 2011, e de Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã, em 2023), deu início a uma série de iniciativas voltadas a democratizar a governança financeira global. As duas mais bem sucedidas resultaram na criação do Novo Banco de Desenvolvimento e do Arranjo Contingente de Reservas, que se tornaram alternativas ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional (FMI), respectivamente. Paralelamente, outras ideias foram discutidas e abandonadas, como a de se criar uma agência de rating dos BRICS.

            Em todo caso, o objetivo manifesto é o de reformar o sistema financeiro internacional em linha com o peso econômico e geopolítico adquirido por países em desenvolvimento no século XXI. Isso vem sendo negligenciado por instituições da governança global, que ainda refletem o status quo ultrapassado do contexto de Bretton Woods e Guerra Fria, como a ONU, o FMI e o Banco Mundial. Desafios e limitações das inovações institucionais dos BRICS+, no entanto, decorrem das marcadas diferenças entre os integrantes do bloco (que possuem distintos valores, ideologias, interesses nacionais, estruturas institucionais e pesos na economia global) e do poder estrutural de instituições já estabelecidas e dos países que detêm maior poder sobre elas, sobretudo os Estados Unidos.

            No caso das agências de rating, o vínculo das Big Three com Washington é orgânico. S&P e Moody’s e Fitch foram criadas ao começo do século XX precisamente para responder a demandas internas do mercado de capitais estadunidense. Seus ratings foram gradualmente incorporados a marcos regulatórios estabelecidos por autoridades públicas, passando a ter em bancos e investidores institucionais uma audiência cativa. Com a globalização financeira, o poder e autoridade epistêmica desfrutados pelas agências de rating no mercado financeiro americano se projetou globalmente. Mundo afora, empresas e governos nacionais e subnacionais dependem da obtenção de bons ratings para atrair investimentos. Finanças estruturadas são confeccionadas com a assessoria dessas agências. Não à toa, após o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria, Friedman concluiu que o mundo seguia tendo duas superpotências[1]: “Há os Estados Unidos e há a Moody’s. Os Estados Unidos podem destruir um país com bombas, enquanto a Moody’s pode fazê-lo piorando seus ratings.”

            Mas inúmeras controvérsias vêm marcando a atuação das agências de rating nesse contexto. Por um lado, ratings equivocados estiveram no epicentro de crises sistêmicas, como a do leste asiático, em 1997, e a crise financeira global desencadeada em 2008. Por outro lado, acusações de vieses políticos e ideológicos na atuação da Big Three vêm sendo apontadas por países prejudicados por suas avaliações e respaldadas por estudos acadêmicos.

            O caso do rating soberano (isto é, o rating que as agências atribuem a países para indicar a credibilidade de seus governos para honrar compromissos de dívida pública) é emblemático nesse sentido. Funcionando como um teto para os ratings de todos os demais atores avaliados dentro do país avaliado, essa nota orienta as condições de financiamento do governo no mercado de dívida soberana, como juros e maturidade dos títulos públicos. Disso decorre que a obtenção de um bom rating soberano é vital para a economia nacional. Mas as Big Three são recorrentemente acusadas de agirem de maneira irresponsável ou politizada na atribuição dos mesmos.

            Como reação, a criação de agências alternativas às sediadas em Wall Street é periodicamente tentada ou aventada. Em meio aos desdobramentos da crise do subprime no continente europeu, por exemplo, a União Europeia chegou a cogitar a criação de sua própria agência, mas acabou apenas por aumentar as regulações exercidas sobre as já existentes. Em 2023, a União Africana anunciou seu plano de lançar uma agência de rating própria[2], ideia outrora compartilhada pelos BRICS. Ao longo da segunda década do século XXI, a Dagong Global Credit Rating, agência de origem chinesa, pareceu constituir alternativa à S&P, Moody’s e Fitch ao ingressar no mercado de ratings soberanos. Ao atribuir ratings mais baixos do que os da Big Three aos Estados Unidos, chegou a ser acusada de praticar terrorismo financeiro[3]. Além disso, capitaneou o Universal Credit Rating Group (UCRG), iniciativa voltada a estabelecer uma joint venture entre agências de diferentes países para criar um regime dual de ratings, com o intuito de livrá-los de vieses e motivações políticas e ideológicas. Entretanto, a Dagong logo teve seus serviços suspensos pelo governo chinês, enquanto a UCRG teve suas atividades paralisadas.

            A Aliança das Agências de Rating dos BRICS parece levar adiante a intenção da UCRG de criar um regime paralelo de rating, mas a aperfeiçoando e a tornando mais realista em seus mecanismos. Agora respaldada pelos países que compõem os BRICS (e não por agências de rating individuais) e aberta à aderência de qualquer agência de dentro ou fora do bloco que queira adotar o arcabouço metodológico em questão, a proposta se beneficia da descrença na isenção e competência das avaliações feitas pelas Big Three. Como já indicado, entre os BRICS, há o entendimento que de países em desenvolvimento são sistematicamente injustiçados pelos ratings recebidos de S&P, Moody’s e Fitch, de modo que a Aliança, se bem sucedida, seria benéfica para suas economias. Por outro lado, há também a consciência de que tal processo será longo e demandará paciência para ser absorvido por reguladores e pelo mercado.

            Outro problema pode ser a falta de empenho de alguns países para transformar a iniciativa em realidade. Durante o governo Bolsonaro, o Brasil, por exemplo, boicotou a força-tarefa da Aliança das Agências de Rating dos BRICS, enquanto todos os demais já cooperavam em prol da mesma. Ao analisarem os motivos que levaram ao fracasso do intento de se criar uma agência de rating dos BRICS, Helleiner e Wang[4] apontaram a falta de um propósito social comum entre os países do bloco com essa finalidade, dado que nem todos a tinham como real interesse. Com os avanços do trabalho da Aliança, esse problema parece estar sendo contornado. Resta então saber como essa inovação institucional poderá impactar a governança financeira global num futuro não tão distante. 

Pedro Lange Machado – Pesquisador do Geep/Iesp e doutor em Ciência Política pelo Iesp-Uerj com estágio doutoral na Freie Universität Berlin

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[1] https://www.nytimes.com/1995/02/22/opinion/foreign-affairs-don-t-mess-with-moody-s.html

[2] https://www.reuters.com/world/africa/african-union-plans-launch-its-own-credit-ratings-agency-2023-09-12/

[3] https://cejiss.org/images/issue_articles/2012-volume-6-issue-2/article-03-1.pdf

[4] https://doi.org/10.1080/09692290.2018.1490330

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