Celso Furtado foi lido, mas não compreendido

O preço de um bem de produção é composto pelas matérias primas, salários, impostos, custo da burocracia, logística, custo do capital etc.

O câmbio influi no total. Se o real sofre uma apreciação de 20%, significa que as matérias primas (com exceção das importadas) ficaram 20% mais caras, assim como o imposto pago, o custo da logística, dos salários etc. É como se pegasse cada item de custo, cada custo Brasil e aumentasse em 20%.

O Plano Brasil Maior interfere em apenas alguns itens dessa estrutura: nas contribuições (de alguns setores), na devolução de 3% para o exportador (para ressarcir impostos cobrados ao longo da cadeia produtiva). Ou seja, em apenas alguns pontos da estrutura de custo.

Um exemplo simples.

Suponha o preço final de 100. Com 20% de valorização cambial, o preço passa a ser de 120, em dólares.

Imagine que a folha represente 40% desses custos. 20% de 40% são 8%. Esse peso da folha é apenas naqueles setores intensivos em mão-de-obra (no caso de software, é mais). Significa um alívio de 8% para compensar um encarecimento de 20.

Quando se entra na área de bens de maior valor agregado, de máquinas e equipamentos, o conjunto de benefícios anunciado – embora relevantes por marcar uma nova orientação na política industrial – sequer arranham a questão da apreciação cambial.

Ontem conversávamos com a caçula. Um parente viajará para os Estados Unidos nos próximos dias e ela pensava em pedir alguma coisa que fosse mais barata do que aqui. Pensou um pouco e deu de ombros:

Não precisa pensar. Tudo nos Estados Unidos é mais barato que aqui.

Idade da “gênia”: 12 anos.

Essa percepção é generalizada entre crianças, classe média, turistas.

Não fosse o câmbio, o plano seria um avanço em relação às políticas industriais. Quebra alguns tabus (como o da desoneração da folha, embora feito com cautela, como tem que ser), amplia o percentual de compras nacionais em setores-chave nas compras federais – como Defesa, Saúde.

Mas está longe de conter o inferno cambial em que se meteu o país, a reboque do mundo.

É até curiosa a citação de Celso Furtado por parte da presidente Rousseff. Furtado celebrava o fato de o Brasil, a partir de determinada posição econômica que passou a ocupar, deixara de ir a reboque da economia mundial, já podia ter suas próprias definições de política econômica. É uma bela citação mas que não tem correspondência na maneira tíbia com que se está enfrentando o dilema cambial. 

Luis Nassif

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