Policiais eram os sequestradores e a delegacia o cativeiro

Quando se pensa que já se viu tudo, em termos de ousadia, violência, desumanidade e abuso de poder, praticado por agentes do estado, pagos pela sociedade para defendê-la e ser o fiscal da lei, há sempre um fato novo e surpreendente que retrata a barbaridade e a petulância e mais do que isso: a possibilidade da certeza da impunidade. Não há outro entendimento para a gravíssima acusação de crimes de sequestro, ameaça de morte, tortura e roubo que pesam sobre dois policiais civis lotados numa Delegacia Policial, na Região dos Lagos, no Rio de Janeito. Vejam o cúmulo do absurdo e a ousadia retratados na descrição da notícia: simplesmente inacreditável.


 


“O policial civil Pedro Hyppolito da Fonseca foi preso nesta terça-feira (17/07) dentro da delegacia de Cabo Frio (126ª DP), na Região dos Lagos, no litoral fluminense, suspeito de praticar os crimes de extorsão mediante sequestro e roubo. Um outro policial, acusado dos mesmos delitos, e identificado como André Rodrigo Saldanha Gomes, está foragido.



Segundo consta a denúncia, em junho de 2008, André Rodrigo manteve um homem sequestrado dentro da 126ª DP (Cabo Frio), depois que a vítima foi à delegacia acompanhar um parente que recebera em casa notificação para comparecer à unidade.


De acordo com a Promotoria, o policial ameaçou matá-lo ou prendê-lo caso não fosse feito o pagamento imediato de R$ 10 mil. O familiar do sequestrado, relata ainda a denúncia, negociou com o agente o valor do resgate, acertando em R$ 5 mil, pagos no mesmo dia.


Ainda segundo o Ministério Público, cerca de três dias após a primeira extorsão, André Rodrigo telefonou para a vítima pedindo que seu parente fosse novamente à delegacia para pegar uma certidão negativa.


Porém, depois que os dois chegaram à unidade, consta na denúncia, André Rodrigo e Pedro Hypollito sequestraram o parente da primeira vítima, exigindo R$ 10 mil para que não o levassem preso, já que tinham um mandado de prisão contra ele, e ainda roubaram relógio, joias e celulares.


“A vítima permaneceu toda a noite custodiada no interior da delegacia e, durante esse período, André e Pedro A SUBMETERAM A INTENSO SOFRIMENTO FÍSICO E MENTAL, AGREDINDO-A COM SOCOS e PONTAPÉS, em represália à negativa de pagamento do valor exigido (…) Por fim, o primeiro denunciado sempre demonstrava conhecer muito bem a rotina de vida, o que levou a vítima, inclusive, a efetuar o primeiro pagamento exigido”, relata trecho da denúncia, oferecida em 9 de julho.


“São fortes os indícios de autoria contra os denunciados, que transformaram a delegacia de polícia de Cabo Frio num verdadeiro balcão de negócios (…) Aqueles que deveriam estar em seus postos de trabalho para garantir a segurança da população, se utilizam dos cargos que ocupam para auferir vantagens indevidas ”, narra a denúncia.


De acordo com a denúncia, posteriormente, a vítima foi transferida para a carceragem de Araruama, de onde foi liberada por alvará de soltura expedido pelo Plantão Judiciário. No mesmo dia, acabou sendo perseguida pelos policiais civis e buscou refúgio no prédio do Ministério Público local.”


 


O lamentável e revoltante caso, recentemente noticiado pelos meios de comunicação social,  foi investigado e apurado numa ação conjunta do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público Estadual  e da Corregedoria Geral Unificada, da Secretaria de Segurança. Ou seja, é o Estado e a polícia cortando na própria carne, como deve ser, e extirpando de seus quadros os que optaram pelo crime e o desvio desenroso de conduta. 


Tal impressionante relato nos deixa incrédulos, tal e qual o caso do desaparecimento, em junho de 2008, na Barra da Tijuca, no Rio, da engenheira Patrícia Amieiro, até hoje não encontrada, onde quatro policiais militares são acusados do bárbaro crime. O que se pode propor aos notáveis juristas e estudiosos que fazem parte da comissão encarregada de apresentar o anteprojeto do novo Código Penal é que a pena em dobro para policiais, em casos como estes, seja incluída no texto da proposta e se torne realidade. Gravíssimos crimes contra os direitos humanos merecem punição à altura, quanto mais quando praticados por agentes do estado. Não há dúvida.


Quem recebe uma carteira de policial e uma arma lhe conferidas pela sociedade e jura defendê-la e garantir a segurança comunitária, não pode se voltar contra a própria sociedade, que através dos seus impostos, paga o seu salário. Incômodo para a sociedade e vergonha e constrangimento para os policiais, não traidores, que cumprem a nobre missão de servir e proteger.


“Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. São direitos e garantias (indeléveis) de toda pessoa humana, preconizados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. Esta é a primeira lição a ser aprendida por quem abraça a nobre carreira policial. Aprenda-se de uma vez por todas e tenha-se consciência disso. 


Em meio a tanta barbárie e cueldade apenas duas perguntas, lembrando da monstruosidade do casal Nardoni, que chocou o país em 2008 (Isabela, de 5 anos, depois de ser asfixiada, foi jogada do sexto andar do prédio): Que pena merecem o pai, acusado de matar por espancamento o  próprio filho, de 2 anos de idade, em conluio com a madrasta, sob o argumento de “palmadas educativas”, ambos presos ontem no Rio? A impossibildade da pena de prisão de perpétua vai continuar sendo claúsula pétrea na Constituição Brasileira? Com a palavra a comissão de notáveis encarregada do anteprojeto do novo Código Penal.


                         Milton Corrêa da Costa é pesquisador e estudioso em violência urbana


 


 

Redação

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