Dívida pública no Brasil cresce (bem) menos que média mundial. Surpresa? Por Lauro Veiga Filho

Quem acompanha a mídia convencional não verá esses dados nas análises e projeções invariavelmente catastróficas

Foto: © Marcello Casal jr/Agência Brasil

Dívida pública no Brasil cresce (bem) menos que média mundial. Surpresa?

por Lauro Veiga Filho*

As estatísticas foram produzidas por instituições multilaterais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), e ainda por um “think tank” do sistema financeiro global, o Instituto Internacional de Finanças (IIF). Mas quem acompanha a mídia convencional não verá esses dados nas análises e projeções invariavelmente catastróficas produzidas pelo pensamento econômico convencional no Brasil, muito menos pelo “esquadrão austericida” que monopoliza o noticiário econômico nos jornais e televisões, com espaço assegurado por um tipo de jornalismo incapaz de pensar por moto próprio e de visualizar o lado real da economia, para além dos limites ditados pelo mercado financeiro.

No trabalho com dados mais atuais, a dívida dos governos em todo o mundo, consolidada pelo IIF em seu monitor da dívida global, avançou de 86,90% no último trimestre de 2017 para 96,70% em igual período do ano passado, significando uma variação equivalente a 9,80 pontos percentuais. O endividamento público ao redor do globo havia alcançado um pico máximo, na série histórica do instituto, no encerramento de 2020, puxado para 106,25% do PIB, na média global, como reflexo das medidas adotadas pelos governos para enfrentar os efeitos da pandemia sobre a saúde das pessoas e sobre a atividade econômica. Desde 2020, portanto, a proporção da dívida em relação ao total de riquezas produzidas em todo o mundo experimentou recuo de 9,55 pontos, mantendo-se ainda acima dos níveis de 2017, como apontam os números.

Abaixo da média

Tomando os mesmos períodos, a dívida do governo brasileiro em relação ao PIB havia subido de 82,74% no fechamento de 2017 para 96,01% no quarto trimestre de 2020, igualmente insuflada pelas medidas tomadas para combater o vírus Sars-CoV-19. A alta, como se percebe, correspondeu a 13,27 pontos, diante de um incremento de 19,35 pontos na média global, com altas de 22,31 pontos para a dívida das economias mais maduras (mais desenvolvidas) e de 14,34 pontos percentuais para as 30 economias emergentes analisadas pelo IIF. Para deixar mais evidente, o nível da dívida dos governos em comparação ao PIB saiu de 108,71% para 131,04% entre o quarto trimestre de 2017 e o mesmo período de 2020 nas economias maduras, passando de 50,40% para 64,74% nos países emergentes.

Ao longo dos três anos seguintes, contados até o quarto trimestre de 2023, conforme a metodologia adotada pelo IIF, que segue basicamente aquela definida pelo FMI, o endividamento do governo brasileiro baixou para 86,19% – uma informação não apenas negligenciada, mas escondida mesmo pela grande mídia, para não desarmar todo o noticiário catastrófico montado em torno da escalada da dívida pública e da (falsa) quebradeira do setor público no País.

Mas há mais. Além de subir bem menos do que o dado global entre 2017 e 2020, a relação entre dívida e PIB, no Brasil, caiu basicamente na mesma proporção na fase seguinte, encerrada em 2023, num recuo de 9,82 pontos percentuais desde o final de 2020. Na média global, a queda atingiu 9,55 pontos, com baixa mais acentuada para os mercados mais maduros, que viram a relação baixar de 131,04% para 113,28% em igual período, correspondendo a um corte de 17,76 pontos percentuais.

Para as economias emergentes, ao contrário, a dívida alcançou níveis recordes na série histórica do IIF, passando a representar 68,97% do PIB, numa elevação de 4,23 pontos entre 2020 e 2023. Vale dizer, o Brasil seguiu na contramão da média dos 30 países emergentes selecionados pelo IIF. Mas isso não tem a menor relevância para o jornalismo econômico convencional.

Alarmismo insustentável

Mesmo no curtíssimo prazo, a alarmismo não se sustenta. Na passagem do quarto trimestre de 2022 para igual intervalo de 2023, o endividamento do governo brasileiro de fato avançou 2,25 pontos, saindo de 83,94% para aqueles 86,19%. Mas os níveis da dívida para os países emergentes registraram elevação de 4,10 pontos, enquanto os países maduros alcançaram uma leve moderação na dívida pública, que recuou de 113,94% para 113,28%.

E o rombo “histórico” do setor público brasileiro em 2023? Pois é, o déficit, nas projeções do FMI, cresceu bem menos no Brasil do que nas economias avançadas e mesmo em relação a países emergentes. Nas contas do fundo, o déficit primário no País, que exclui o gasto com juros, teria avançado de 1,06% para 1,72% do PIB entre 2017 e 2023, num acréscimo de 0,66 pontos percentuais. Os dados do Banco Central (BC) mostram uma elevação de 1,89% para 2,12% para o déficit primário do governo central (que inclui as contas do Tesouro Nacional, da Previdência e do próprio BC), equivalente a 0,23 pontos a mais. Entre as 20 maiores economias do planeta, conforme o FMI, o déficit subiu de 1,15% para 4,32% (ou seja, 3,17 pontos a mais), com aumento de 1,82% para 3,98% entre as 20 principais economias emergentes, igualmente entre 2017 e o ano passado (num dado ainda estimado pelo fundo).

Quatro vezes o PIB

Para complementar, de volta aos números do IIF, a dívida global total, somando governos, empresas, sistema financeiro e famílias, atingiu o recorde de US$ 313,0 trilhões no ano passado, numa alta de 5,1% frente a 2022, quando o endividamento total no mundo havia alcançado US$ 297,7 trilhões (em baixa de 2,3% frente a 2021). A dívida, portanto, representou 4,3 vezes mais o valor total das riquezas produzidas pela economia mundial, num nível que parece insustentável, mas que vem sendo reduzido desde 2020, quando bateu em 359,2% do PIB global. No ano passado, o endividamento havia baixado para 331,2% do produto, diante de 333,3% em 2022.

*Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

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