Privatização da Eletrobras tem aportes públicos, serviço mais caro e quase 1 bi em dividendos

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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"Na Eletrobras estatizada, o presidente ganhava R$ 50 mil. Na privatizada, ganha R$ 300 mil", diz Ronaldo Bicalho

O presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, durante cerimônia de posse (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Em meio a tentativa do governo de Michel Temer de privatizar a Eletrobras através da reestruturação da então estatal, a União, principal acionista, realizou, no segundo semestre de 2016, aportes na ordem de R$ 2,87 bilhões aos cofres da empresa. Estava iniciado o processo de privatização.   

Voltando ao presente, a Eletrobras divulgou em maio o pagamento de R$ 863,4 milhões em dividendos a seus acionistas, recém proprietários da companhia, referentes aos resultados de 2022, ano em que a privatização iniciada por Temer foi concluída por Jair Bolsonaro com a aprovação do Congresso.  

Ronaldo Bicalho, pesquisador do Instituto de Economia (IE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica os interesses da Eletrobras privatizada como os do lucro para acionistas e executivos. “Na Eletrobras estatizada, o presidente ganhava R$ 50 mil. Na privatizada, ganha R$ 300 mil”, diz.  

Se os interesses da Eletrobras privatizadas se deslocaram para o lucro, se desvencilhando de seu papel no desenvolvimento do país, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por outro lado, estima que a tarifa de energia elétrica deve subir, em média, 6,9% em 2023. 

Ponte para o futuro

O impeachment da presidente Dilma Rousseff não estava completo, mas o principal articulador dele, o então vice-presidente Michel Temer, já havia se mexido para construir a “ponte para o futuro” com as privatizações, e a Eletrobras foi seu primeiro alvo com o início da reestruturação. 

Até ser privatizada, no ano passado, a União abriu seus cofres para mais portes à Eletrobras e viu o presidente designado por Temer para a reestruturação, o engenheiro elétrico Wilson Ferreira Júnior, realizar cortes, que em janeiro foram suspensos por conta de ataques bolsonaristas às linhas de transmissão e, mais recentemente, por ordem da Justiça (leia abaixo).

Pagar menos, ter o controle 

Mas a gestão da Eletrobras fez ainda mais para executar a privatização: aceitou o que especialistas chamam de “aberração” na quantidade de ações que a União seguiu detendo em relação ao seu poder de controle da empresa. A Advocacia-Geral da União (AGU) questiona junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) o formato.  

A União ainda detém 42% das ações nominais da Eletrobras, o governo, portanto, deveria ter quatro assentos no Conselho da Eletrobras, mas hoje só ocupa um dos dez assentos. Significa que 32% das ações viram pó porque o governo opera como se só tivesse 10% das ações.

“Por que o governo não ficou só com 10% e vendeu os outros 32%? Porque se o governo fosse vender, ia ficar mais caro para quem ia comprar. Para ficar com o controle da maior empresa de energia da América Latina pagando menos, os compradores colocaram esse mecanismo”, explica Bicalho. 

Vigarice

O pesquisador chama de “vigarice” grupos que se escondem atrás de corporações para controlar a Eletrobras. O grupo 3G, por exemplo, tem 0,01% das ações e detém mais controle do Conselho do que o governo federal, influindo em mais assentos e assim mobilizando seus interesses na companhia. 

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.385, impetrada pelo governo federal, questiona a privatização da Eletrobras junto ao STF. Também por conta da ADI, a Justiça Federal do Rio de Janeiro suspendeu o programa de desligamentos da empresa previsto entre maio deste ano e abril de 2024.

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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