Entramos na pandemia em meio a uma crise econômica já instalada, dizem Economistas pela Democracia

Ao que tudo indica, a recessão que se avizinha irá além dos 6,25% de encolhimento do PIB agora previsto pelo Boletim Focus do Banco Central.

Nota Técnica da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia

Nesta terça-feira, 2 de junho, o Brasil atingiu a marca de 31.199 mortos e 555.383 infectados pelo covid-19. Estes são dados oficiais e padecem, como se sabe, de fortes problemas de subnotificação. O Brasil se aproxima dos índices e do volume de infecções presentes nos Estados Unidos, caminhando rapidamente para se tornar o novo epicentro da pandemia.  Os impactos do covid-19 incidem sobre os aspectos sanitários, sociais e econômicos dos mais diferentes países atingidos. Mesmo em países onde a economia parecia expressar condições de relativa normalidade, e até um viés de expansão, a retração econômica se impôs, particularmente onde medidas de isolamento social não foram adotadas pelo governo central, ou foram adotadas com muito retardo. Este é o caso dos Estados Unidos, onde, segundo a Folha de São Paulo de 28 de maio, os níveis de desemprego estavam em torno de 3,5% da força de trabalho em fevereiro, passando para 14,7% em abril, sendo que a expectativa é de acentuada retração do PIB norte-americano  este ano. As condições internacionais já atuavam no sentido de que 2020 seria um ano marcado pela continuidade das tensões políticas entre EUA e a China, com esperada desaceleração econômica na própria China e um quadro europeu repleto de incertezas. Incertezas que também incidiam muito fortemente sobre a América Latina, atravessando um cenário com sucessivas turbulências políticas.

Quanto ao Brasil, entramos na crise do covid-19 sem sair da crise econômica decorrente das opções políticas que impõe um quadro de drástica retração à atividade, em um contexto de desmonte das instituições estatais e sistemáticos cortes nos gastos públicos. Políticas de austeridade fiscal já vinham se mostrando incapazes de gerar mesmo os modestos 2,5% de crescimento do PIB a que se propunham. O setor externo tampouco se mostra capaz de alavancar uma melhoria do desempenho doméstico. O próprio déficit em conta corrente de 2,67% em 2019 sinaliza o tamanho do problema. Conforme os números da pesquisa do IBGE que foi publicada nesta mesma sexta-feira, o primeiro trimestre de 2020 apresenta uma retração de 1,5% em relação ao último trimestre de 2019. Isto só demonstra o agravamento de uma situação que se deteriora desde 2014, e vem assumindo contornos de crescente irreversibilidade sob a atual orientação de política econômica.  De fato, o quadro de crise sanitária se manifesta em uma sociedade onde o PIB, calculado em relação aos últimos 12 meses incluindo o primeiro trimestre de 2020, já assinala uma retração de 0,3%. Cabe acrescentar que, no Brasil, medidas de isolamento social muito tímidas e contando com a oposição do governo federal, começaram a ser tomadas apenas nos últimos dias de março. Ou seja, não podemos colocar na conta do corona vírus a retração verificada no primeiro trimestre deste ano. Isto não significa que a pandemia não esteja, já agora em final de maio, manifestando violentos efeitos adversos sobre a estrutura econômica do país. E a resistência do governo federal em assumir qualquer política de isolamento, criando inclusive todo o tipo de constrangimento perante as medidas tomadas por vários governadores em âmbito estadual, só fará aprofundar a crise, ao expandir e prolongar os efeitos da pandemia.

Como era previsível, o impacto da crise se dá mais fortemente entre as micro e pequenas empresas, que constituem um conjunto de cerca de 13 milhões de pequenos negócios que empregam 21,5 milhões de pessoas, respondendo por 52% dos empregos gerados no país. Pesquisa do Sebrae com 10.384 empresários constatou queda de faturamento em torno de 60% neste segmento. Um dos aspectos que merece destaque na pesquisa é a sinalização dos empregados consultados quanto a necessidade de apoio financeiro direto do governo federal aos empresários e suas famílias. A pretensa alternativa criada pela liberação dos depósitos compulsórios para fins de ampliação do crédito mostra-se no mínimo inócua, pois o sistema financeiro privado não está repassando estes recursos para aqueles que solicitam crédito.  Segundo a referida pesquisa, 58% dos micro e pequenos empresários que recorreu a banca privada teve seu pedido de crédito negado; outros 28% estão aguardando a mais de 18 dias alguma resposta, e somente 14% obtiveram êxito. As medidas do governo federal destinaram um montante de recursos no montante de R$ 1,2 trilhões ao sistema financeiro, gerando um brutal empoçamento de liquidez sem nenhum resultado efetivo na ampliação do crédito ao setor privado. A estes dados se somam os resultados apresentados pelo CAGED, onde uma perda de 860.503 empregos formais está registrada para o mês de abril.

Ao que tudo indica, a recessão que se avizinha irá além dos 6,25% de encolhimento do PIB agora previsto pelo Boletim Focus do Banco Central. A persistência da atual política econômica, por si só geradora de um quadro recessivo independentemente da pandemia, na presença desta assume um viés de radical desmonte social e estraçalhamento do mercado interno. A evidente retração do consumo das famílias exige uma resposta de retomada urgente dos investimentos públicos. A falácia quanto a miraculosa vinda de investimentos privados estrangeiros sucumbe perante a realidade dos números. O que se constata é uma crescente saída de capitais, seja pelas condições da economia internacional, seja principalmente pelo clima político conturbado internamente. O fato óbvio é que economias em flagrante retração decididamente não são atrativas para investidores externos.

Segundo a Folha de São Paulo, a retirada de recursos estrangeiros do mercado brasileiro somou US$ 23 bilhões em março. Em abril, segundo dados divulgados nesta terça-feira (26) pelo Banco Central, mais US$ 7,3 bilhões dos investimentos estrangeiros abandonaram o país. No acumulado de 12 meses, deixaram o mercado nacional mais de US$ 60 bilhões. Quanto a entrada de recursos sob a rubrica de investimentos diretos, que nos últimos anos apresentaram um volume de acima de US$ 5 bilhões mensais, o que se observa é uma brutal reversão de expectativas. Ao contrário dos US$ 2 bilhões previstos para abril, apenas ingressaram US$ 236 milhões. Quaisquer perspectivas de contar com estes movimentos de capitais para financiar o déficit de transações correntes se dissolvem rapidamente. Por sua vez, a desvalorização do Real perante o dólar norte-americano se aproxima de 40% só neste ano de 2020, que ainda está em seu primeiro semestre.

A desvalorização do real, se ajuda a restringir as importações, significa ao mesmo tempo uma perda de poder aquisitivo que agrava as condições de vida da grande – e pobre – maioria da população brasileira.

A pandemia torna ainda mais imperiosa a reorientação das medidas econômicas. A necessidade do papel do estado como ator principal no enfrentamento da crise e na condução dos investimentos públicos como saída para a crise é essencial. Na recuperação da crise econômica anterior, em 2008 e 2009, o sistema financeiro público – ai incluídos o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o BNDES e os bancos regionais de desenvolvimento- teve um papel fundamental. Sustentaram o crédito as micro, pequenas, médias e grandes empresas em um momento onde o sistema financeiro privado havia contraído bruscamente a concessão de empréstimos. Hoje, uma alternativa evidente ao empoçamento de liquidez no sistema bancário deve ser uma resoluta ampliação do crédito por parte das instituições públicas, além da ampliação e efetiva e capacitada gestão de programas de renda emergencial para as parcelas da população ora desprovidas de recursos básicos para sua própria sobrevivência. E o rumo da retomada não poderá ser outro que não uma abrangente e substantivo programa de investimentos públicos, que possam inclusive sinalizar ao setor privado a reversão do quadro de retração econômica que temos atravessado.

3 de junho de 2020

Grupo de Análise dos Impactos da Crise

Associação Brasileira de Economistas pela Democracia – ABED

 

Redação

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