Economia Circular, uma confusão conceitual, por Luiz Alberto Melchert

Há mais de 50 anos que os economistas estudam esse fenômeno dividindo a matéria em dois ramos: dos recursos renováveis e dos não renováveis

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Economia Circular, uma confusão conceitual

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

De vez em quando, surge um conceito com aura de novidade, quando não passa de nome novo para coisa velha. Horizontalização, por exemplo, virou terceirização, mas sempre existiu na indústria de automóveis a ponto de, muitas vezes, as fábricas serem chamadas de montadoras. Sobre os arranjos produtivos, sugiro ler “Entre arranjos e desarranjos, para onde vai a indústria“. Agora, como se o papel não tivesse nascido do mercado de trapos, como se os garrafeiros nunca tivessem existido, eis que surge o termo economia circular como parte da solução para tornar nosso modo de vida minimamente ambientalmente sustentável.

Muitas indústrias nasceram da reciclagem, que o fato de o produto poder ser usado indefinidamente sem perder significativamente suas características. O produto mais reciclável que existe é o vidro. No início, os garrafeiros recolhiam as garrafas para que fossem reusadas exatamente como eram, daí seu formato ser padronizado em sua quase totalidade. Garrafas de vinho e de cerveja são excelentes exemplos disso, repondo-se exclusivamente as que se quebrassem. Mais tarde, para evitar o custo do frete de retorno, vieram as garrafas one way, cuja ideia era que fossem recuperadas no lixo, moídas e recicladas, posto que a exigência de transparência e cor eram bem relaxadas. Entre os metais, o alumínio é o mais reciclável. Mesmo assim, a Cosipa e a Gerdau surgiram para reciclar ferro-velho, cujo termo não existiria se atividade de reciclar não fosse economicamente significativa. Aliás, se não se tratasse de atividade generalizada, não haveria furto de fios e cabos, causando tanto transtorno à população.

Reprocessamento, por sua vez, refere-se à redução do desperdício de matéria-prima num dado processo produtivo. Quem já leu “Norte e Sul”, de Elizabeth Gaskell, sabe que, no século XIX, morria-se por respirar a penugem de algodão, que era liberada no processo de cardagem. Hoje, há exaustores com filtros de manga nos cotonifícios para reprocessar cada fibra captável, resultando em produtos de baixa qualidade como moletons e calças jeans. O estado da arte nesse quesito é o reprocessamento de madeira que deu origem ao MDF, que se se fazem 90% dos móveis. O mesmo se pode dizer das moendas de polímeros existentes em todas as fábricas de peças técnicas de plástico visando ao reprocessamento de eventuais rebarbas. O mesmo se pode dizer das aparas de ferro, alumínio e quaisquer outros metais, havendo mercado especializado nisso.

O reuso refere-se aos bens que, depois de tratamento, podem ser usados em outras atividades econômicas que não as originais. A água de reuso, por exemplo, pode ser usada para lavar calçadas, ou mesmo para limpeza de máquinas na indústria. A VW, por exemplo, já lança mão da água de reuso para todas as atividades que não envolvam o consumo humano.

Finalmente, o reaproveitamento ocorre quando os bens são usados para um fim secundário com o mínimo de manufatura. É o improviso na sua essência. No passado, era mais comum, pois o poder aquisitivo induzia a transformar em utensílios tudo o que não se desmanchasse com o uso original. Latas de óleo ganhavam um cabo de vassoura velha e viravam pás, assim como tudo o que permitisse o engenho humano.

Já há mais de cinquenta anos que os economistas estudam esse fenômeno metodicamente, a ponto de dividirem a Economia em dois ramos distintos, dos recursos renováveis e dos não renováveis, o que foi exaustivamente estudado na série “Capitalismo Verde e a Natureza como ativo”, publicado entre 10 e 24 de maio de 2022 neste espaço. A busca pela eficiência é uma constante na atividade humana. Carros grandes, até os anos 1980, faziam, quando muito, 3,5 km/l. Hoje, veículos de igual porte e desempenho chegam a rodar 10 km/l. Se híbridos, chegam aos 30 km/l de combustível. Antes, os veículos eram pesados por conta do emprego de materiais; hoje eles pesam pelo acúmulo de equipamentos de segurança.

É então que entram os modismos acadêmicos como a Teoria das Restrições, que afirmava que eliminar os gargalos seriam suficientes para coibir desperdícios, além do Custeio Baseado em Atividades que, em oposição, rezava que era a mensuração dos processos que traria efeitos econômicos significativos.

Então, onde entra o conceito de Economia Circular? Na medição e na coordenação, ambas atividades exercidas pelo Estado. Ambas atividades são extremamente incipientes e carecem de ampla discussão, embora relatórios como o da Cepal já apresentem alguns índices que bem podem ser injustos como veremos no próximo capítulo.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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