Crônica de um economista sonhador, por Luiz Alberto Melchert

Importante é que as escolas formem profissionais sinceros, não operários do sistema financeiro para quem a população não conta.

Crônica de um economista sonhador

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Perto de cinquenta anos atrás, quando ainda era um graduando de Economia, conversava com um vestibulando de Medicina à beira de um balcão de bar, perante duas xícaras de café. Perguntei a ele por que escolhera a Medicina. Veio a resposta clássica: “Porque o médico salva gente”. Na ingenuidade dos vinte anos, respondi que os médicos salvam gente de um em um, enquanto os economistas podem salvar ou condenar milhões de uma vez só. Era a crença de que o economista poderia aplicar seu conhecimento isentamente.

A vida ensinou que sim, que os economistas podem matar ou salvar aos milhões. Ensinou também que não são os profissionais que decidem o que e quando se aplicará, porém, os políticos que, por sua vez, servem a quem os financia. O exercício da profissão mostrou ainda que os economistas, na ânsia de manter seus empregos, raramente bem remunerados, dão os mais infames nós lógicos para moldar a teoria aos interesses de seus pagadores.

Foi a pandemia que ensinou que os médicos também podem salvar ou condenar pessoas aos borbotões. Pior que isso, a prova reside em que de milhares de profissionais, apoiados pelos conselhos que deveriam zelar pela cientificidade da atuação médica, abraçaram o que havia de ideologicamente pior. Enviesaram-se receitas, adulteraram-se bulas, criaram-se aplicativos de automedicação, sempre em nome de uma causa política, desconsiderando a saúde da população.

Isso não implica em que não houvesse médicos dedicados, que aplaudiam os pacientes que deixavam os hospitais. Foram profissionais que, em muitos casos, deram suas vidas na tentativa de manter faiscando um resquício de vida em seus pacientes.

Será que existe o mesmo tipo de alegria da cura entre os economistas? Antes, é preciso caracterizá-lo como o profissional que estuda como se dá e como se distribui a riqueza numa dada sociedade, não como aquele que acha que tudo se resume a duas variáveis, taxa de câmbio e taxa de juros. Esses últimos são, no fundo, meros financistas, meros operários que põem tijolo sobre tijolo sem se importar com o que será construído, se um hospital ou uma cadeia. O verdadeiro economista é aquele que, ao chegar a uma cidade ainda não visitada, perscruta o ambiente na busca de saber do que vivem seus habitantes e se o resultado de seu trabalho se reflete em uma vida digna.

A agonia do verdadeiro economista consiste em ver pessoas revirando o lixo para comer. O verdadeiro economista consterna-se por ver um estabelecimento comercial fechar, soterrando por trás de sua porta cerrada todos os sonhos, todas as economias do empreendedor. O verdadeiro economista é aquele cujos olhos se umedecem ao ver seu semelhante ao relento, sabendo que ele não nasceu ali, que já teve uma casa, um emprego, uma família.

Assim como médicos aplaudiam os pacientes que deixavam o hospital depois de sobreviver à covid, Economistas verdadeiros regozijam-se quando a economia dá mostras de recuperação, de que um novo ciclo de prosperidade se apresenta.

As mostras de recuperação estão na música dos bares, no riso dos frequentadores em uma noite quente de sábado. A saída da crise se apresenta pela redução do número de motociclistas esfalfando-se nas entregas porta a porta. É que as pessoas passam a sair de casa e os motociclistas a trabalhar nos estabelecimentos que as servem, deixando de se arriscar nas ruas. A prova de que as coisas estão melhorando também está na redução do número de motoristas por aplicativo que se dedicam à atividade em tempo integral, voltando à expectativa de a renda, agora  marginal, destinar-se ao aumento do bem-estar, não ao sustento do dia a dia.

Existe sim muito espaço para o verdadeiro economista se alegrar, mesmo depois de quase cinquenta anos do exercício da profissão. Importante é que as escolas formem profissionais sinceros, não operários do sistema financeiro para quem a população não conta.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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