8 de janeiro e a Noite dos Cristais, por Luiz Alberto Melchert

As lacrações e cancelamentos nas redes sociais passaram a ter o mesmo efeito das fogueiras de livros, anulando o acesso ao contraditório

8 de janeiro e a Noite dos Cristais

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Karl Marx disse que a História nunca se repete. Ele estava certo porque sempre que se tenta reavivar uma ideia ou um movimento, o intento apresenta-se como farsa. Essa talvez seja a mais conhecida frase de 18 de Brumário de Luís Napoleão. Mas não é essa a única frase de efeito daquela obra a ser repetida por pessoas de todos os matizes políticos. A outra é “um relâmpago em céu azul”. Duro é que se dá um sentido totalmente esdrúxulo ao termo “farsa”, que deve ser entendido em seu aspecto cênico, não como engodo.

O renascimento do nazismo como movimento politicamente explícito passará à História como farsa, mas jamais como um relâmpago em céu azul. Farsa porque as premissas não se poderiam repetir. Já não cabia culpar um povo pelos fracassos de uma nação como se fez com os judeus na versão original do nazismo. Decidiu-se por retomar o temor do comunismo como ideal de dominação. Mas não se poderia usar o mesmo argumento da Guerra Fria porque o lado oposto já não existia. Era preciso distorcer os conceitos, inventando-se o nazismo de esquerda e os banqueiros socialistas que pretendiam dominar o mundo. Aí, o termo farsa coube perfeitamente, haja vista que erigiu-se uma pantomima capaz de arrebanhar os incautos mais dados a se acharem intelectuais. Entraram nesse movimento professores universitários que se tornaram acólitos de pseudo filósofos. Abraçou-se um anarcocapitalismo, elegendo o Estado e seus poderes como inimigos figadais.  O silogismo seria o de que, em o nazismo sendo de esquerda e o movimento de direita, nazismo não haveria de ser. Mas não era suficiente, seria preciso encontrar um canal destinado aos menos intelectualizados e aos detratores da educação. A solução é a religião. A aliança com as igrejas neopentecostais, com seu calvinismo próximo dos métodos da Amway, seria responsável pela capilarização que os livros não têm no Brasil, assim como põem a viseira intelectual de uma bíblia retraduzida e flagrantemente distorcida. Estava pavimentada a avenida por que o nazismo redivivo poderia transitar impunemente, tendo como combustível as bancadas da Bíblia, do boi e da bala.

Se escoimarmos as palavras dos discursos de Silas Malafaia, ficando somente com a entonação, teremos a reprodução sonora das falas públicas de Hitler. Ao mesmo tempo, Carluxo, com seu Gabinete do Ódio, assumiu o papel de Goebbels, porém, com o status de eminência parda, não como ministro da propaganda.

 As lacrações e cancelamentos nas redes sociais passaram a ter o mesmo efeito das fogueiras de livros, anulando o acesso ao contraditório. As motociatas reproduziam as demonstrações de apoio a Mussolini, enquanto as datas comemorativas reviviam o  culto ao mito, como tradução de Duce ou Führer.

Faltava só um pogrom para cimentar a transcrição do nazismo para os dias de hoje.

A Noite dos Cristais aconteceu de 9 para 10 de novembro de 1938, abrangendo a Alemanha, a Áustria e a Tchecoslováquia, já anexadas ao Reich. As ordens de Goebbels eram de que o pogrom deveria parecer espontâneo, como reação ao assassinato de Von Rach, diplomata lotado em Paris, por um judeu de dezessete anos, cujos pais estavam detidos na fronteira da Polônia. Nesse evento, a intenção era assaltar os estabelecimentos judeus, quebrando-lhes as janelas e ateando fogo ao seu interior, depois de selvagemente saqueado. A polícia e os bombeiros deveriam assistir a tudo, somente evitando que os incêndios atingissem imóveis de não judeus. Em tudo o 8 de janeiro tentou ser uma reprodução da noite dos cristais, inclusive pela enorme quantidade de cacos de vidro, o que deu nome ao evento de 1938.

É claro que houve adaptações ideológicas. O assalto não se deu contra um determinado povo, mas contra uma classe, a dos políticos, atingindo secundariamente as instituições estabelecidas. Caracterizou-se, no entanto, como farsa no sentido de que, no hitlerismo, as instituições já estavam dominadas, no bolsonarismo não. É possível que o pogrom acontecesse mesmo que Bolsonaro tivesse ganho, mas não como tentativa de tomada do poder. A intenção seria aniquilar os demais poderes, mais ou menos como o incêndio do Reichtag. A persistência do apoio afasta a ideia de relâmpago em céu azul.

Luiz Alberto é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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