Saúde e segurança nacional, por Luiz Alberto Melchert

Eventos como o descrito aqui servem para que nos conheçamos melhor, seja pelo que expões, seja pelo que não abrangem.

Agência Brasil

Saúde e segurança nacional

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Esta coluna não pretende fazer jornalismo, mas há momentos em que relatar acontecimentos torna-se imprescindível para entender o país como um todo. Estivemos, dia 12 de setembro, num muito bem elaborado evento sobre saúde como estratégia nacional na sede do BNDES. Ele versava sobre os  investimentos necessários à indústria para que ela ganhe competitividade e que o país saia dos atuais 5% de produção nacional de insumos para a indústria de fármacos e volte aos 50% de antes dos planos Collor e Real. Além das químicas fina e analítica e, o evento avançou sobre as pesquisas clínicas, sobre o que a diversidade climática de nosso território e étnica de nossa sociedade constituem indubitável vantagem comparativa, enquanto o preparo de nossos cientistas transformam em evidente competitividade. Mesmo assim, exceto durante a recente pandemia, viram minguarem as verbas públicas. Tratou-se também dos fatores determinantes do preço dos medicamentos, tornando o evento bastante abrangente. Dois aspectos, no entanto, não foram abordados e, para que o fossem, seria necessário um dia a mais.

O primeiro diz respeito à atividade econômica à jusante da indústria farmacêutica. Não é novidade que a economia brasileira atingiu um nível alarmante de cartelização e a indústria de medicamentos e insumos de uso médico não fogem à regra. Pode-se dizer que se trata de uma indústria que saiu da concorrência monopolística do início do séculos XX e, nos últimos cinquenta anos, vem-se cartelizando fortemente via fusões e aquisições. Empresas como Bayer, Pfizer e Novartis detêm mais de 60% do mercado, apesar do esforço de governos em facilitar a introdução de novos jogadores, seja pela quebra de patentes, seja pelo incentivo à produção de genéricos e equivalentes. Ocorre que a cartelização saiu da indústria e alastrou-se à distribuição, com distribuidoras cujo faturamento excede largamente o dos maiores fabricantes nacionais, independentemente da origem de seu capital. Esse assunto pode originar uma série com vários capítulos, mas o que interessa aqui é que não existe no sistema público de saúde um concorrente à altura para minimizar os custos de distribuição. Mesmo os produtos destinados à farmácia popular seguem o mesmo trajeto, de cartel em cartel, visto que também o varejo vai pelo mesmo caminho com redes de farmácias praticando constantes fusões e aquisições. Não será surpresa se as poucas farmácias de bairro, que ainda não se filiaram a alguma cooperativa de compras, passem a tornarem-se franqueados de alguma rede.

O segundo aspecto intocado foi a enorme – para não dizer imensa – área cinzenta que permeia as medicinas humana e animal. O Brasil detém o título de maior produtor de proteína animal do mundo graças aos seus 250 milhões de cabeças de gado bovino, com  50 milhões abatidos ao ano para os mercados interno e externo, às duas milhões de aves abatidas por dia, aos 1,5 milhões de porcos por semana e aos sete milhões de cavalos que nos servem campos a fora. Tudo isso sem contar os 82 milhões de  cães e quinze milhões de gatos, considerando somente os animais domésticos. Há uma percentagem significativa de fármacos coincidentes, sem contar os que foram desenvolvidos para animais e foram, posteriormente, adotados pela medicina humana. Dois exemplos são os corticoides, especialmente o Decadron que é usado em cavalos desde a virada do século XIX para o XX, e o NFG5 que, para humanos, tem o nome de Calminex. Ponha-se nessa lista, que pode chegar aos milhares de itens, vermífugos, protetores articulares e antibióticos.

Nossos órgãos de controle não permitem compartilharem-se as plantas dedicadas a animais e humanos, mesmo que o processo e o grau de higiene sejam exatamente os mesmos, quando não mais exigentes para o mercado de criação. Não é à toa que algumas empresas do mercado farmacêutico tenham feito o “speen off” de seus departamentos de saúde animal, como foi o caso da Zootetis, que é oriunda da Pfizer. Isso reduz a escala e leva à importação muitas vezes desnecessária. Algumas restrições podem perfeitamente ser revistas, devido ao grau de precisão que os processos produtivos assumiram ao longo do tempo, o que tende a aprofundar-se com a indústria 4.0.

Eventos como o descrito aqui servem para que nos conheçamos melhor, seja pelo que expões, seja pelo que não abrangem. Ter uma indústria forte e saudável, assim como um sistema de distribuição robusto, a prova de ataques são, antes de qualquer coisa, pontos fulcrais de tudo o que disser respeito à segurança nacional.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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