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Consideração sobre o financiamento da transição para uma economia de baixo carbono

Em conclusão: a transição climática e recuperação da biodiversidade demandam investimento de longo prazo com financiamento de longo prazo.

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Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Consideração sobre o financiamento da transição para uma economia de baixo carbono e com preservação ambiental

por Carmem Feijo

A transição para uma economia ambientalmente sustentável, ou seja, que preserve a biodiversidade e promova a transição climática com baixa emissão de CO2, implica necessariamento a realização de vultosos investimentos em capital físico e humano. Esta nota vai tratar do financiamento dos investimentos no processo de transição para uma economia ambientalmente sustentável, ressaltando a importância da disponibilidade de crédito, público e privado, pelo sistema financeiro.

Do ponto de vista macroeconômico, investimento é uma despesa na aquisição de bens e serviços de investimento, que para ser realizada demanda financiamento de longo prazo. Economias modernas oferecem diversos alternativas de financiamento em ativos com longa duração, sendo a mais tradicional, a disponibilidade de crédito em volume, horizonte temporal e custo adequados. Assim, a transição para uma sociedade ambientalmente sustentável necessita disponibilizar recursos financeiros compatíveis com a necessidade de realização de investimento em setores “verdes”.

Em grandes linhas, a literatura econômica debate incentivos para induzir a oferta de crédito privado,  baseado em mecanismos de preços, e/ou por políticas de crédito direcionadas, associadas a metas a serem alcançadas em conformidade com políticas macroeconômicas voltadas para a transição para economia ambientalmente sustentável.

Iniciando com incentivos via preços, a ideia é tornar os produtos/processos verdes relativamente mais atrativos para aumentar a sua procura. Espera-se, assim, aumentar a rentabilidade das empresas que operam em setores com sustentabilidade ambiental e facilitar o acesso a crédito à essas empresas/setores.

Entre as políticas para expandir a oferta de crédito privado para setores ambientalmente sustentáveis estão a) instituir um imposto sobre o conteúdo poluente de bens e serviços, b) retirar subsídios a atividades poluentes, e conceder subsídios a atividades não poluentes e c) criar um mercado de licenças de emissão de carbono.

Porém, há obstáculos a essa estratégia. Um primeiro obstáculo é que estabelecer um preço para bens públicos ambientais (globais) poderá nunca ser implementado, por forte resistência sob alegação de que prejudica os negócios e aumenta custos de produção. Um segundo obstáculo é a incerteza quanto ao real compromisso político de sustentar políticas ´verdes´ao longo do tempo.

Ou seja, o mecanismo de indução de financiamento privado via preços pode não ser o suficiente, e as razões estão ligadas ao que a literatura macroeconômica identifica como falha de mercado na oferta de crédito em economias modernas.

Falha de mercado na oferta de crédito implica que mesmo na presença de oportunidades de investimento rentáveis e de preços “corretos”, instituições financeiras privadas, bancos em particular, podem não estar dispostos a fornecer o montante de crédito que a economia necessita para processos e produtos ambientalmente sustentáveis. Ou seja, podem racionar o crédito a setores e empresas onde o grau de incerteza envolvido na atividade a ser financiada é considerado elevado.

Deve-se considerar também como se comporta a demanda por investimento em ativos ambientalmente sustentáveis. Mesmo com políticas e incentivos para ampliar a oferta de recursos para financiar os investimentos em atividades ambientalmente sustentáveis, há condicionantes que limitam o interesse por investimentos em sustentabilidade ambiental.

Um condicionante diz respeito ao perfil de risco/retorno pouco atraente dos investimentos ambientalmente sustentáveis. Por um lado, os riscos associados — reais ou percebidos – são grandes. Se os riscos percebidos são elevados, os retornos dos investimentos `verdes` devem ser muito elevados também para atrair investidores. Porém, os retornos esperados podem ser relativamento pouco atrativos porque envolvem: a) horizonte temporal de longo prazo (competem com investimentos de curto prazo); b) investimentos podem ser muito ilíquidos o que, aliado ao longo período de maturação, desestimula a iniciativa privada.

Dadas as dificuldades tanto na oferta de financiamento privado a investimentos ´verdes´ com incentivos tradicionais via mecanismo de preços, como na própria demanda por projetos de investimento ´verdes´, uma alternativa é trazer o protagonismo da política monetária e dos bancos de desenvolvimento como indutores do investimento para transição climática e a recuperação da biodiversidade.

Neste caso, o incentivo ao aumento da oferta de crédito para financiar o investimento em bens públicos ambientais pode vir:a) de um conjunto de políticas regulatórias sobre o sistema bancário sobre o uso das reservas bancárias de forma seletiva, b) do próprio banco central, que pode potencialmente criar reservas de acordo com os seus objetivos, e c) através de bancos de desenvolvimento que representariam a opção de conceder empréstimos diretamente utilizando repasses de recursos públicos (Tesouro Nacional ou via de Fundos específicos) ou captação via lançamento de títulos ´verdes´. Neste último caso, por exemplo, se os títulos ´verdes´ lançados por bancos de desenvolvimento são adquiridos pelo banco central, o banco central estaria executando uma política de flexibilização de crédito `verde`, uma espécie de quantitative easing voltado ao financiamento da sustentabilidade ambiental.

Em conclusão: a transição climática e recuperação da biodiversidade demandam investimento de longo prazo, uma categoria de despesa que para ser realizada, necessita de financiamento de longo prazo. O financiamento via crédito privado tende a ser racionado para atividades avaliadas como de maior risco e menor retorno. A condução da política monetária, com uma política de flexibilização de crédito a atividades ´verdes´, e a atuação dos bancos de desenvolvimento como ofertantes de financiamento ´paciente´ devem complementar iniciativas de incentivo ao financiamento ´verde´ via mecanismos de preços. Por fim, vale mencionar que ter os bancos de desenvolvimento como intervenientes sólidos no sistema de crédito, aliado a uma política monetária comprometida com um papel ativo na construção de uma economia ambientalmente sustentável, ajuda a aumentar o volume de recursos para a sustentabilidade ambiental, a expandir o mercado de obrigações ´verdes´ e a atuar como um catalisador para os investidores do setor privado.

Carmem Feijo – Professora titular na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora nível 1 do CNPQ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

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