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O papel do BNDES na retomada do crescimento sustentável brasileiro, por Fernanda Feil e Carmem Feijó

O Brasil converge para uma situação econômica crítica onde fragilidades domésticas se somam a um contexto internacional nebuloso

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Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O papel do BNDES na retomada do crescimento sustentável brasileiro

por Fernanda Feil e Carmem Feijó

O debate sobre o papel do BNDES na economia brasileira tem se intensificado novamente com a aproximação das eleições presidenciais. Discussões acerca de qual função a instituição deve assumir seguem central à agenda econômica. Transformar o BNDES em uma “fábrica de projetos” ou “banco garantidor” são expressões comuns que orientam cada vez mais o debate político.

O Brasil converge para uma situação econômica crítica onde fragilidades domésticas se somam a um contexto internacional nebuloso: há´ a congruência de um processo de desorganização das instituições públicas fruto da péssima administração federal com reformas malfeitas, a pandemia da Covid-19 ainda em curso e agora, o aumento da incerteza internacional com a eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia. Como resultado, temos péssimos  indicadores econômicos e sociais – a economia está estagnada,  a inflação alta e em elevação, o desemprego aberto e a informalidade em patamares inaceitáveis. Para completar a tempestade perfeita, a crise climática é uma realidade que se impõe e demanda mudanças radicais na forma de produção e consumo da sociedade. Caberia ao Estado um papel de indutor de um processo de transição verde sustentável, que no caso brasileiro, deveria ser combinado com uma mudança estrutural, aliado ao processo de desenvolvimento – agora baseado na sustentabilidade.

É, nesse  cenário de forte ameaça à estabilidade econômica e social, que  o BNDES pode ser usado como importante instrumento de política pública – talvez uma das poucas disponíveis para que o novo governo possa operar.

Ora, os serviços financeiros são essenciais para a oferta de liquidez na economia, condição primordial para o financiamento do investimento produtivo e, portanto, para o crescimento. O desenvolvimento econômico é viabilizado pela existência de sistemas financeiros aptos a ofertar financiamento em volume e condições favoráveis ao processo produtivo. O funcionamento do sistema financeiro, comprometido com o crescimento da renda e emprego, torna-se o setor  responsável pela transição entre escala mais baixa de produtividade para a mais alta. São as instituições financeiras que por meio da oferta de liquidez, e não os poupadores, que determinam as condições para o investimento. Portanto, a existência de instituições financeiras maduras e diversificadas é vital para a garantia do desenvolvimento. No entanto, a instabilidade no crescimento econômico é um forte indutor de fragilidades financeiras nos balanços das empresas, o que limita investidores  em promover crescimento sustentável, criando um círculo viciado de crescimento.

Nesse cenário, são os bancos de desenvolvimento que podem atuar como os agentes responsáveis pelo financiamento ao investimento de longo prazo, ou seja, são instrumentos eficazes no processo de mudança estrutural sustentável. Advogamos que a centralidade do crédito para o financiamento do processo de desenvolvimento justifica a intervenção do Estado na intermediação financeira.

Particularmente, no Brasil, o financiamento à atividades produtivas sempre teve forte presença de instituições financeiras públicas. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), posteriormente transformado em Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), iniciou suas operações em 1952 com o propósito de apoiar o processo de transformação produtiva.

O BNDE, como principal instituição financeira de desenvolvimento, manteve um papel altamente relevante no processo de industrialização no Brasil, apoiando projetos públicos, garantindo investimento ferroviário, energético e siderúrgico. Em 1964, 12 anos após sua fundação, o BNDE volta-se ao financiamento ao investimento do setor privado por meio de uma série de programas. A partir de 1974 com o II Plano Nacional de Desenvolvimento – PND, o BNDE passou a atuar mais claramente em consonância com a orientação política do governo, financiando essencialmente a produção de bens de capitais e insumos básicos. O Banco operava não apenas como fornecedor de crédito de longo prazo para os projetos, mas também como órgão de inteligência, realizando estudos setoriais e econômicos, oferecendo aos empresários projetos rentáveis e necessários ao projeto industrializante em curso.

A erupção da crise da dívida externa em 1980, que levou ao colapso dos fluxos internacionais de capitais privados para os países latino-americanos em 1982, significou uma desconexão completa entre políticas industriais, comerciais e macroeconômicas. A política industrial praticamente desapareceu entre 1990 e o início dos anos 2000. O BNDES nesta fase transformou-se no ´banco das privatizações´. Nos anos 2000, os financiamentos do BNDES passaram a priorizar as empresas que trariam vantagens competitivas para o Brasil, tanto no nível doméstico quanto internacional: o foco do banco passou do setor industrial  para a firma.

A partir de 2003, um novo marco da política creditícia foi instaurado no Brasil, com o aumento das operações de crédito na economia, utilizado para impulsionar o consumo e criar um ciclo virtuoso na economia. O governo do presidente  Luiz Inácio Lula da Silva, que iniciava, tinha na alavanca do crédito – a famílias e firmas- um importante instrumento para estimular a demanda agregada e, por conseguinte, o investimento produtivo. O período registrou expansão concomitante das operações de crédito das instituições financeiras públicas e privadas, ainda que, num primeiro momento, tenha tido como vetor dinâmico os bancos privados.

O advento da crise financeira internacional de 2007/2008,  implicou numa contração acentuada do crédito no mercado doméstico, e colocou os bancos públicos em geral, e o BNDES em particular, em posição de atuar contra ciclicamente, de forma proativa, disponibilizando grandes montantes de crédito para assegurar a manutenção do investimento e de capital de giro, garantindo também que as empresas seguissem operando em meio a um ambiente de incerteza. Porém, nos anos 2010, a economia desacelera o crescimento em relação ao ritmo da década de 2000. O aumento da incerteza no cenário internacional, associado a tentativas de flexibilizar a gestão da política macroeconômica no governo da presidenta Dilma Rousseff  resultam em uma recessão que se inicia em 2015.

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O ano de 2015 marcou uma  reversão na atuação  do BNDES. O PIB recua mais de 3% em 2015 e novamente em 2016. Registra-se no biênio a maior recessão da economia desde o pós guerra.. Surge  então uma campanha pública questionando fortemente a atuação dos bancos públicose do BNDES enquanto agentes de política pública – o argumento era que essas instituições estavam sendo usadas como instrumento político, sem a preocupação de manter as melhores práticas de gestão e garantia de sustentabilidade financeira. 

A mudança na orientação governamental em relação ao desempenho do BNDES levou à decisão de antecipar o retorno dos empréstimos feitos pelo Tesouro Nacional, previstos inicialmente para ocorrer na década de 2020, e de alteração da taxa dos empréstimos de longo prazo oferecidos pelo BNDES. O banco utilizou a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), uma taxa fixa historicamente inferior à taxa básica utilizada como instrumento de política monetária e que serve de piso para os empréstimos via mercado privado, como sua principal referência de custo para seu financiamento de longo prazo. Em janeiro de 2018, a TJLP foi substituída pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TLP). Enquanto o Conselho Monetário Nacional estabeleceu a primeira com base na meta de inflação e um prêmio de risco, a TLP é definida por uma taxa de juros fixa de cinco anos da NTN-B (média trimestral) acrescida pelo índice de inflação (IPCA).  A nova taxa é divulgada mensalmente pelo banco central. Como poderia ser antecipado, a TLP introduziu um componente significativo de incerteza nos novos empréstimos, afastando os tomadores. A função do banco, como referência para o financiamento a prazos mais longos, foi deixada para trás, e com ela o instrumento de política para alavancar o investimento produtivo. 

Curiosamente, a despeito do processo de desmonte em curso, o governo federal não pôde prescindir do BNDES para as políticas de sustentação da atividade durante a pandemia da Covid-19. O BNDES teve uma atuação ativa desde o início da pandemia, adotando medidas que contribuíram aumentar a liquidez. O banco ampliou o financiamento no setor de comércio e serviços – com especial atenção aos setores da saúde, com atividade na linha de frente do combate à pandemia – e nos segmentos de pequenas e médias empresas, bem como suspendeu, provisoriamente, prazos de pagamentos dos seus mutuários (standstill). 

A importância do BNDES na atualidade

Desde sua criação,  o BNDES foi importante instrumento de política pública – quer seja financiando grandes projetos estruturantes, quer seja atuando nas privatizações. A tentativa de descaracterizar operacionalmente seu papel de provedor de financiamento com orientação para setores e empresas estratégicos ocorre com a introdução do TLP, igualando as condições de operação do banco às do mercado financeiro privado. Contudo, atualmente, a agenda da transição climática se impõe. Advogamos que o papel do BNDES nesta agenda é imprescindível e deve ir além de um ´banco de projetos´ou mesmo de um ´banco garantidor´.

Num compromisso com a transição climática, caberá a ele direcionar os fluxos de financiamento para uma recuperação verde, sustentável e inclusiva. Esse papel não será cumprido por instituições privadas. A transição verde é um processo incerto, de longo prazo e que precisará de novos instrumentos financeiros e completa reordenação dos fluxos de capital. Não é á toa que mundialmente os bancos de desenvolvimento estão sendo reordenados para esse projeto. As novas demandas econômicas e sociais não são necessariamente as mais lucrativas do ponto de vista da iniciativa privada, mas são as imperativas para garantir tanto a mudança estrutural de uma economia em frangalhos quanto que a transição verde sustentável ocorra. Não se trata, portanto, de falta projetos ou garantias para manter a lógica produtiva. Trata-se, agora, de a construção de um novo mercado, inovador e sustentável, que precisa ser erguido. Ou seja, trata-se de induzir o processo intencionalmente. 

O BNDES deve se fortalecer enquanto braço de política pública – de preferência, inserido em um contexto amplo de promoção ao investimento, funcionando como instrumento de um Estado que tenha um projeto de desenvolvimento sustentável promovendo a transição verde. O banco é um dispositivo de política creditícia, que orienta a intencionalidade do Estado, direcionando o financiamento de longo prazo. Ele é, portanto, ferramenta de política econômica, tão importante quanto as políticas monetárias e fiscais. Para alcançar o objetivo de promover a transição verde sustentável, a mudança estrutural da economia e o pleno emprego, o BNDES é essencial.

Fernanda Feil – doutora em economia, pesquisadora do Finde e do Geep

Carmem Feijó – coordenadora do Finde e professora titular da UFF

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

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1 Comentário

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  1. A visão imediatista que caracteriza o setor privado nacional, é um dos grandes entraves em relação ao desenvolvimento do Brasil. Influenciado pelos receios deixados pelo histórico inflacionário do País, têm tido uma aversão ao risco e ancorou-se muito em incentivos fiscais. Talvez isso tenha um grande impacto sobre os níveis de produtividade, por causar uma desnecessidade de alcançar melhores condições de concorrência. Mesmo os investimentos estrangeiros que ingressaram no mercado brasileiro nunca tiveram motivos de evoluir em função da concorrência. O egoísmo e a falta de generosidade da elite empresarial para com o progresso do Brasil é uma das razões que atrapalham a construção de um projeto de desenvolvimento. Os reflexos positivos de um envolvimento mais comprometido com o crescimento, teriam efeitos espalhados por toda a sociedade. Esse distanciamento não deixou, que nas privatizações realizadas se procurasse garantir a permanência de estruturas de fornecimento, oferecendo a participação de empresas nacionais, possibilitando o desenvolvimento de tecnologias dentro dessas empresas. O desperdício de oportunidades que sistematicamente acontece por uma espécie de disputa com o Estado, misturando interesses de naturezas pública e privada tem travado as soluções para o desenvolvimento do País. Todas essas questões de alguma forma estão relacionadas com o baixo crescimento e consequentemente à queda da renda e a crescente informalidade, resultando nesse quadro de precarização.

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