O fim do modelo europeu de bem-estar social

Do Valor

Que descanse em paz

Guy Sorman
15/10/2010

Geralmente é mais fácil ver o começo de algo do que seu fim. Nascido em 1945 na Grã-Bretanha do pós-guerra, o Estado do Bem-Estar Social se deparou com seu fim recentemente, quando o ministro da Economia da Grã-Bretanha, George Osborne, repudiou o conceito do “benefício universal”, a noção de que qualquer pessoa, não só os pobres, devem se beneficiar de proteção social.

O Estado do Bem-Estar Social foi descrito por seu arquiteto intelectual, lorde Beveridge, como uma estrutura construída para proteger o indivíduo “do berço à cova”. Esse modelo passou a dominar todos os países da Europa Ocidental, onde tradições e práticas políticas locais ditam a diversidade da sua aplicação. Até os anos 60, toda a Europa democrática era social-democrata, uma combinação de mercados livres e proteção social em massa.

Esse modelo europeu teve êxito além dos sonhos mais delirantes e por décadas foi a inveja do mundo, de uma forma que nem o capitalismo americano do “Oeste Selvagem”, nem o socialismo de Estado maoísta e estalinista jamais poderiam ser. A social democracia parecia prover o melhor dos dois mundos, eficácia econômica e justiça social.

ÉverÉ verdade, sempre pairaram algumas dúvidas incômodas sobre o Estado do Bem-Estar Social, na sua maioria a partir dos anos 80, quando a globalização chegou à porta da Europa. Dificultadas pelo custo financeiro embutido no Estado previdenciário – e talvez também pelos desestímulos psicológicos e financeiros nele embutidos – as economias europeias começaram a se desacelerar, com a estagnação da renda per capita e com o desemprego elevado tornando-se um componente permanente.

Os defensores europeus do livre mercado jamais conseguiram reduzir o Estado do Bem-Estar Social. Até Margareth Thatcher fracassou na tentativa de tocar no Serviço Nacional de Saúde. Na melhor das hipóteses, a exemplo de Suécia ou Dinamarca, o modelo parou de se expandir.

Na França, ficou demonstrado que a classe média gasta mais per capita na sua saúde do que os mais pobres. Consequentemente, o plano nacional de serviços de saúde na verdade oferece um benefício líquido para o assalariado mediano. Nos EUA, parece ser mais direcionado para a classe média do que para os pobres, com o chamado crédito tributário sobre renda por trabalho (“earned income tax credit”) sendo o maior benefício. Portanto, o Estado do Bem-Estar Social dos EUA significa dinheiro para a classe média e programas sociais para os pobres. Esse padrão discriminador também pode ser encontrado por todos os lados na Europa Ocidental.

A investida de Osborne contra o Estado previdenciário britânico começou com o subsídio universal às crianças, um direito geral concedido a todas as famílias com filhos, independentemente das suas rendas. Esse benefício universal para crianças foi instituído em praticamente todos os lugares na Europa Ocidental para incentivar a procriação em países duramente danificados pela Segunda Guerra Mundial.

No Reino Unido, 42% dos subsídios para crianças vão para famílias ricas e da classe média. A proporção é a mesma na França. Osborne propôs extinguir os pagamentos a famílias com renda na alíquota fiscal mais elevada.

A economia (1,6 bilhão de libras) decorrente da proposta de Osborne representa apenas uma minúscula parcela da conta anual de 130 bilhões de libras destinada aos programas de previdência social da Grã-Bretanha. Ao tomar esse direito como alvo, o governo do premiê David Cameron espera dar ao povo britânico uma melhor compreensão acerca da injustiça do atual Estado de Bem-Estar Social.

Todos os governos na Europa precisarão fazer o mesmo: tomar como alvo o elo mais frágil no sistema de proteção social, o mais facilmente compreendido pela maioria das pessoas. O governo francês, nesse mesmo espírito, foi atrás das extravagantes aposentadorias dos trabalhadores do setor público, assim como da idade de aposentadoria legal, tentando elevá-la de 62 para 65 anos.

Qualquer um pode entender como o auxílio-criança para os ricos ou aposentadoria com apenas 62 anos de idade são injustificáveis. No entanto, a resistência popular a essas reduções de direitos adquiridos alegadamente injustos é mais forte do que se esperava. Intuitivamente, a classe média pode ver que este é o fim de uma era.

Será que o governo de Cameron, e qualquer outro que venha a trilhar esse caminho, acabará recuando diante da ira da classe média? De certa forma, os governos não têm nenhuma escolha ao visarem os direitos da classe média. A crise financeira de 2008, agravada pelo inútil gasto público keynesiano, levou todos os países europeus à beira da falência. Só os Estados Unidos podem imprimir sua própria moeda indefinidamente e elevar a sua dívida.

Portanto, os países europeus não têm outra escolha exceto reduzir suas despesas, e tomar como alvo benefícios previdenciários que representam, na média, metade do gasto público europeu, é a forma mais fácil de obter alívio fiscal imediato. O Estado do Bem-Estar Social não desaparecerá da Europa, mas deverá ser reduzido – e permanecer concentrado nos que realmente necessitam de ajuda.

Se tomarmos o desemprego como o critério definitivo, o Estado do Bem-Estar Social europeu proporcionou uma rede de segurança para a classe média, mas atolou 10% dos seus membros mais vulneráveis numa dependência previdenciária permanente. Sessenta e cinco anos depois de lorde Beveridge, Cameron e Osborne nos pediram para nos firmarmos mais ou menos sós sobre nossas próprias pernas.

Guy Sorman economista e filósofo francês, é autor de “Economics does not lie” (A economia não mente). Copyright: Project Syndicate, 2010.

www.project-syndicate.org  

Luis Nassif

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