O planejamento urbano na China

Por MarcosAS

Bom texto, Nassif. Gostaria de ressaltar que a desigualdade em país cuja economia cresce rapidamente não é novidade. Aliás, isso não seria motivo também para dizer que a China não é mais socialista. Mesmo Marx, resolvendo uma aporia posta por Hegel, concluiu que a fase socialista poderia comportar desigualdades (suprimidas na fase comunista). Mas seria bom observar o papel do planejamento na urbanização: as cidades chinesas não parecem apresentar miséria em suas periferias, como as temos aqui. Deixo abaixo um texto sobre isso (em tempo: os capitalistas chineses são em grande parte formados popr chineses da diáspora. Dizer que são só empresas estrangeiras que atuam na China é estar um pouco desinformado)

Do Valor

Urbanizando a China

Por Fan Gang,

Do Valor, 3/01/2011

O índice de urbanização da China, calculado pela porcentagem de pessoas morando em cidades, atualmente está em torno de 48%, segundo estatísticas oficiais. É um progresso notável, tendo em vista que há apenas 30 anos os moradores das cidades eram apenas 18% do total.

AindAinda é insatisfatório, no entanto, porque a maior parte dos países em estágio similar de desenvolvimento passou por uma urbanização mais rápida do que sua industrialização. A urbanização da China ficou para trás em relação à industrialização, atualmente ao redor de 70%, quando calculada pela porcentagem da força de trabalho cuja renda é obtida principalmente com atividades não agrícolas.

Outra diferença gritante entre a China e outros países em desenvolvimento é que as cidades chinesas, grandes ou pequenas, não mostram qualquer sinal de pobreza urbana significativa ou favelas. As pessoas frequentemente atribuem isso ao “hukou”, o sistema de registro familiar da China, que separa desde o início de suas vidas os privilegiados que vivem em áreas urbanas dos pobres, em áreas rurais. Embora o sistema hukou tenha impedido que os moradores em zonas rurais gozem de alguns benefícios e serviços públicos urbanos, como seguro-desemprego, educação e assistência médica públicos, nunca impediu trabalhadores rurais de se mudarem para as cidades.

Na verdade, o governo da China encoraja os trabalhadores rurais a se mudarem às cidades para encontrar empregos melhores. É por isso que nos últimos 30 anos mais de 40% da força de trabalho da China, cerca de 300 milhões de pessoas, passou do setor agrícola para o industrial ou de serviços, agora cada vez mais concentrados nas cidades. Como resultado, os trabalhadores migrantes com hukou rural agora superam em número os trabalhadores com hukou urbano, em média, nas cidades chinesas.

Se não foi o sistema hukou que evitou o crescimento das favelas na China, então, o que foi? Acredito que a instituição mais importante na prevenção da pobreza urbana extrema é um sistema único de terras nas áreas rurais da China.

Todo o processo de reforma da China começou com a adoção do chamado “sistema rural de contrato familiar”, que arrenda as terras produtivas para famílias de agricultores. Isso significa que a produção coletiva foi dissolvida desde o início do processo de reforma, com a agricultura privada prevalecendo.

Embora as fazendas “coletivas” tenham continuado como proprietárias da terra rural, as famílias podem ficar com todos os “excedentes” da produção, o que cria o incentivo necessário para usar a terra de forma produtiva. Eles podem até transferir o arrendamento para outras famílias de agricultores, caso seus membros encontrem trabalhos melhores nas cidades.

As famílias podem manter seu título durante o período do arrendamento (agora de 30 anos), mas não possuem o direito de propriedade da terra. Se os trabalhador rural enfrenta dificuldades financeiras, o que em outros países muitas vezes leva à venda da terra, ele pode esforçar-se mais para encontrar outro trabalho ou buscar o auxílio do governo. A terra, contudo, nunca pode ser vendida ou hipotecada e seu uso não pode ser alterado, da agricultura para qualquer outro propósito comercial, sem permissão do governo.

Esse arranjo peculiar gerou um importante resultado: se os trabalhadores migrantes perdem seus empregos urbanos, podem manter certa renda com seu arrendamento de terra e voltar a seu vilarejo e pedir a terra de volta (normalmente dentro de um ano). O pequeno pedaço de terra distribuído sob o sistema rural de contrato familiar pode não tornar os agricultores ricos, mas funciona como uma rede de segurança social de última instância.

Isso ajuda a explicar por que a urbanização da China foi mais lenta: o sistema de posse das terras – que parece ser impossível de replicar em outros países em desenvolvimento – assegura que o reservatório de trabalho para a industrialização e urbanização continua localizado nos vilarejos do interior e não nas favelas das cidades.

Embora esse esquema proporcione um caminho mais suave para a urbanização, é algo transicional, não permanente. Os trabalhadores migrantes ainda se sentem incapazes de integrar-se realmente às cidades, porque sua rede de segurança social continua ancorada em suas origens rurais. De fato, a segregação provocada pelo sistema de terras ampliou, em vez de encolher, as disparidades sociais.

Tendo em vista essas circunstâncias e o alto grau de locomoção dos chineses, a urbanização do país está longe de ser algo estável. Para atingir uma “urbanização permanente”, a China precisa desenvolver uma nova rede de segurança. Anunciar a abolição do sistema hukou pode ser fácil, mas teria pouco significado sem instituições que possam amortecer os riscos enfrentados pelos trabalhadores rurais migrantes nas cidades chinesas.

O novo plano quinquenal de desenvolvimento social e econômico da China, a ser introduzido no início de 2011, pode abordar a questão de forma significativa, ao almejar o estabelecimento de um sistema de segurança social universal, nacional e válido em qualquer lugar. O plano também pode solicitar que os governos municipais aumentem a provisão de bens públicos – como educação, assistência médica e um nível mínimo de proteção de renda – para residente regulares sem hukou. Nesse sentido, foram realizados alguns experimentos em cidades como Chongqing e Chengdu.

A urbanização na China pode levar gerações para ser completada. Mas, após longos debates e hesitações, está claro que as autoridades parecem preparadas para avançar para a próxima fase de urbanização, com a adoção de novas abordagens.

Os principais desafios não são a infraestrutura e as instalações urbanas. A chave do sucesso será tornar os imigrantes rurais chineses em cidadãos iguais em oportunidades e serviços públicos. Pode não ser possível alcançar isso da noite para o dia. Mas, passo a passo, pode e deve ser feito.

Fan Gang é professor de economia na Universidade de Pequim e na Academia Chinesa de Ciências Sociais; diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Econômicas da China; secretário-geral da Fundação para a Reforma da China; e ex-membro do Comitê de Política Monetária do Banco do Povo da China. Copyright: Project Syndicate, 2010.

Luis Nassif

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