Os cabeças de planilha e a celebração do conhecimento irrelevante, por Luis Nassif

E a opinião pública tem que testemunhar a supina arrogância de alguns economistas, por dominar a planilha do orçamento e identificar algum erro metodológico na planilha do adversário.

Segundo os manuais, lógica é o estudo normativo, filosófico do raciocínio válido.

Trata-se de um componente essencial na economia. É muito mais profundo, e muito menos complexo, do que as altas teorias matemáticas, estatísticas dos cabeças de planilha. Com a lógica, identifica-se o componente central de qualquer teoria, e demonstra-se se é verdadeiro ou falso.

No GGN, escrevi sobre o livro “O Universo NeoLiberal do Desencanto”, do economista José Carlos de Assis e do matemático Francisco Antonio Doria, descrevendo a maneira como três especialistas brasileiros, o matemático Dória, o lógico Newton da Costa e o economista Marcelo Tsuji, refutaram as teses do neoliberalismo, em cima de um enunciado lógico.

Foi um lógico – John Nash, um dos gênios matemáticos do século 20, personagem principal do filme  “Uma mente brilhante” – que desenvolveu o princípio lógico que serviu de base para a teoria do equilíbrio dos mercados competitivos. Em uma tese de apenas 29 páginas – que lhe rendeu o Nobel – ele mostrou que casos de jogos não-colaborativos (como em um mercado) a solução aceitável de cada jogador correspondia ao equilíbrio dos mercados competitivos. Ou seja, quando todos os jogadores estavam satisfeitos com sua posição, significava que o mercado estava em equilíbrio.

Nos anos 80 surgiu o “outro Nash”, Alain Lewis, um gênio matemático, negro, mistura de Harry Belafonte e Denzel Washington, criado nos guetos de Washington, depois estudante em Harvard, onde conquistou o respeito até de referências como Paul Samuelson. Está vivo e provavelmente internado em alguma clínica. Ele avançou na lógica do equilíbrio de Nash

Em um conjunto de obras, a partir de 1985, Lewis demonstrou que as noções fundamentais da teoria econômica não são “eficazes” – isto é, não explicam todos os fenômenos econômicos – e, portanto, devem ser descartadas. Comprovou sua tese para um número específico de casos. Seu grande parceiro, na troca de ideias, era o matemático brasileiro Antonio Dória Junior.

Nos anos 90, provocado por seu aluno, o jovem economista Marcelo Tsuji, o matemático Dória e o lógico Newton da Costa, criaram um novo modelo lógico, em que demonstravam que o “equilíbrio de Nash” ocorria, de fato, com os mercados chegando aos preços de equilíbrio. Mas era impossível calcular o momento em que se chegava aos tais preços de equilíbrio. Logo, a teoria não tinha como ser aplicada.

Os cabeças de planilha

Dou essa imensa volta para comentar a momentosa discussão entre economistas sobre o peso das despesas e receitas no aumento da dívida líquida. Grandes estatísticos, grandes planilheiros, envoltos na discussão acesa sobre o peso dos gastos, da receita e dos juros no crescimento da dívida bruta. Esbanjando conhecimentos de planilha, da metodologia para separar o peso dos juros da rolagem da dívida. E exibindo seu conhecimento como verdadeiros deuses ex-machina.

E aí me dou conta da ausência absoluta de exercício de lógica para checar os temas efetivamente relevantes da economia aplicada. São jogadores que ficam no meio campo fazendo embaixadas, exibindo a habilidade com números, em cima de temas teoricamente irrelevantes e incapazes de arrostar – com a lógica e com os números – inúmeros dogmas econômicos, passando ao largo de qualquer tema nos quais é impossível definir relações de causalidade previstas na teoria.

Por exemplo:

  1. Metas inflacionárias.

Parte-se do pressuposto que aumento de juros básicos leva a uma redução da demanda, contendo a alta de preços. Têm-se uma estrutura de crédito totalmente distorcida, sem nenhuma correspondência com as taxas Selic.

Qual o estudo demonstrando estatisticamente o percentual de empresas afetadas (ou não) pelo aumento da Selic na ponta do crédito?

Mais que isso. Uma constatação empírica simples é que taxa básica impacta muito mais o custo do investimento do que o custo do crédito. Logo afeta negativamente a oferta e não interfere na demanda. Quais os efeitos, de longo prazo, do aumento da Selic sobre a estrutura de oferta e demanda?

Em todo o período de utilização das metas inflacionárias, percebia-se que o único impacto sobre os preços se dava através da apreciação cambial – mais dólares entrando para operaçoes de arbitragem. Definitivamente, metas inflacionárias não foi uma teoria desenvolvida com o objetivo de utilizar mecanismos cambiais para controle de preços.

Tinha-se, então, os seguintes impactos:

  • Apreciação cambial, impactando exportações e importações.
  • Aumento do custo de rolagem da dívida pública.
  • Redução dos investimentos públicos, impactando o nível de atividade econômica.
  • Redução dos investimentos privados, pelo encarecimento e pela [perda de competitividade frente os importados.
  • Desestímulo à políticas de inovação das empresas, pela incapacidade de competir com o produto importado.

Quem desenvolveu a síntese lógica capaz de englobar todos esses aspectos? Ninguém. E a opinião pública tem que testemunhar a supina arrogância de alguns economistas, por dominar a planilha do orçamento e identificar algum erro metodológico na planilha do adversário. São grandes campeões intelectuais por saber separar rolagem de acréscimo da dívida. Vão ganhar o prêmio Contador do Ano.

  1. Externalidades positivas

Anos atrás, o aumento do salário mínimo permitiu que 54% das famílias com aposentados e pensionistas, eles se constituíssem no arrimo da família, com os seguintes impactos sobre os gastos públicos:

  • Educação: mais tempo para as crianças se dedicaram ao estudo, aumentando a eficácia dos gastos educacionais.
  • Saúde: acesso a alimentação e remédios, reduzindo os custos futuros com saúde.
  • Segurança: crianças menos expostas à cooptação pelo tráfico e pelas milícias.

Todo esse conjunto de fatores é deixado de lado, para que o cabeção possa mostrar sua excepcional acuidade estatística, analisando exclusivamente o peso direto do aumento do salário mínimo nos gastos públicos.

Do mesmo modo, os financiamentos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) geram as seguintes externalidades positivas:

  • Viabilizam novas empresas, novos empregos e novas receitas fiscais.
  • Tem impacto no entorno da empresa instalada.

No entanto, os gênios da planilha se limitam a estimar o impacto dos empréstimos ao BNDES sobre as contas do Tesouro.

  1. Mercado de trabalho

Desmontaram as leis trabalhistas, alegando ser herança getulista. Era filha direta de Roberto Campos. A legislação trabalhista tinha as seguintes funções:

  • Garantia estabilidade ao empregado. A estabilidade permitia acesso ao consumo e ao crédito.
  • Com o desconto em folha, tinha-se uma arrecadação previsível de Imposto de Renda.
  • ‘Financiava a Previdência Social.
  • Financiava os investimentos em infraestrutura através do FGTS.

Qual o impacto do desmonte no mercado de consumo, no financiamento da Previdência, no financiamento da infraestrutura?

O custo Brasil mais pesado tem dois fatores nítidos: a superficialidade, a visão monotemática dos economistas de mercado (os mais ouvidos); a visão superficial da mídia, incapaz de desenvolver reportagens mais complexas sobre os diversos ângulos de cada decisão de política pública.

Luis Nassif

13 Comentários

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  1. Pois é Nassif, acompanho GGN do começo, quando ainda tinha-se muitos pruridos para falar em claro e bom tom, sobre fatos óbvios e claros tachados de teorias conspiratórias. Hoje, o embaralhamento das opiniões “próprias” com a opinião pública e publicada através do uso da semiótica anabolizada algoritcamente, exige um esforço hercúleo, sincero e ao mesmo tempo relaxadamente (Paulo) Freiriano.
    Devemos tomar muito cuidado para não tergirversar, sendo pautados pelo mesmo velho bando de rapinas, que com suas cenouras financeiras guiam as mulas “(midiático/executivo/legislativo/judiciário/intelectuais)”, jogando nossas almas na fogueira das veleidades. São valores com os mesmos sinais. Vende-se virtude negativa por economia virtual. É justo. Pena que enquanto isto, o horror continua sendo financiado pelos mortos que hoje comandam a (geo)política e permitida pelo sono individualista de todos os outros.

  2. “Ceteris paribus”

    Essa é a expressão favorita de muitos economistas que acreditam piamente na ideia de ser a Economia uma ciência infalível (tipo lógico/cartesiana); nunca a atividade humana, empírica, incompleta e falha que é.

    A esses, ocorre frequentemente divulgarem suas “previsões” omitindo motivos escusos; típica desonestidade intelectual e reprodução do adestramento coletivo. Claro, isso também pode ser relacionado a limitações que tenham a ver com falhas de caráter e/ou deficiência cognitiva. Ao mesmo tempo consideram que segui-los é a coisa certa, pois augurada numa espécie de Oráculo de Delfos pós-moderno.

    Seriam ‘revelações’ infalíveis e cercadas por mistérios alcançados apenas pelo seu acólito grêmio esotérico e incompreensível ao restante, o lúmpen social composto por supostos e espontâneos áulicos: nós, o seu rebanho.

    Nada além de uma pretensão quase sempre corrigida pela experiência que cura muitos e muita coisa; mas nem todos e nem tudo, evidentemente. Existe uma categoria impermeável à corrigenda do tempo: os que veem a si próprios como sábios incontestes. Esses creem que a invocação do seu credo teria o venerável poder de lhes cobrir as falhas.

    Acima estou me referindo aos recalcitrantes que por terem suas ‘análises’ e previsões negadas pelos fatos, sempre terão como ‘recurso’ a seguinte ‘explicação científica’ a lhes socorrer como um mantra: — “ceteris paribus”.

    No mundo real, entretanto, não existe a possibilidade de outros fatores econômicos ficarem inertes e bem comportadinhos só para confirmar as assertivas categóricas, e presumivelmente infalíveis, dessa magma ‘plêiade’ apenas porque foram oriundas das suas conclusões pseudo- magníficas.

    Evidentemente é a Política que deve arrogar a si as decisões econômicas, o que significa que não se deve ficar a reboque das ‘leis’ da Economia. Mas subsiste um lamentável equívoco diuturnamente divulgado e repetido, cuja única explicação reside no inconfessado objetivo de anulação da soberania em prol do deus ‘Mercado’, entidade máxima de muitos tentáculos espalhados e de muitos agentes servidores, sempre prontos a lhe prestar reverência e alimentar sua fome de corações propensos ao misticismo e de mentes dóceis aos desígnios sofismados.

    As grandes lideranças políticas balanceiam tais pressões e mantêm os economistas na conta de auxiliares de valor; nunca como protagonistas a ser seguidos como ícones num altar de devoção mística.

    Mais do que isso sobra somente ‘choro e ranger de dentes’; um discurso vazio “cheio de som e fúria” ensaiado por cândidos néscios desconsolados pelo papel de coadjuvantes que lhes sobra nesse palco. Ou ainda o murmurar da má fé dos ‘iniciados’ que tentam se fazer de imprescindíveis e que, ao seu entendimento, não deveriam ser ‘afrontados’ jamais.

    Porém os/as economistas mais sérios sabem que suas análises são produto da visão retrospectiva dos fatos econômicos, e é isso que pode servir como uma espécie de bússola para então melhor aconselhar um planejamento político/econômico. Isso já é mais do que suficiente.

    ………………………
    Valério Carvalho

  3. Dessa vez, com os economistas, o Nassif não foi otimista e saudou o fato de pelo menos estarem falando de juros, de o assunto estar em pauta…

    Eles, os mercadistas, PRECISAM fazer esse rodopio no meio de campo porque não podem admitir que o pessoal mais aa esquerda está há décadas apontando para isso, e com razão. É puro bloqueio antissocial.

  4. Dessa vez, com os economistas, o Nassif não foi otimista e saudou o fato de pelo menos estarem falando de juros, de o assunto estar em pauta…

    Eles, os mercadistas, PRECISAM fazer esse rodopio no meio de campo porque não podem admitir que o pessoal mais aa esquerda está há décadas apontando para isso, e com razão. É puro bloqueio antissocial.

  5. Recomendo a estes gênios verificarem até que ponto suas PREMISSAS são realmente compatíveis com este Maldito Mundo Real ou se estão lidando com meras ilações, profecias e delírios sobre “o que não é sabível “, melhor : lutar desesperadamente apoiado em fantásticas e elegantes equações diferenciais e ferramentas do gênero visando obter “o resultado da combinação do que não é conhecido (e portanto) não pode ser conhecido”.
    Recomendo a leitura de:
    A ECONOMIA DAS FRAUDES INOCENTES de J.Kenneth Galbraith aos 96 anos de idade (Companhia das Letras).
    Nota: os textos entre aspas foram extraídos do livro acima citado.

  6. No recente ataque as instalações de petróleo na Arábia Saudita os jornais brasileiros criaram uma “crise” , quase o fim do Mundo , os jornais americanos e europeus noticiaram o ataque apenas , a preocupação , pequena , era uma crise política.Até os vizinhos aqui da Plata foram discretos. Falta uma mídia para mostrar os fatos como são.
    Detalhe , a crise não veio e os jornais esqueceram da bichinha …

  7. Nassif, com a devida licença, você parte do pressuposto de que os economistas de mercado e a mídia desconhecem as consequências de suas ideias e proposições. Ou seja, que eles erram por desconhecimento lógico e empírico.

    Pode até ser que muitos deles reproduzem sem refletir, por ignorância, um pensamento dominante.
    Mas, os grandes formuladores dessas ideias sabem onde querem chegar. Mesmo que seja uma estratégia criticável, posto que, de curto prazo. Porém, eles têm um objetivo bem definido: maximizar o lucro dos principais agentes de mercado no curto prazo.

    E a evidência de seus acertos são os lucros recordes dos bancos, ano após ano, e a aceitação pela maioria da população das privatizações, concessões, e reformas trabalhista, do teto de gastos, previdenciária, aprovadas e em processo de aprovação no congresso. Isso tudo é lucro e concentração de renda e riqueza na veia. O que prova o acerto (de curto prazo) inequívoco da estratégia desse discurso neoliberal feito pela mídia hegemônica.

    Isso tudo faz parte do pacote político-econômico proposto por economistas e defendidos pela mídia, cujo objetivo tem uma lógica clara: concentrar renda e riqueza no curto prazo.

    Enfim, os empregados, economistas e jornalistas, que reverberam essas ideias e propostas de modo falacioso (dizendo que vai melhorar para todos, quando sabem que é bom apenas para uns privilegiados), fazem isso por submissão – conscientemente, para ganhar seu salário e seu “lugar ao sol”; ou inconscientemente, por incapacidade de pensar e se impor de forma autônoma, reproduzindo aquilo que os supostamente mais poderosos lhes dizem.

  8. Caro Nassif,

    Excelente análise. O que me impressiona nos economistas de mercado é o total descolamento da realidade para uma ilha da fantasia. É chocante.
    Minha previsão econômica: Se não houver uma guinada na condução da política econômica ocorrerão saques a supermercados por todo país, como aconteceu na década de 80.

  9. A pos modernidade é isto aí. Segundo alguns o que importa é discurso. E não estou falando do discurso político que mesmo de forma mentirosa tem que se dirigir à realidade. Eu falo do discurso que se define pelo contexto e cenário criado por ele mesmo. O discurso de nossos economistas cabeça de planilha depende do contexto e do cenário e de uma narrativa. No cenário fechado ele funciona como uma droga para iniciados. Uma narrativa monótona mas confortante para quem nela convlve, e dela vive, Isto é uma bolha. Na sociedade a bolha foi atribuída ao fenômeno da virtualidade e dos grupos da rede, porém bolhas já existem de há muito no mundo de nossos economistas e outros experts. A briga é pela hegemonia de uma bolha sobre outra. O fetiche teórico é uma consequência da bolha e do descolamento da realidade. Todos acreditam que onde vivem é o mundo real mesmo que seja apenas uma planilha. Mas ao final de contas o que importa é a aceitação do grupo que construiu o cenário que são eles mesmos. De vez em quando, uma luta antropofágica se instala mas sempre para manter o contexto e o cenário. Neste cenário, a peça é sempre a mesma e a briga é apenas uma questão de estilo e interpretação, dependendo do “local da fala”. A bolha incha, pois tem nos cursos de formação um mecanismo de reprodução, e segregação. Um dia explode quando encontra a realidade. Mas há os que contam com isto, pois afinal a realidade das crises é no linguajar dos que dirigem este teatro mambembe pelo mundo, o momento de realizar lucros.
    No momento Guedes o legítimo membro, esta realizando lucros,e enquanto expropria o dinheiro de uma vasta população, com suas reformas e privatizações os outros atores exercitam a retórica. Curiosamente não conseguem sequer perceber o tamanho da crise em que estamos.
    Como imbecis repetem os mesmos erros a acreditam que vão achar a explicação. Sequer possuem um discurso lógico, Não sabem que discurso matemático coerente e consistente pode abdicar integralmente da realidade .
    Mas um dia isto tudo um dia vai se chocar com a realidade lá fora, provando que um discurso não conseque construir a realidade, mas tem a capacidade de destruí-la.

  10. Nassif, brilhante a sua exposição, especialmente o recurso à lógica, para malbaratar os cabeças de planilha, que nem sabem matemática ou estatística o suficiente, para desconfiar de determinadas pressuposições.
    Uma delas é sobre o homo economicus, que tanto fascina os economistas, como se fôssemos assim.
    No entanto, gostaria de ouvir sua opinião sobre este insight: “os economistas e financistas modernos, criaram a concepção de capitalismo sem consumo”.
    Como cheguei a isto? oras, pela insistência desses em investimentos de “infra estrutura”, entendida como portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, ao que tudo indica, “meios de circulação de riquezas” e não, necessariamente, infra estrutura de geração de bens de capital.
    Meios de circulação estão intimamente ligadas ao consumo, ou perspectivas de ampliação do consumo. Mas como tais economistas enxergam o trabalho como custo e não capital, querem industria 4.0, inteligência artificial e ameaça permanente ao trabalho.
    Logo o sentido da infraestrutura parece apenas dar vazão às quantidades enormes de capital que vem circulando, para ganhar muito dinheiro nas comissões e depois dar risadas sobre o caos em que mergulhará a economia.
    Do fogo, renovarão a terra, parece seu moto.
    Então, quando a racionalidade sobre a economia retornará? teremos de nos organizar em autogestão para mitigar esses danos? economia colaborativa é a resposta?

  11. Com todo o respeito, os equívocos parecem-me brutais, mas estou aberto a discussões.
    1) As lógicas (sim, no plural, pois há várias) tratam dos raciocínios válidos. O que isto quer dizer? Inferências válidas são raciocínios nos quais as premissas não podem (podem, não quer dizer que sejam) ser verdadeiras sem que as conclusões o sejam. Acho que isso é mais ou menos consensual. Um raciocínio válido não implica, obviamente, que o que se afirma seja verdadeiro.
    2) O “equilíbrio de Nash” não significa que todos os agentes estão “safisfeitos”. Significa, simplesmente, que dado um determinado estado (p. ex. um vetor de preços, enfim uma situação, e não um processo) cada um deles adota a melhor estratégia possível (não há alternativa melhor). O equilíbrio descreve um estado, não um processo.
    3) “Lewis demonstrou que as noções fundamentais da teoria econômica não são ”eficazes” – isto é, não explicam todos os fenômenos econômicos – e, portanto, devem ser descartadas”. Que eu saiba, nenhuma teoria (econômica ou outra qualquer) pretende explicar “todos os fatos”. O que qualquer teoria econômica procura é a inelegibilidade, ou seja, atribuir sentido ao que vivemos.
    4) Se me lembro bem (e já faz muito tempo), o que o Newton da Costa et ali mostram é que o equilíbrio no modelo Arrow-Debreu não é computável (posso estar enganado, a memória é falha). Tem pouco a ver com a ideia de que o “jogo livre dos interesses pessoais” resulta numa situação na qual há ganhos (sociais? mas precisaríamos definir o que sejam “ganhos sociais”) não intencionais e generalizados (com a desculpa do temo genérico).
    5) O que eu penso. O neoliberalismo não é refutável a partir de um prisma lógico/matemático. É uma concepção de mundo e uma situação histórica. Desde Foucault pensamos sobre isso. Muito foi escrito sobre o assunto. Ainda estamos longe de compreender a tragédia que vivemos.

  12. Arrisco uma crítica ao artigo. Ele lembra-me a crítica de Plekhanov (introdutor do marxismo na Rússia no séc. XIX) contra os historiadores idealistas do período iluminista. Estes atacavam o medioevo por representar a “ignorância”, ou seja, opiniões erradas, ilógicas ou descoladas da realidade. Plekhanov explica que a cultura medieval era uma expressão da sociedade da época e de suas classes dominantes. Não havia base material – isto é, socioeconômica – para o avanço do conhecimento. Aquelas ideias serviam bem aos setores dominantes naquela sociedade para convencer os demais grupos sociais de “suas” verdades convenientes; não havia grupos dominados com capacidade de desenvolver conhecimento alternativo, que questionasse o dogmatismo medieval. Isso se altera com a emergência da burguesia, que desencadeia o Renascimento e a seguir o Iluminismo.
    Os cabeças de planilha fazem mais ideologia do que ciência, jornalismo ou exercício lógico (ou ilógico, o terreno é o mesmo). Eles servem ao capital financeiro. “A ideologia dominante é a da classe dominante”, disseram Marx e Engels. Em tempos de financeirização avassaladora, todos os grupos da burguesia submetem-se à ideologia do rentismo financeiro, mesmo quando segmentos dela sofrem consequências negativas (como a desindustrialização e a reprimarização da pauta exportadora). A mídia corporativa é um dos principais transmissores de ideologia. Portanto, não há “erro lógico”. Há conveniência e necessidade de doutrinação: o que importa é o equilíbrio fiscal, a despesa social é a culpada pelo desequilíbrio, o resto é populismo irresponsável e insustentável a médio prazo. Parte dos doutrinadores sabe o que faz; parte acredita no que diz, pois usa uma venda ideológica e não é capaz de enxergar as ilogicidades citadas no artigo; e parte segue o efeito manada, que também ocorre no plano supostamente “teórico” ou argumentativo – é mais fácil seguir o que está consolidado, que é praticamente exclusivo na grande mídia e entre os formadores de opinião corporativos.
    Hegel dizia que pode-se demonstrar qualquer tese com base em evidência empírica. Para alcançar eficácia explicativa, o processo lógico deve reproduzir na mente o processo real e este é dialético, não linear. A quem interessa esconder a dialética? A quem propaga que a harmonia, e não o conflito, são a marca da “economia de mercado”, eufemismo para o capitalismo.
    Esconder os efeitos social e economicamente benéficos das políticas da era Lula-Dilma serve à demonização daqueles governos, culpando-os pela crise devastadora que se abateu sobre o povo brasileiro desde 2015. Também é necessário ocultar o efeito da persistente crise mundial (a mídia negava sua influência até então, mas passou a usá-la como argumento para as dificuldades econômicas a partir do golpe). E, mais ainda, as pautas-bomba do Congresso/Cunha, que transformaram a crise política em crise econômica. Sim, houve erros – alguns graves, como as desonerações sem contrapartida e, principalmente, a agenda Joaquim Levy (mantida pelo seu sucessor), com a qual o programa derrotado nas urnas saiu pela porta e entrou pela janela. Mas o essencial era fazer retroagir as causas da crise ao período de bonança (crescimento da produção e dos empregos, melhor na distribuição de renda e avanço dos direitos sociais), inédito em 25 anos, ainda que eivado de contradições.
    Atrevo-me a complementar o comentário sobre os benefícios do aumento real do salário mínimo. Além dos fatos citados (sem dúvida, relevantes), há um impacto direto no consumo. E este é elemento vital para a ampliação da produção, do emprego, do investimento e da renda. Esse raciocínio vale para o Bolsa Família e demais políticas distributivas do período. Não por acaso, o Nordeste, onde se concentrou (não exclusivamente) o impacto dessas políticas, viveu um dinamismo econômico histórico. O Recife chegou a crescer mais que a China. Redes varejistas regionais expandiram-se sem necessitar do Sul-Sudeste para adquirir escala de vendas e lucratividade. Pequenos produtores agrícolas e artesanais encontraram mercado crescente na região e prosperaram. Tudo isso conflui também para aumentos na arrecadação tributária, ainda mais com as medidas de formalização adotadas na época (ex.: criação do MEI). Por isso, a dívida pública como fração do PIB teve trajetória declinante. Se não caiu mais foi devido ao peso preponderante da remuneração do rentismo financeiro via serviço da dívida pública. Essas são as contradições do modelo político-econômico aliancista adotado.

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