O cachorro Bingo pede a palavra

Bingo

Por Aracy           

Olá! Meu nome é Bingo. Sou um vira-lata de médio porte chegando à velhice. Talvez vocês tenham me visto antes aqui no blog. Apareço numa fotografia com Aracy P. S. Balbani, minha madrinha de adoção. Modéstia à parte, tenho bom conceito na vizinhança e na Internet. O público feminino costuma me chamar de fofinho e mandar recados carinhosos.

            Tenho mais a oferecer do que uma carinha meiga. Como leio vários depoimentos pessoais aqui, hoje decidi fazer o meu desabafo. Não tenham preconceito. Há uma crônica de Luis Fernando Verissimo sobre um filósofo que passa muito tempo proferindo conferências para o cão fiel dele. Até que um dia o cachorro responde em voz alta e inicia um diálogo filosófico. Logo existe precedente literário para um cão blogueiro.

Deixemos a discussão sobre a consciência animal para os entendidos no assunto. Esclareço: só quero dar voz ao meu coração. Não me preocupo com as críticas que poderei receber.

Gosto quando bichos aparecem na imprensa para ajudar a educar as pessoas. Não desejo entrar para o time das celebridades animais dos livros, filmes e publicidade. No circuito comercial, proprietários, treinadores e empresários de bichos tiram proveito do nosso carisma e bondade para faturarem uma grana. Tenho três patas atrás com os donos de circos que exibem animais e os organizadores de turfe e rodeios. Não posso nem ouvir falar nos traficantes de animais silvestres, caçadores de elefantes e controladores do jogo do bicho. No raso, alguns aproveitadores de animais até têm sangue azul e estão na mira dos holofotes da imprensa; outros agem na clandestinidade. No fundo, para mim são todos farinha do mesmo saco.

Não sei o que acontece com os bichos famosos quando ficam doentes ou velhinhos. Vi uma reportagem da TV NHK sobre uma clínica veterinária japonesa de reabilitação física para cães e gatos inválidos. Não entendi nenhuma palavra, mas me comovi com as imagens. Temo que só países e pessoas ricas consigam oferecer isso. Nem gente costuma ter um tratamento bom assim. Também assisti a um documentário que contou a história de um pescador francês muito simples. Ele levava no barco seu cão idoso, cego de um olho e surdo de um ouvido. Uma veterinária que me atendeu contou que, no final de ano, pessoas a procuram para se livrarem dos bichos porque querem viajar despreocupadas. Tem gente que pede injeção letal para o animal. Mesmo que ele seja jovem e saudável. Que triste.

Me interessei pelo blog quando mostraram o caso de um irmão de pelo, adoentado, cuja foto circula por aí. Na falta da divulgação de uma identidade, o cachorro tinha sido apelidado de Cerveró. Também fiquei solidário ao vira-lata enquadrado pela polícia junto com o dono. Esse irmão parece fisicamente comigo; podia ser eu. Ainda bem que ele não levou chumbo dos policiais, como já aconteceu nos EUA. E teve o caso envolvendo meu outro irmão pitbull, que corre o risco de acabar sendo o único punido pelo massacre do Centro Cívico de Curitiba. Foi então que percebi como nós, bichos, estamos quase sempre na ordem do dia. Quase nunca de modo justo.

Vocês, humanos, usam a bicharada em figuras de linguagem pejorativas. Uns chamam os leitores da Veja de burros. Estes retrucam que os eleitores petistas são uns jumentos, abestados. A pessoa com dificuldade de raciocínio vira uma anta. O sujeito teimoso é uma mula. O troll, aquele indivíduo xarope, é o espírito de porco. O xereta é abelhudo. O (A) infiel no relacionamento é galinha. O mal educado é um cavalo. O salafrário é um cachorro. A depravada é uma piranha. A fofoqueira é uma víbora. O ladrão é uma ratazana. A folha corrida de um mau caráter é a capivara. O ingênuo é um jacu. O corrupto que desvia verbas públicas é um gafanhoto. E por aí vai.

Há também os contrastes. No Brasil, chamar uma mulher de vaca é ofensa. Na Índia, a vaca é respeitada; virou animal sagrado. Muitos buzinam atrás do veículo lento e xingam o motorista de lesma, mas tem quem pague caro para comer escargot. Uma pessoa bonita é um gato ou uma gata, mas o contraventor é gatuno.

            Não estou apelando ao rótulo de politicamente incorreto para pedir que acabem com esse hábito antigo. Mas é doído ouvir falar no tal complexo de vira-lata dos brasileiros. Sou vira-lata brasileiro com muito orgulho. Não tenho complexo nenhum. Animais domésticos de várias espécies, sejamos vira-latas ou exemplares de raça com pedigree, ajudamos muitas pessoas a serem mais humanas. Os animais de companhia; os gatos, cavalos e cães terapeutas e cachorros guias de deficientes visuais estão aí para testemunhar.

Somos muito úteis até na economia. A tração animal ainda é importante, sem falar nas espécies criadas para abate. Nesse ponto começa a encrenca. Os humanos comem de tudo. As crianças brasileiras me acham fofinho, mas para um dono de restaurante típico coreano posso parecer suculento.

A preços módicos, ensinamos a prática do amor incondicional, da lealdade e do perdão. Desde que alguém queira aprender esses truques.

O presidente equatoriano Rafael Correa é economista e dono dos cães Segismundo e Melibea. Os dois mascotes participam até de cerimônias no Palácio de Carondelet. Correa não subestima nossa inteligência. Ele já declarou publicamente: “É certo que Segismundo faz análises econômicas muito melhor do que alguns [humanos] que conheço”. O Presidente Correa sabe das coisas. Suas palavras deviam ser ouvidas com mais atenção pelos nossos governantes no Planalto Central.

Complexo ou drama de consciência deveriam ter os humanos que abandonam, humilham e torturam animais e outros humanos. Mas, pasmem, alguns ainda se orgulham disso.

A direção da Sociedade União Internacional Protetora dos Animais (SUIPA) do Rio de Janeiro conta que vários associados declinam de receber o boletim mensal porque ficam chocados. Não têm estômago para ler sobre os casos de maus tratos. A entidade afirma que poupa os associados e não divulga os registros mais graves de tortura de animais. Se os casos publicados já envergonham e revoltam, imaginem os casos peludos. Quero dizer, cabeludos.

            A reportagem sobre as “Ossadas da Vala Clandestina de Perus, de 1970 a 2015” foi preocupante para mim. Violência física ou psicológica, tortura, assassinatos, escravidão e impunidade não devem existir numa civilização. Nunca.

            Algumas vozes silenciam; outras pedem a volta desses horrores. Felizmente, a maioria repudia a barbárie.

Fico apreensivo que muitos Homo sapiens realmente humanos e pensantes estejam decepcionados com os rumos que a política tomou no país e ameacem desistir da nossa luta por justiça e paz. Acham que é inútil persistir. A esses, imploro: não esmoreçam. A discussão sobre a redução da maioridade penal e outros grandes temas de direitos humanos está apenas começando. Vocês são muito necessários.

            Atribuem à Madre Teresa de Calcutá essas palavras:

 

“Dê ao mundo o melhor de você,

mas isso pode não ser o bastante.

Dê o melhor de você assim mesmo.

 

Veja você, no fim das contas,

é entre você e Deus;

nunca foi entre você e os outros.”

 

Prefiro manter a figura de Deus fora disso. Coloco as coisas assim: a opção por permanecer na luta é entre vocês e sua consciência. O maior impulso para lutar por uma vida melhor está além dos partidos, religiões e corporações. Está dentro de vocês. Pensem nisso.

Muita paz, saúde e felicidade para todas e todos. Tenham uma excelente semana.

           

Bingo

Palpitou Grilo, o mini Pinscher idosinho mais ranzinza e ciumento do pedaço. Temos nossas diferenças, mas não posso deixar de dar o crédito a ele. Estamos todos juntos na nossa breve aventura no planeta Terra.

Redação

16 Comentários

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  1. Quem nunca ?!

    Amo animais.

    Minha filha fez de seus cães seus amiguinhos na infância, seus namorados na adolescência e seus filhos na maturidade.

    Meu irmão mais velho ama mais a seus cães que a si mesmo, eles sempre tiveram plano de saúde; ele, não.,

    Muitas pessoas não admitem que se dê tanta importância a cães, por exemplo, que deveríamos atribuir os cuidados “desperdiçados” com esses animais a seres humanos.

    Enganam-se eles.

    Só quem ama seus animais é capaz de AMAR HUMANOS !

    É mais ou menos,como disse Casimio de Abreu sobre as estrelas:

    ” E eu vos direi Amai para entendê-las

    Pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e entender estrelas”.

    1. Se um cachorro fosse seu professor… você aprenderia coisas assim

      Quando alguém que você ama chega em casa, 

      corra ao seu encontro.
      Nunca perca uma oportunidade 
      de ir passear de carro. 

      Permita-se experimentar 
      o ar fresco do vento no seu rosto. 
      Mostre aos outros que 
      estão invadindo o seu território. 
       

      Tire uma sonequinha no meio do dia 
      e espreguice antes de levantar. 

      Corra, pule e brinque todos os dias. 
      Tente se dar bem com o próximo 
      e deixe as pessoas te tocarem. 

      Não morda quando um simples 
      rosnado resolve a situação. 

      Em dias quentes, pare e role na grama, 
      beba bastante líquidos 
      e deite debaixo da sombra de uma árvore. 

      Quando você estiver feliz, 
      dance e balance todo o seu corpo. 

      Não importa quantas vezes o outro te magoa, 
      não se sinta culpado… 
      volte e faça as pazes novamente. 

      Aproveite o prazer de uma longa caminhada. 
      Se alimente com gosto e entusiasmo. 
      Coma só o suficiente. 
      Seja leal. 

      Nunca pretenda ser o que você não é.     
      Se você quer se deitar embaixo da terra, 
      cave fundo até conseguir. 
        
      E o MAIS importante de tudo… 
      Quando alguém estiver nervoso ou triste, 
      fique em silêncio, fique por perto 
      e mostre que você está ali para confortar. 

  2. Palavras sábias

    “Vocês, humanos, usam a bicharada em figuras de linguagem pejorativa”. Essa, a melhor parte da longa e profunda manifestação de Bingo. Sucista a reflexão de nós,  humanos que, desde crianças, somos induzidos a usar animais para designações pejorativas. E mesmo adultos, nunca nos preocupamos com essa frequente injustiça de chamar um sujeito sem educação de cavalo, uma depravada da piranha e o termo cachorrada para apontar um mal feito individual ou coletivo. Não se trata de ser politicamente correto, mas de ser correto e justo nas designações. Por que vaca para certas mulheres? O que as vacas fizeram ou fazem de prejudicial? E cachorrada? Parabéns, Bigo, pela tua manifestação. É de uma profundidade que deve deixar invejosos  certos sociologos , principalmente um pavão que eu conhecço (epa, perdão, vício de linguagem para apontar um ex-presidente sociologo). 

  3. Amei!

    Parabéns, Bingo (Aracy)!

    Em meu nome e em nome de Dida, Filó, Lili e Presente, meus amados vira-latas!

    Também em nome de Titã, Frajolinha, Emily, Esqueleto, Mia, Cláudio, Tigre, Clarinha e Tigresa, meus outros vira-latas, esses felinos.

    * antes que me chamem de irresponsável e acumuladora, informo que moro em uma chácara e que a bicharada aí é toda castrada, vacinada e vermifugada periodicamente. Mas são principalmente queridos!

  4. A história de Diana

    Certo dia eu estava atendendo a um cliente na Vila Mariana, SP e ao término parei com alguns colegas em um bar próximo ao serviço, e foi quando conheci o editor da revista Caça e Pesca (não tenho certeza do nome, lembro sim que se tratava de uma revista desse esporte) de então. De repente o assunto passou a ser sobre a adoração aos caninos. O editor me presenteou um exemplar da sua revista e recomendou a leitura da reportagem sobre a cachorra Diana, uma perdigueira de origem argentina, cujo proprietário, um médico do R.G. do Sul, seu amigo, amante da caça e de seus animais caçadores, adquirira-a no Uruguai.

    O médico participou, com os seus cachorros caçadores, em um campeonato de caça à perdiz no Uruguai, onde a cachorra Diana, cujo proprietário era argentino, sagrou-se campeã. Ele se apaixonou pelo animal e contou ao caçador argentino o seu interesse em comprar a cachorra. O argentino respondeu que poderia, sim, vende-la, mas que ele não ficasse muito iludido com a medalha que ela havia ganhado, pois não servia para caçar. Diana não aceitava o revezamento entre os animais, necessário quando os animais cansam o faro, e acabava atrapalhando a caça. Mesmo assim, o amor à primeira vista o fez adquirir o animal.

    Pois bem, era tudo verdade. No primeiro teste de campo, Diana aprontou tudo aquilo que não se deseja de um cão de caça, a desobediência. Ficou definido que ela não servia para a prática da caça. Quando terminava seu turno, ela não aceitava ficar presa para o descanso e fazia tanto barulho que o ambiente entre os animais restava instável e os outros animais não se concentravam na caça.

    Mas, veio um dia um campeonato estadual e Diana foi levada para participar. Não deu outra, Diana foi campeã. Depois foi campeã das Américas, África do Sul e Austrália…

    Conclusão:

    Diana, provavelmente, assimilou os adestramentos recebidos de seu antigo dono como sendo uma disputa permanente, onde ela teria a obrigação de desempenhar o máximo daquilo que aprendera.  Não gostava de caçar, mas se o dia era de campeonato Diana sabia ser invencível.

      1. Bingo agradece muito sua

        Bingo agradece muito sua gentileza e atenção. Ele gostou da história da Diana. Parece que é o cachorro que escolhe o dono e não o contrário, não é?

  5. Bingo!

    Esse Bingo é um fofo mesmo ! Cresci na companhia de meus amiguinhos animais e hoje, morando em apartamento, não tenho nennhum.. Sinto muita falta. Mas ja prometi ao meu filhote, que ano que vem, quando mudaremos, vamos procurar um cachorro e um gato para cuidarmos deles, com muito carinho. 

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