Mais sinais de buraco negro no mercado imobiliário, por Luis Nassif

Se o IPTU já tem um efeito gigantesco, qual seria o efeito dos financiamentos inadimplentes?

Primeiro, uma fase de juros baixos, fazendo disparar os financiamentos imobiliários.

Depois, a pandemia, com dois efeitos fulminantes. O primeiro, a queda de renda de parte relevante da população. O segundo, a explosão dos home offices mudando o cenário dos imóveis de escritório. Some-se a a explosão dos juros, afetando a rentabilidade dos fundos imobiliários e afastando os poupadores da caderneta de poupança.

Evidentemente, o mercado financeiro não poderia passar incólume.

Na semana passada, mostramos o caso do maior fundo imobiliário do mercado, o Maxi Renda (MXRF11), administrado pelo BTG Pactual e gerido pela XP – com 500 mil cotistas -, obrigado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a fazer o balanço pelo critério de competência. O que o fundo vem fazendo é a distribuição de dividendos pelo critério de caixa – entrou, distribui-se.

Cria-se um enorme problema de transparência.

O fundo é constituido de CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) e de imóveis adquiridos – com as respectivas receitas de aluguel. A inadimplência afeta os CRIs. E há uma queda nos preços de imóveis e aumento da ociosidade, em função da crise. Por outro lado, há o ingresso de dinheiro novo, através de novos cotistas.

Teoricamente, há um movimento defensivo complicado por parte dos fundos, para disfarçar a perda de valor patrimonial. Se o investidor se dá conta dessa desvalorização, haverá uma corrida para resgate que terminará por afundar valor das cotas e o próprio fundo. Por isso mesmo, a indústria de fundos fica suscetível a expedientes visando disfarçar o prejuízo.

Um deles é distribuir dividendos mesmo em caso de prejuízo. Ou seja, recebeu a receita de CRIs e de aluguel, mas há um montante relevante de inadimplência dos recebíveis e de queda de valor dos imóveis. Parte da receita, então, tem que ser separada para prevenir inadimplentes. E tem que se a queda de valor dos imóveis, registrando como prejuízo. Só assim se terá idéia do valor patrimonial real do fundo – e de quanto cada investidor de valor real.

Do mesmo modo, as receitas novas – decorrente das novas vendas de cotas – precisam ser devidamente segregadas. Caso contrário, o fundo estará recorrendo ao chamado Efeito Ponzi – a pirâmide, nossa velha conhecida.

Um seguindo episódio aumentou a preocupação do mercado. O Banco Itau entrou com uma ação junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), para não ser obrigado a pagar IPTU (Imposto Territorial e Urbano) de imóveis financiados.

Reportagem do Valor, em 2021 mostra que a inadimplência de IPTU em São Paulo foi de 13,44% (R$ 1,7 bilhão). Segundo o advogado Bruno Sigaud, do Sigaud Advogados, “o impacto dessas decisões para bancos e incorporadoras é gigantesco”. Se o IPTU já tem um efeito gigantesco, qual seria o efeito dos financiamentos inadimplentes? Como se recorda, quando as taxas de juros caíram, os bancos estimularam seus clientes a trocar o financiamento para taxas pós-fixadas. A explosão da Selic terá impacto factal sobre esses financiamentos.

O BTG conseguiu suspensão temporária das decisões da CVM, graças ao trabalho de Costa e Silva, ex-presidente do órgão e um dos grandes lobistas do setor. Mas não haverá como deixar de implementar as medidas. A não ser que a CVM pretenda voltar aos tempos de Costa e Silva, que tentou transformar o Boi Gordo em ativo financeiro.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Esse post demonstra, brevemente, porque não há fraude no sistema financeiro:
    1º – A distribuição de dividendos pelo critério de caixa, e não pelo de competência;
    2º – A inadimplência – elevada conforme o post esclarece, por diversos motivos – dimunui o valor dos Certificados de recebíveis, diminuindo o valor patrimonial do fundo, que por sua vez provocaria corrida de resgates; distribui-se, portanto, dividendos, mesmo assim, com o fluxo de caixa, mantendo saudável a aparência do fundo, evitando que sua desvalorização se torne evidente, e empurrando o problema para frente, quando o mesmo será insolúvel;
    3º – Os mantenedores de fundos começam a apelar para interromper a saída de recursos; não querem pagar, por exemplo, IPTU sobre imóveis financiados, prejudicando, como um todo, o município e seus moradores – principalmente aqueles que não tem, e pelo visto jamais terão, condições de assumir compromissos dessa ordem. Conhecemos os meios pelos quais esses mantendeores conquistam esses objetivos, mas esse já é outro assunto: https://jornalggn.com.br/noticia/leis-tributarias-foram-compradas-diz-herman-benjamin/

    Como vêem, não há fraude no sistema financeiro.
    O sistema financeiro é, em si, uma fraude.
    O esquema Ponzi é a própria essência do mercado financeiro, e mesmo do Capitalismo: enriquecer com dinheiro dos outros.
    Antes, era com a exploração do trabalho dos outros. Mas a receita advinda desse método, creio eu, já foi há muito superada pelo novo. Que não é novo, diga-se de passagem, apenas hipertrofiou-se.
    Repito o que disse em comentário anterior: ‘Claro, isso um dia termina como todas as bolhas terminam: explodindo. Mas e daí? É como a inflação: quando ficar insustentável, corte-se três zeros da moeda, e pronto, problema resolvido.
    Adivinhem quem são os zeros, nessa história? Quem vai receber o impacto do deslocamento de ar gerado pela explosão dessa bolha?’

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