Falando um pouco sobre juros, por Gunter Zibell

Por Gunter Zibell

Nos últimos meses vimos a taxa básica de juros subir de 10,90 pp. (outubro) para os 13,15 pp. atuais.

Com o aprofundamento da recessão (vários indicadores antecedentes de produção e arrecadação apresentando quedas ainda maiores que 2% aa.) e com os anúncios de ajuste fiscal pautando o noticiário, é natural que isso chame a atenção.

Será que é para tanto? Sem pretensão de aprofundar o debate, que é tarefa da Academia e Consultorias especializadas, deixo minhas impressões sobre os argumentos mais comuns que vejo serem apresentados.

Se a inflação é de oferta, política monetária restritiva não a baixará. Faz sentido, se observarmos que os principais componentes para o aumento recente de inflação são alimentos (prejudicados por seca) e combustíveis (com o fim do represamento de preços de gasolina e energia) e também bens de consumo não-duráveis (afetados pela desvalorização cambial.)

Então, em um ambiente assim, pensar em uma elevação de taxa de juros para conter a demanda, em plena recessão, seria contraproducente.

O que a autoridade econômica pode fazer – e aparentemente o está fazendo – é manter um certo paralelismo entre inflação resultante e taxa nominal de juros corrente, para evitar eventual fuga de capitais (que levaria a ainda maior – e inflacionária – desvalorização cambial) e deslocamento da poupança para ativos reais. Um pouco como cachorro correndo atrás do rabo.

O aumento de juros prejudica o ajuste fiscal. Nem sempre, pode haver um sofisma aí se não olharmos para a taxa real de juros.

Se a dívida pública é em torno de 3 trilhões e a taxa anual aumentou 2,25 pp não quer dizer que a conta de juros anulou o esforço fiscal. Quer dizer apenas que a conta “nominal” de juros aumentou.

Em qualquer economia existe a senhoriagem, que se aproxima a um imposto inflacionário. A perda de valor real da dívida com a inflação não pode ser contabilizada (mecanismos como a ORTN permitiriam isso), mas existe um valor econômico que pode ser estimado.

Quando o governo paga algo como R$ 400 bi de juros anuais não está transferindo esse poder aquisitivo aos poupadores, pois arrecada (na maioria das aplicações) 15% de IRRF e ainda há uma inflação de 8% ou mais como contrapartida.

Exemplificando com números de out.2014 e mai./2015:

10/2014: Selic = 10,90; * 0,85 = 9,27; inflação de 6,5% a.a.; juros reais correntes em torno de 2,6% (que são próximos ao spread de risco que o Brasil paga.)

05/2015: Selic = 13,15; * 0,85 = 11,18; inflação de 8,2% a.a.; juros reais correntes de 2,8%

Não houve, portanto, nenhum aumento expressivo de juros reais anuais na gestão Levy e os juros não estão anulando o esforço fiscal. Observe-se que isso só pode ser calculado a posteriori, mas a maioria das aplicações no Brasil é pós-fixada, então se a inflação começar a baixar a taxa anual de juros também poderá fazê-lo. Na prática as taxas reais de juros verificadas oscilam relativamente pouco (ficam entre 1% e 4% a.a. para quase qualquer período acumulado de 12 meses desde a saída da recessão de 2009) e também acompanham movimentos internacionais (quando, p.ex., os EUA pagavam taxas positivas, as do Brasil eram ainda maiores que atualmente.)

O que não quer dizer que não se possa criticar o patamar apresentado de juros reais e que não se possa ter política monetária menos contracionista.

Juros reais elevados são coisa do “liberalismo”. Não necessariamente. Tanto que as mais importantes economias “liberais” (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido e Suíça) estão há anos convivendo com taxas reais de juros negativas. E grandes economias intervencionistas (China, Rússia, Brasil) pagam taxas nominais acima da inflação. E tampouco há uma corrida de investidores das economias centrais para as economias em desenvolvimento, talvez ao contrário. Então não vamos politizar, portanto, o que não é politizável.

Nenhum governo é masoquista por si, qualquer governo racional preferiria usar impostos arrecadados para obras e benesses sociais, não para pagar juros. Eventualmente, quando se percebe inflação de demanda (aumento de consumo acima da produtividade) autoridades monetárias temporariamente elevam juros para conter esse movimento, mas essa intenção não é uma “perversidade”. E certamente não é o caso em nenhuma grande economia mundial atual. Monetarismo é ferramenta, portanto, não destino.

Porque o Brasil é uma das grandes economias que mais paga juros reais nas últimas duas décadas  é algo que decorre de várias decisões, talvez equivocadas ou talvez necessárias, sobre as quais posso apenas especular, pois não tenho o conhecimento suficiente para aprofundamento. Entendo que algumas motivações sejam a importância política que combater inflação adquiriu no Brasil, a dependência de ancoragem cambial e da manutenção de fluxo externo positivo de capitais, a ausência de um verdadeiro mercado privado de poupança e empréstimo, uma vez que o Bacen praticamente absorve toda a poupança privada (quase não há mais debêntures ou letras de câmbio) definindo um mínimo que o capital é remunerado e sem risco.

Juros são elevados para favorecer bancos. Em termos, pois bancos e financeiras lucram muito mais com a intermediação de empréstimos, que aumentam quando juros são baixos e a economia aquecida. Note-se a elevada lucratividade dos bancos norte-americanos e japoneses, em países onde as taxas reais de juros pagas por seus bancos centrais são frequentemente negativas. Há o caso particular de bancos de investimento que aplicam seu próprio patrimônio, mas mesmo estes lucram muito mais com alavancagem que emprestando a governos.

Quem é favorecido por elevação de juros são os fundos de pensão e os pequenos poupadores, cada parte detentora de mais ou menos metade da dívida pública brasileira. Não são fundos de pensão (e/ou de investimento) que forçam governos a pagar juros reais elevados, eles apenas aproveitam as oportunidades para remunerar melhor seu portfólio (e que pertence em grande parte a trabalhadores, não milionários…), pois, caso contrário, se dirigiriam a investimentos imobiliários ou ações. No Brasil ou em outros países.

Juros elevados são “pauta da direita” (e como direita entende-se detentores de capital.) Isso para mim é uma distorção de discurso, pois os mercados de capitais equilibram a oferta e demanda para dois grupos ambos igualmente capitalistas: os que poupam e os que tomam emprestado para investir. Tanto que a cada elevação de SELIC quem mais solta nota criticando são as federações de indústrias. As taxas de juros pouco afetam concentração de renda e de patrimônio e isso se dá marginalmente (através de apropriação no mercado de crédito ao consumidor, elevação do patamar de aluguéis e incorporação pela economia produtiva de juros nos preços.)

Noticiário é parcial. Em geral é, não necessariamente por alguma ‘conspiração’, mas por um vício de analistas apenas apresentarem os argumentos de um lado (o uso do cachimbo entorta a boca…) O mesmo se nota muito mais, inclusive, em relação à política cambial; quem é a favor de desvalorização só apresenta os argumentos para isso, nunca para o contrário. E vice-versa. Mas se grande mídia é parcial pró-mercado, o que se chama de blogosfera alternativa também é e em geral com menor proficiência na argumentação sobre Economia. Há vieses políticos em quase tudo e cabe ao leitor dar os devidos descontos.

Ajuste fiscal é um corte excessivo, superávit primário de 1,2% é um esforço grande. Em termos, pois fala-se em “cortes” muito para marketing mas o que importa não é se 70 bi são muito ou pouco em relação a uma LDO (Orçamento) apresentada (e quase todo ano superestimada), mas se os gastos públicos como proporção de PIB se mantêm.

Nos anos de 2010 a 2013 os três níveis de governo arrecadaram em torno de 36% do PIB e gastaram/investiram 34%, gerando algo como 2% (em geral um pouco mais) de superávit primário. O déficit de 0,6% em 2014 é ponto fora de curva e por isso visto como eleitoreiro (sem o mesmo o PIB já teria caído em 2014 e prejudicado a reeleição) e não há como repeti-lo indefinidamente, mas superávit de 1,2% ainda é uma política menos restritiva que a habitual.

O gráfico neste artigo de Delfim Netto resume o ponto:

http://www.jornalggn.com.br/noticia/temer-a-crise-constroi-a-sua-solucao-por-antonio-delfim-netto

Redação

12 Comentários

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  1. Gunter, bom reencontrá-lo, cara

    Desde que o conheci naquele encontro de fim de ano do Nassif, em Pinheiros, espero que voltes por aqui.

    Escreva sempre.

    Puxe um banquinho aqui no sítio do Nassif, no nosso sítio.

    Tem café no bulé de ágata, uns pãezinhos de queijo e vontade de prosear.

    Tem cerveja tamém, mermão !

    Volte sempre.

    Traga notícias.

    A gente te lê, garra na prosa, pode inté discuti mas é de boa, meu.

    Meio assim mineiramente, paulistanamente, cariocadamente, pernambucanamente, baianamente e do jeito desses brasis todos, tá bom?

    Esse aqui é um sítio de todos os brasis.

    Chega mais, Gunter. 

  2. Realismo

    Ótimas considerações que derrubam ‘mitos’ estabelecidos nas discussões das decisões do governo à direita e à esquerda do espectro político. Até que enfim alguém racional que discute em cima de argumentos sérios. Parabéns!

  3. Excelente Gunter.  Fugiu da

    Excelente Gunter.  Fugiu da mesmice e serviu para desmistificar e oxigenar o debate sempre tão contaminado por bordões, clichês e verdades absolutas.

     

    1. Exato!

      Pena que os comentaristas logo esqueçam o que não aprenderam e daqui alguns posts recomecem a lenga-lenga neo-varguista contra o capital digitando de seus Iphones….

  4. Walter Feldman
    Em tempos de

    Walter Feldman

    Em tempos de FBI, FIFA, etc. por que não falar em Walter Feldman, CBF, etc.

    Tema mais que atual para Gunter nos explicar os sólidos valores éticos da “Nova Política”!

  5. Sofismas

    “O aumento de juros prejudica o ajuste fiscal. Nem sempre, pode haver um sofisma aí se não olharmos para a taxa real de juros.”

     Na verdade o impacto se dá pela aumento das despesas REAIS com juros devido ao fato de perto de metade da dívida pública ser indexada à SELIC. Cada 0,5% de aumento da Selic aumenta essa despesa em cerca de 10 bi., tornando inutil todo ajuste fiscal feito para manter a relação dívida/PIB sob controle

    Por isso que eu falo que não adiana culpar a banca, a direita, o governo ou a oposição se a esquerda e a população em geral que está sendo espoliada não fizer o dever de casa e se informar melhor sobre o que acontece e cuidar de divulgar essa informação com precisão.

  6. correta a análise, exceto

    correta a análise, exceto pelo migué do primeiro ponto..  a inflação brasileira ocorre do excesso de demanda, ocasionado pela expansão fiscal eleitoreira.. nada a ver com quebras de safras, etc, tanto que o IPCA está espalhado… é claro que o remédio, único e amargo é a recessão… se quiserem reclamar, escrevam emails para a presidencia da republica, pois a origem dos juros altos está na presidenta e sua política fiscal e monterária irresponsável… parabéns pelo artigo Gunter.

  7. O primeiro ponto está

    O primeiro ponto está parcialmente equivocado.  Embora haja sim, um importante componente de oferta na inflação brasileira, especialmente naquela que estava represada por razões políticas, não se pode ignorar o componente da pressão de demanda que foi extremamente importante nos últimos anos.  A inflação não estava no centro da meta e subiu por choques sucessivos.  Ela estava bastante alta e foi represada, com liberação desse represamento nesse ano.  Isso pois a escolha da política economica de preservar o emprego mesmo sob condições externas mais adversas através de deficit fiscal acabou por resultar num descompasso entre a realidade da economia e a percepção da população.  A situação estava pior do que se fazia sentir, pois o governo absorvia boa parte dos custos, aliando-se isso a expansão do crédito (que, em si, é extremamente positiva, mas que também causa um período de adaptação entre os tomadores – um período de “educação financeira” em que os níveis de endividamento costumam ser mais altos do que a capacidade de pagamento) e ao cambio valorizado, tinhamos um nível de demanda bastante alto, tanto que o setor comercial foi o último a entrar em recessão.

    Outra causa das expectativas inflacionárias futuras é estrutural e trata-se do grau de indexação da economia brasileira, ainda como reflexo histórico da hiperinflação passada.  A inflação brasileira tem um piso definido pelo grau de indexação da economia que ainda é alto demais, e quanto mais alta ela se torna, mais alto o piso da inflação futura fica.  Atualmente o piso é quase que o centro da meta, ou seja, trazer a inflação para o centro da meta em 2016 exige um esforço recessivo semelhante ao de criar uma deflação numa economia menos indexada.

    Boa parte do diagnóstico da situação economica atual é consensual.  A necessidade de um ajuste fiscal é clara exceto para setores militantes que não souberam discernir propaganda eleitoral da realidade factual.  O que está em discussão é o grau e velocidade do ajuste e o grau e velocidade do aperto monetário. Fez-se a opção por um ajuste rápido para evitar o rebaixamento do país e subsequente aumento exponencial do custo financeiro internacional.  Porém atualmente as próprias agências de risco já colocam em questão se a velocidade do ajuste não está rápida demais e pode acabar por compromete-lo.  A velocidade do ajuste é uma variavel política – não necessariamente economica.  Instituições politicas com credibilidade conseguem negociar um ajuste mais gradual (veja a velocidade de consolidação dos ajustes fiscais da grécia e da inglaterra por exemplo). 

    O BACEN e o ministério da Fazenda parecem ter feito a opção pela quimioterapia de choque.  Vão matar o cancer inflacionário de forma rápida e enfática com os remédios mais amargos possíveis.  Esperemos que não matem o paciente também.  Se o paciente sobreviver, sai melhor, mas há sempre o risco de sucumbir.

  8. Seus textos perderam a consistência e a abrangência de antes

     

    Gunter Zibell – Pró-Rede,

    Eu ia simplesmente cumprimentar o comentário de Ciro Daraujo enviado na quarta-feira, 03/06/2015 às 23:54, que já diz bastante o que eu queria dizer, e passaria um pouco batido em seu texto. Só que além do texto de Ciro Daraujo ser um tanto técnico e, como não sou economista, poderia parecer haver apenas cabotinismo no elogio meu, faltaria explicitar uma comparação com textos mais antigos seus e que foi algo que me chamou atenção neste post “Falando um pouco sobre juros, por Gunter Zibell” de quarta-feira, 03/06/2015 às 09:47, de sua autoria.

    Seus textos mais antigos pareceram-me mais precisos e consubstanciados. E falo mais especificamente levando em conta o ótimo post “A inflação distante do umbigo da blogosfera” de sexta-feira, 04/03/2011 às 09:41, feito a partir de comentários seus em réplicas a considerações de Luis Nassif sobre a inflação e que pode ser visto no seguinte endereço:

    http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-inflacao-distante-do-umbigo-da-blogosfera

    Trata-se de um post de que eu gosto muito e ao qual faço referência até com certa constância desde então. Eis, em uma sequência, posts onde há comentários meus mencionando seu post “A inflação distante do umbigo da blogosfera”:

    Primeiro indico o post “Stiglitz e os juros contra a inflação” de segunda-feira, 07/03/2011 às 13:38, saído aqui no blog de Luis Nassif e que trazia indicação de artigo de Joseph Stiglitz “The Mauritius Miracle”, de segunda-feira, 07/03/2011, por sugestão de Pergunte ao Pó e que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/stiglitz-e-os-juros-contra-a-inflacao

    Como se trata de um post publicado só três dias após o seu, vou indicar outro post já do final daquele ano de 2011. Menciono assim o post “Mantega: “Nossa despesa com juros vai ser normal”” de quarta-feira, 23/11/2011 às 14:25, em que o jornal GGN dá destaque para matéria no G1 intitulada “Governo está reduzindo gasto com custeio, diz Mantega”. O endereço do post “Mantega: “Nossa despesa com juros vai ser normal”” é:

    https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/mantega-nossa-despesa-com-juros-vai-ser-normal

    Para o ano seguinte, 2012, eu menciono o post “Os limites da queda da taxa Selic” de quarta-feira, 21/03/2012 às 16:00, aqui no blog de Luis Nassif e consistindo de comentário de Roberto São Paulo-SP 2015 no post “As leis da física e da economia, por Delfim Netto”. O endereço do post “Os limites da queda da taxa Selic” é:

    https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/os-limites-da-queda-da-taxa-selic

    Dou como exemplo em 2013 de post em que há comentário meu mencionando o seu post “A inflação distante do umbigo da blogosfera”, o post “A hora de discutir as metas inflacionárias” de terça-feira, 16/04/2013 às 08:00, aqui no blog de Luis Nassif e de autoria dele e que pode ser visto no seguinte endereço:

    http://advivo.com.br/node/1340589

    Em 2014, eu menciono o post “A hora de discutir as metas inflacionárias” de sábado, 19/07/2014, com o mesmo título do post de 2013 e publicado aqui também no blog de Luis Nassif e também de autoria dele. O endereço do post “A hora de discutir as metas inflacionárias” de 2014 é:

    https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-hora-de-discutir-as-metas-inflacionarias

    Agora na maioria das vezes que eu menciono seu post eu também faço referência ao ótimo comentário de Alexandre Weber – Santos –SP enviado quinta-feira, 03/03/2011 às 17:25, e que pode ser visto na terceira página do seu post “A inflação distante do umbigo da blogosfera”. Não só o menciono como com frequência o transcrevo e como farei a seguir. Afirmou lá Alexandre Weber – Santos –SP, destacando em negrito a parte que me chama mais atenção:

    “Falta considerar o tempo nas análises do Gunter, este tempo, em um mercado fechado onde quando um perde sempre um ganha. Neste tempo de oportunidades, os que comandam o mercado ganham quando a bolsa sobe e ganham quando a bolsa desce, não tem perdão, é sempre a mesma ladainha, o dinheiro correndo do bolso dos otários para o bolso dos espertos.

    Não considerar o tempo torna iníqua qualquer análise, pois está dissociada do mais importante fator em mercado de capitais.

    Só por curiosidade, com a dívida pública preponderantemente em Reais, uma inflação que diminua a taxa de juros reais, diminui, sobre qualquer ponto de vista, a transferência de dinheiro do povo para os rentistas. É lógico que os rentistas, a mídia e seus funcionários vão pregar uma redução da inflação e maliciosamente pedir ainda um aumento dos juros nominais para prevenir uma futura inflação que corroeria os seus ganhos.

    Esta estratégia é interessantíssima e seu eu fosse rentista ia mover os Céus e a Terra para implementá-la, como não sou, observo o que acontece”.

    Esta é a essência do mecanismo do Regime de Metas de Inflação: um instrumento poderosíssimo de combate à inflação que escancara quem realmente ganha com a redução da inflação. Enfim não é o Estado quem ganha com o juro alto. Só que na condição particular do Brasil que teve um plano que acabou com a inflação de uma vez e por isso formou uma dívida de curto prazo elevada, o Regime de Metas de Inflação talvez seja o instrumento que consiga a inflação mais baixa dentro de um determinado juro real.

    De certo modo, você evita aceitar a validade do comentário de Alexandre Weber – Santos –SP. Só assim se explica você fazer a crítica aos bordões da esquerda contra o juro alto sem entrar no mérito da crítica apenas destacando o caráter de bordão de afirmativas como “juros são elevados para favorecer bancos” e “juros reais elevados são coisa do liberalismo”. O que se evidencia é que a maior eficiência do regime de metas de inflação está exatamente, como falou o Alexandre Weber – Santos –SP em remunerar com vantagem o rentista.

    Aliás, você faz referência ao juro real como se ele fosse um dado aleatório. Não é. Há um artigo muito bom de Alexandre Schwartsman que mostra uma relação muito forte e inversa entre inflação baixa e juro real. Trata-se do post “Derruba sim…” de terça-feira, 08/04/2014, e que pode ser visto no seguinte endereço:

    http://maovisivel.blogspot.com.br/2014/04/derruba-sim.html

    No post “Derruba sim…” há uma tabela em que se verifica que, para um inflação entre 6% e 6,5%, que foi a inflação da era de Guido Mantega, a taxa de juro real ficava na faixa de 2% a 6% enquanto para uma inflação entre 4,5% e 5%, a taxa de juro real ficava entre 6% e 9%. É claro que quem mais sofre com o juro real alto é quem tem dívida elevada. E quem tem dívida elevada é o governo.

    A questão dos efeitos do juro na oferta e na demanda também ficou devendo. Não há nada a respeito da desova de estoque quando se aumenta o juro o que significa aumento de oferta tendo assim efeito na redução da inflação, nem nada sobre o aumento da poupança quando se aumenta o juro o que significa redução da demanda.

    E se a intenção é falar sobre o juro, ainda que seja só um pouco, não custaria nada fazer uma leve menção no aumento do custo do setor produtivo que o juro provoca. Há um artigo antigo de Antonio Delfim Netto que trata desse assunto. Recentemente em comentário que enviei domingo, 03/05/2015 às 13:23, para Laura junto a comentário dela de domingo, 03/05/2015 às 09:34, lá no post “A desastrosa política monetária, por Motta Araujo” de sábado, 02/05/2015 às 11:16, aqui no blog de Luis Nassif e com texto de Motta Araujo, eu indiquei o link para o artigo “Ressuscitado o efeito Patman?” de Antonio Delfim Netto, publicado no Valor Econômico de terça-feira, 29/03/2005, e que é o seguinte:

    http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/450929/noticia.htm?sequence=1

    Como eu disse em meu comentário para Laura, eu me fio na conclusão transcrita a seguir que Steves Seelig apresentou no artigo “Rising Interest Rates and Cost Push Inflation” escrito em 1974 e que está lá no artigo de Antonio Delfim Netto:

    “os insignificantes resultados econômicos e estatísticos dessa análise não suportam a hipótese que um aumento da taxa de juros leva a um aumento dos preços via a precificação por mark-up”

    De todo modo, na época do artigo de Antonio Delfim Netto, haviam saído dois artigos que corroboravam um pouco a tese de Patman de que fala Antonio Delfim Netto no artigo dele e que se refere ao congressista do Texas Wrigh Patman e que foram mencionados por Antonio Delfim Netto. Há o artigo “The Cost Channel of Monetary” de autoria de M. J. Barth III e de V. A. Ramey que pode ser visto no seguinte endereço de uma publicação de janeiro de 2002:

    http://www.nber.org/chapters/c11066.pdf

    E há também o artigo “Is Ther a Cost Channel on Monetary Policy Transmission?” de autoria de Eugenio Gaiotti e Alessandro Secchi de dezembro de 2004 e que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://www.bancaditalia.it/pubblicazioni/temi-discussione/2004/2004-0525/tema_525.pdf?language_id=1

    E deixo o link também para o post “A desastrosa política monetária, por Motta Araujo” aqui no blog de Luis Nassif que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/a-desastrosa-politica-monetaria-por-motta-araujo

    E vale também ver o post “A inflação benéfica ou a irracionalidade do plano Levy-Tombini, por André Araujo” de sábado, 06/06/2015 às 08:05, também aqui no blog de Luis Nassif e de autoria de Andre (Motta) Araujo. O post “A inflação benéfica ou a irracionalidade do plano Levy-Tombini, por André Araujo” pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/a-inflacao-benefica-ou-a-irracionalidade-do-plano-levy-tombini-por-andre-araujo-0

    Chamo atenção para o post “A inflação benéfica ou a irracionalidade do plano Levy-Tombini, por André Araujo” porque nele há um arrazoado em defesa de uma inflação moderada. Só que Andre Araujo esquece do aspecto ruim da inflação sob o aspecto político. A inflação mais alta diminui a popularidade de um governante. E este é um ponto relevante quando se discute o juro e você não fez referência a isso. Assim, indiretamente o juro mais alto constitui um importante instrumento de manutenção da popularidade de um presidente, e desde que o juro alto não tenha efeito muito drástico na economia, o governante principalmente dentro de um projeto de reeleição e de tentar manter o poder vai dar mais prioridade à manutenção da inflação baixa do que a manutenção de uma economia em crescimento.

    E no conjunto o seu post ficou difuso sem ser abrangente nem profundo. Quando você fala sobre a parcialidade da imprensa há apenas uma crítica de não se trazer o contraponto, mas sem exemplificar o quanto este predomínio de um só entendimento é nocivo ao esclarecimento. E você utiliza sem muita atenção determinados ditos ou frases populares que acabam pouco ajudando no entendimento.

    Você diz ao falar das críticas sobre a parcialidade da mídia que “o uso do cachimbo deixa a boca torta”. Não se sabe se com isso você quer dizer que a mídia de tanta parcialidade já escancara a parcialidade ou se é a censura repetitiva a mídia que já está com a boca torta.

    E mesmo que se considere que o ditado é para ser aplicado à mídia você diz que “cabe ao leitor dar os devidos descontos”, como se o leitor fosse capaz de desentortar a boca da mídia. Ora o leitor capaz de desentortar a boca da mídia não precisa nem da informação seja ela transmitida com racionalidade ou não.

    Para vislumbrar a nocividade da desconsideração pela opinião contrária basta lembrar dos comentários recentes sobre a carga tributária elevada no Brasil em que se deu divulgação apenas aos movimentos de órgãos privados que tem interesse em tratar essa questão como se fosse um grande mal da economia brasileira. Ninguém para dizer que dentro de um mesmo país à medida que se aumenta a carga tributária melhora a distribuição de renda. Assim os que se manifestam contra o aumento da carga tributária estão se manifestando também contra a melhoria da distribuição de renda.

    O uso pouco esclarecedor do ditado apareceu também quando você diz que o papel do governo é “manter um certo paralelismo entre inflação resultante e taxa nominal de juros corrente, para evitar eventual fuga de capitais (que levaria a ainda maior – e inflacionária – desvalorização cambial) e deslocamento da poupança para ativos reais” e equipara esse papel ao de um “cachorro correndo atrás do rabo”.

    E há a questão do salário mínimo. Um aumento do salário mínimo com todos os demais preços não sofrendo variação produz um aumento no índice de inflação. Qualquer aumento da taxa de juro que crie dificuldade para a elevação nos outros preços, que naturalmente se elevariam, seja pelo aumento de custos que o aumento do salário mínimo produz, seja pelo aumento da demanda que também o aumento do salário mínimo produz, tem efeito distributivo.

    Aliás, sobre o caráter distributivo do aumento do salário mínimo e que pode ser mais bem assegurado pelo aumento do juro vale lembrar o artigo de Marcelo Miterhof “Conservadorismo atávico” publicado na Folha de S. Paulo e que saiu aqui no blog de Luis Nassif no post “Conservadorismo atávico, por Marcelo Miterhof” de sexta-feira, 12/12/2014 às 06:07. Marcelo Miterhof transcreve no início do artigo a seguinte frase: “Se os preços sobem porque os salários se elevaram mais do que a produtividade, a desigualdade é reduzida”. O post “Conservadorismo atávico, por Marcelo Miterhof” pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/conservadorismo-atavico-por-marcelo-miterhof

    É claro que não se pode ter a pretensão de ser exaustivo quando se fala sobre o juro mesmo em um trabalho acadêmico, mas tudo que eu disse aqui já vem sendo dito no blog há muito tempo e você faz uma abordagem em que parece esquecer de tudo isso. Ao contrário, o que se vê é o seu post ir afastando mais e mais daquilo que antes você fazia com naturalidade que era o esclarecimento, com quadros e gráficos que bem ilustravam a sua idéia.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 06/06/2015

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