Tercio Sampaio Ferraz Junior: Contra a corrupção, prisão preventiva?

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da Folha

Contra a corrupção, prisão preventiva?

por Tercio Sampaio Ferraz Junior

Utilizar a prisão preventiva como instrumento para obter confissões, colocando o preso sob pressão, é próprio da mentalidade autoritária

O tema da prisão preventiva no Brasil exige reflexão. Provocado pela Operação Lava Jato, aliado ao êxito das confissões estampadas pela mídia, o assunto parece gerar uma euforia saneadora, mas suas raízes são mais profundas.

Diz o artigo 312 do Código de Processo Penal: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”.

Há dois problemas que merecem atenção: o primeiro diz respeito à extensão que se possa dar aos fundamentos expressos no artigo para a aplicação da prisão preventiva; o segundo, aos seus limites temporais.

Quanto ao primeiro problema, ao modificar os termos do artigo, parece ter possibilitado a interpretação de que o pedido de prisão preventiva possa ter como fundamento a necessidade para se conseguir a confissão do réu ou investigado.

É possível citar quatro pareceres em habeas corpus, quando a Procuradoria Regional da República da 4ª Região defendeu a manutenção da prisão preventiva face à “possibilidade real de o infrator colaborar com a apuração da infração penal”.

Os pareceres ministeriais foram subscritos em 21 de novembro de 2014 e enviados ao Tribunal Regional da 4ª Região no dia 25. As respectivas prisões haviam sido feitas em 15 de novembro. Na origem, trata-se de autos em trâmite na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba.

Em um dos pareceres enviados ao Tribunal Regional Federal, o procurador da República afirma que, “além de se prestar a preservar as provas, o elemento autorizativo da prisão preventiva, consistente na conveniência da instrução criminal, diante da série de atentados contra o país, tem importante função de convencer os infratores a colaborar com o desvendamento dos ilícitos penais, o que poderá acontecer neste caso, a exemplo de outros tantos”.

O parecer se baseia na parte do dispositivo que permite a prisão preventiva “para conveniência da instrução criminal”. Por tratar-se de um conceito aberto, a conveniência da instrução parece autorizar, de forma abstrata, como causa para a prisão preventiva, forçar o réu a colaborar (leia-se delação premiada).

Fazer da prisão preventiva um instrumento de obtenção de confissão, não só por pressão exercida sobre o preso, mas sobre sua família, é próprio da mentalidade autoritária.

Em 1936, na Alemanha, a criação de uma polícia “defensiva” e “preventiva” foi o ponto crucial para a regulamentação normativa da Gestapo dentro de um “novo” espírito.

O Estado é constituído por um corpo social: o povo. A analogia, então, era clara: assim como o “povo”, enquanto um “corpo”, pode padecer de enfermidades, do mesmo modo as ações policial e judicial devem assemelhar-se aos cuidados “preventivos” de um médico.

Dentre as prevenções estavam as diferentes formas de “pressão para confessar” da polícia nazista, cuja herança tem levado o mundo atual a proscrever com veemência todas as formas de tortura, inclusive a psicológica. Não por outro motivo a Corte Constitucional alemã tem reafirmado o caráter excepcional da medida, abolindo inclusive a denominação “preventiva”.

Quanto ao limite temporal, o Ipea, com dados do Departamento Penitenciário Nacional, mostrou que, em 2011, a população carcerária no Brasil era de 514,7 mil, dos quais 217,1 mil eram presos provisórios, sendo que desses, 37% acabaram soltos. Assusta o tempo sem limitações, a produzir não só superpopulação carcerária, mas injustiças irreparáveis.

As cortes europeias têm limitado o tempo a no máximo seis meses, mesmo no caso de suspeitos de terrorismo. Nesses termos, a invocação de “clamor público” não deve jamais ser confundida com garantia da ordem pública.

A Operação Lava Jato, para ter sucesso em um Estado democrático de Direito, fornece um bom ensejo para que o Judiciário, e o Supremo Tribunal Federal em especial, trace os limites da lei mediante sua competência interpretativa.

É preciso que o faça não com os olhos apenas nos atuais casos de corrupção, mas nas injustiças sociais que uma prisão preventiva sem peias e a “indução” forçada a confissões sob o nome de delação premiada podem provocar, evitando-se, assim, que venham a agravar-se as estatísticas do Ipea.

TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR, 73, advogado, é professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP e autor do livro “A Ciência do Direito” (Atlas)

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

20 Comentários

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  1. Corrupção não é o ideal, mas

    Corrupção não é o ideal, mas é muito melhor um País com obras e com corrupção do que um País sem corrupção mas também sem obras.

    Claro que não estamos em extremos, a realidade é mais complexa do que isso. Porém, o que está ficando claro é que se usarmos expedientes comuns da justiça para supostamente combater corrupção ou punir supostos corruptos estaremos, na verdade, acabando com empresas, destruindo empregos e atrasando o desenvolvimento do País.

    Se o juiz bloqueia os bens de uma empresa média ou grande, em pouco tempo ela vai quebrar (não necessariamente os controladores vão falir) devido a cadeia de fornecedores e é ai mesmo que haverá o prejuizo social e também financeiro pois jamais poderão ser devolvidos os supostos ganhos desta empresa por corrupção. É um contrasenso.

    É preciso bom senso para separar a investigação das pessoas da saúde financeira das empresas. Poderia-se, por exemplo, proibir retiradas das empresas pelos sócios, até ai tudo bem, mas nunca proibir pagamentos.

    É preciso que o País se una para dialogar claramente sobre isso e quem tem que tomar a frente é o Governo Dilma, não há outra opção.

    Muitos ainda não perceberam mas já estão havendo inúmeras paralizações de obras, agora, no bojo ou em decorrencia da operação lava-jato, muitos empregos perdidos e muitas empresas sucumbindo. Será mesmo que isso é bom para o País ?

  2. “Utilizar a prisão preventiva

    “Utilizar a prisão preventiva como instrumento para obter confissões, colocando o preso sob pressão, é próprio da mentalidade autoritária”

     

    Não vi a PF prender preventivamente o jornalista do UOL que se recusa a divulgar os nomes dos mafiosos brasileiros que depositaram fortunas ilícitas no HSBC da Suíça. 

    1. E o rapaz da UOL é suspeito

      E o rapaz da UOL é suspeito de qual crime mesmo? Ah, lembrei que ele é jornalista e, segundo cv,  tão mau quanto militantes do Estado Islâmico… mas ser mau não é crime, ainda…

      1. Sonegar impostos é crime.

        Sonegar impostos é crime. Acoitar criminosos também. Você também é coiteiro dos mafiosos tucanos com grana no HSBC ou tem uma continha lá na Suíça? 

  3. Pois é essa mentalidde

    Pois é essa mentalidde autoritária que se projeta sobre os adversários; tratam como se fossem eles;  e daí surgem essas aberrações como dominio do fato e outras mais…

    Pelo menos alguns nomes da ciência jurídica estão se manifestando; não estão diante dessas degenerações como se estivessem vendo uma partida de tênis.

  4. Grande professor Tércio.

    Grande professor Tércio. Tomara que os grandes juristas desse país se pronuciem sobre o caus jurídico imposto pelas  elites economicas, financistas e politicas em conluio com seu braço midiatrico.

  5. ótima abordagem,

    ótima abordagem, especialmente quando lembra da ascenção nazista, da gestapo.

    é assim que se iniciam os processos de uma sociedade autoritária.

    na ditadura era muito comum a prisão preventiva para averiguações…

    daí à tortura foi um passo.

    é claro que ninguém quer que acorrupção fique impune,

    mas se é um estado demorático de direito – o tal império da lei -,

    é preciso respeitar isso, senão será a permissão de tudo o que alguns

    segmentos conluiados pretendem pra afetar esse estado de direito….

  6. Esse processo da Lava Jato

    Esse processo da Lava Jato está pior do que os que aconteciam na ditadura militar, pois na ditadura pelo menos tentavam colocar um verniz de legalidade aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Esse processo da Lava Jato me lembra mais os processo movidos pela inquisição ao processeram supostos heréges ou bruxas.

    Esse estilo de fazer “justiça” já estão apelidando de método jurídico barbosiano, (onde se incluem o domínimo dos fatos-condenar sem provas, o prende para deletar, e a delação é a rainha das provas).

    1. Perfeito seu comentário.
      O

      Perfeito seu comentário.

      O que estão usando é um espírito de vingança, de punição a qq custo e com isso vão atrasar anos e anos do desenvolvimento do País.

      É a republica do Parana. Impressionante um estado desse porte colocar o País de joelhos.

      1. perfeitamente…

        foi assim que conseguiram transformar a opinião em um desejo de vingança, como na Alemanha

        em todos os nossos ciclos de destruição, tivemos a vingança como causa principal

        e pode reparar…………………sempre oriunda da sociedade como opinião pública

        exatamente o que estão querendo fazer por aqui, a mídia bandida e conspiradora

    2. disse tudo, excelente, é isso aí mesmo…

      daí podemos perguntar, apenas para mostrar que é tudo armação, castigo público e perseguição política:

      onde é mesmo que vai parar a rainha das provas? exatamete no colo de quem cria, na mídia bandida

  7. Para que serve bloquear bens

    Para que serve bloquear bens das empresas, se em decorrência disto irá gerar desemprego e prejudicar a economia nacional? O remédio acaba sendo excessivo, ao invés de curar, acaba matando o paciente, que neste caso é o povo brasileiro. O magistrado ao decidir deve se basear em alguns princípios norteadores do direito, dentre eles o princípio da razoabilidade, que é o que está faltando demais, menos holofotes, e mais justiça por obséquio.

  8. Pois eu acho a delação

    Pois eu acho a delação premiada uma das maioresconquistas da civilização, expediente que existe no ordenamento jurídico brasileiro há muito tempo e que vem sendo empregada com bastante eficiência por nosso judiciário. Já pensaram como era antigamente? A obtenção da confissão se dava com base na tortura física… cruzes! Bom saber que a humanidade avança.

  9. já falei, se educaram por lá, no Deutslão…

    muito parecido com o Einsatzgruppen

    na época Alemanha se encontrava mergulhada na míséria, após 1ª grande guerra, o que possibilitou o surgimento de grupos da elite que ofereciam uma chance de melhora…………………………………………..melhorou?

    hoje poderíamos chamar de força tarefa para recuperar um país mergulhado em corrupção

    não deixem de perceber que uma força tarefa por autoritarismo a todos iguala

    como conseguem?

    no meu entender fazendo com que um juiz, muito além de ser juiz, independente de correto ou não, seja também policial e jornalista

    1. detalhe…

      a todos iguala, mas apenas hoje, no governo atual

      é assim que escondem os grandes corruptos que deram início a tudo que, hoje, os próprios tribuanis superiores aceitam, todo este autoritarismo, como belo trabalho de uma força tarefa da qual também fazem parte

      sem funcionar dessa maneira, não como proteger tucanos

      1. como na Alemanha só perceberam depois…

        e já era muito tarde

        vamos esperar a corrupção acabar

        mas como já esperamos por décadas e décadas, governo após governo

        fica a pergunta: a culpa é do governo, qualquer, ou das várias forças tarefas que já oram criadas?

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