Xadrez para entender o algoritmo do Google, por Luis Nassif

O direcionamento não é entre grandes veículos e pequenos, mas entre veículos com maior ou menor resistência dos grandes anunciantes. Provavelmente é esse o item com maior peso nos algoritmos do Google.

O algoritmo do Google se tornou um dos grandes fatores de influência na informação mundial. O algoritmo define a busca de informações, a audiência de sites. Durante algum período, viabilizou sites alternativos, ampliando a democracia no mundo.

De repente, a última mudança no algoritmo provocou um terremoto global, derrubando radicalmente a audiência de sites jornalísticos.

O que estaria por trás disso?

Há um conjunto de fatores influenciando essas mudanças.

Fator 1 – a geopolítica do capital e a anticorrupção

As chamadas Primaveras Árabes foram o primeiro sinal do poder desestabilizador das redes sociais. A geopolítica da anticorrupção, o segundo.

A estrategia de cooptar procuradores de vários países para, a pretexto da luta contra a corrupção, serem instrumento de destruição das empresas nacionais, teve como grande centro cooptador a Atlantic Council – um think tank de lobby que articula os interesses do chamado estado profundo.

Em “Geopolítica de como os EUA e a Lava Jato desmontaram o Brasil”, há uma pequena introdução a esse jogo geopolítico. Inclusive a proposta do Atlantic Council para reformas o sistema de justiça na América Latina.

Entre outros signatários, a proposta contou com o endosso do conselheiro  Rodrigo Janot, já em seu terno de ex-Procurador Geral da República do Brasil, e totalmente esquecido de sua missão de servidor do Estado brasileiro.

  1. Em relação ao poder nacional, o grupo do Atlantic Council propõe inclusive participar dos critérios de seleção de juízes e procuradores:
  • Melhorar a cooperação internacional do Ministério Público, incluindo a partilha de provas através da colaboração direta entre procuradores sem interferência do poder executivo e facilitação da negociação de argumentos em diversas jurisdições.
  • Fortalecer a independência e a autonomia judicial de acordo com os padrões interamericanos e internacionais, inclusive através do suporte técnico para melhorar os processos de seleção para juízes e procuradores.  
  1. Em relação aos fóruns regionais de direitos humanos, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), as propostas são impositivas:
  • Criar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) uma  nova proposta especial sobre direitos humanos e corrupção  e obrigar a CIDH a comissionar um relatório especial sobre o nexo entre corrupção e direitos humanos.

Fator 2 – a nova estratégia de defesa

Coube ao Atlantic Council difundir a nova lógica da estratégia de defesa, preconizado por Harlan Ulmann, pensador relevante.

Aqui, um pouco do pensamento de Ulmann, autor do premiado livro “Anatomia do fracasso: porque a América perde todas as guerras que começa”, e consultor que influenciou o secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, na guerra do Iraque. 

Seu enfoque não é mais no conflito entre nações, mas contra os agentes não estatais que ameacem a nova ordem mundial.

Nesse conceito, cabe de tudo, de grupos terroristas a movimentos que questionem a ordem econômica mundial baseada na internacionalização do capital.

“Em um artigo intitulado ‘War on Terror Is not the Only Treat’, Ullman afirma que, “mudanças tectônicas estão reformulando o sistema geoestratégico internacional”, argumentando que não são as superpotências militares, como a China, mas “atores não estatais”, como Edward Snowden, Bradley Manning e hackers anônimos que representam a maior ameaça para o Westphalian System, porque eles estão incentivando as pessoas a se tornarem autocapacitadas e eviscerar o controle do Estado. (…) Ullman sugere que a definição do The Atlantic Council de uma “nova ordem mundial” seja uma tecnocracia mundial gerida por uma fusão do grande governo e o grande negócio em que a individualidade seja substituída por uma singularidade trans-humanista

Fator 3 – a articulação grupos financeiros e altos funcionários

O grande papel do Atlantic Council é criar um ambiente de contatos frequentes entre altos funcionários norte-americanos – notadamente do Departamento de Defesa e da Justiça – com interesses econômicos globais, de  potentados árabes, empresas com problemas de imagem a grandes fundos globais de investimento, como o Blackstone Group.

Aqui, você poderá ter uma pequena noção de sua articulação com grupos de lobby e fundos de investimento.

“Um dos links mais famosos do Atlantic Council é o BLACKSTONE GROUP, maior firma global de private equity, negócios financeiros especiais como grandes privatizações, o BLACKSTONE por exemplo compra uma grande empresa não para ficar com ela e sim para “dar uma tacada” e vender logo depois, faz “jogadas” tipo comprar “galinhas mortas” na “bacia das almas” e logo depois desovar no mercado do grande público ganhando muito nesse processo. Os ativos do BLACKSTONE são de 500 bilhões de dólares, nesse tipo de negócio é o maior do mundo”.

Fator 4 – o uso dos algoritmos e o enquadramento do Facebook

O caso Brexit, o avanço da ultradireita no mundo, com o uso dos algoritmos acendeu a luz amarela de que as redes sociais poderiam sair do controle do sistema, reforçando as pregações de Ulmann.

Montou-se, então, a primeira operação destinada a enquadrar o Facebook, uma jogada magistral do Atlantic Council.

No artigo “Xadrez do jogo político dos fake news” mostramos como se deu o jogo.

Nas eleições presidenciais, foi identificada uma empresa russa que impulsionou a candidatura de Donald Trump.

Aí um blog obscuro, o PropOrNot, divulgou um relatório de 32 páginas detalhando a metodologia e delatando cerca de 200 meios de comunicação suspeitos de publicar propaganda russa. O artigo não era assinado, segundo os autores pelo receio de serem atacados pelos hackers russos. Como escrevemos no post:

“O espaço dado pelo Washington Post mereceu críticas generalizadas do jornalismo sério do país. Andrew Cockburn, editor da Harper’s, classificou a reportagem como um “lixo lastimável”. Colunistas do The Intercept , Fortune e Rolling Stone também despejaram, críticas sobre o jornal.

Adrian Chen, do respeitado The New Yorker, informou que havia sido contatado pela organização mas não embarcou na história.

 “Um olhar mais atento no relatório mostrou que estava uma bagunça. “Para ser honesto, parece uma tentativa muito amadora”, disse-me Eliot Higgins, um pesquisador respeitado que investigou notícias falsas da Rússia em seu site, Bellingcat, durante anos. “Eu acho que nunca deveria ter sido publicado em qualquer site de notícias de qualquer nota.”

Da Wikipedia

O Washington Post foi obrigado a se retratar. Na cabeça de reportagem online publicou numa Nota do Editor dizendo não garantir a validade das conclusões do PorpOrNot. Nem tinha condições de avaliar se a campanha russa havia sido decisiva para eleger Trump”.

Dois pesquisadores resolveram mapear a origem dos estudos e foram dar com um site financiado pelo Atlantic Council.

Mesmo assim, a divulgação pelo The Washington Post foi suficiente para que Mark Zuckerberger fosse enquadrado pelo Congresso, submetido a uma sabatina em que ficou claro o poder do Estado – não por acaso, do Estado mais poderoso do mundo.

Sua reação imediata foi buscar a consultoria da Atlantic Council, que o orientou a monitorar a rede com agências de checagem – obviamente sob sua coordenação.

No dia 26 de julho de 2017, o site do Atlantic Council publicou um artigo explicando como deveria ser o critério para Google e Facebook impedirem notícias falsas.

 “As leis de mídia existentes já estão sendo usadas por pessoas no poder para silenciar seus oponentes, e o termo “notícias falsas” foi rapidamente adotado por políticos com o objetivo de desacreditar a mídia. É muito fácil imaginar um governo usando o discurso falso da notícia falsa / discurso do ódio para censurar pontos de vista inconvenientes”.

E defendia que não poderia se dar a ambos o direito de censurar.

“Obrigações de remoção de conteúdos ilegais devem estar sujeitas a uma supervisão judicial adequada ou a de transparência e de comunicação”.

O caminho, segundo o Atlantic Council, seria estabelecer “parcerias com organizações de checagem de fatos, reprimindo propagandas de sites não confiáveis, modificando seus algoritmos”. Nas apenas isso, mas essas organizações “lançando seus próprios projetos de suporte de mídia”. Espalha-se, aí, o fenômeno das agências de checagem.

Mas o Atlantic Council se tornou o grande monitor do Facebook.

Fator 5 – a estratégia do Google

O Google sempre foi uma empresa mais preocupada com imagem e com direitos que o Facebook. Apostou que sua legitimação decorreria do fato de contribuir para o papel civilizatório da informação.

Mas é, antes de tudo, uma empresa privada que busca maximizar o lucro. No início de seu sistema de busca, adotou práticas polêmicas. Havia – e ainda há – a possibilidade do cliente comprar a cabeça de página de buscas por determinadas palavras-chave. Mas o Google foi além. Foi acusado de apresentar um produto pelo qual o cliente tinha o poder de jogar todas as matérias favoráveis na primeira página de busca e as desfavoráveis nas páginas seguintes.

Há inúmeras explicações para a última mudança do algoritmo do Google, questões técnicas, tentativas de não estimular posições radicais, coibir fake news. 

A hipótese mais provável para a queda de audiência de muitos veículos, à esquerda e à direita, parece mais simples.

1. Para simplificar a explicação, vamos dividir os anunciantes em dois grupos: os grandes anunciantes – o Anunciante A – que representam o mainstream; os outros tipos de anunciantes de varejo, de valores menores – o Anunciante B – e, muitas vezes, recorrendo à publicidade intermediária, como o Taboola.

2. Pelo jogo de oferta e procura, a publicidade paga aos veículos tradicionais – com reputação já firmada – é maior do que a publicidade aos veículos alternativos. Mais que isso, as agências de publicidade têm suas próprias classificações de site. Há os sites aceitos, os sites polêmicos, os sites de Fakenews.

3. O produto Google é representado pela quantidade de visualizações que ele entrega. Suponha um determinado caso – Pazuello no comício de Bolsonaro, por exemplo. O sistema de buscas, e os veículos de reprodução de notícias do Google, podem direcionar a leitura para vários sites. Se for para um site do sistema, o valor da publicidade é, digamos, 100. Se for para um site de segunda será, por hipótese, 70. Obviamente, a lógica financeira induzirá o direcionamento para os sites de maior valor, que representam mais faturamento para o Google. E que  são aqueles sites com menos restrição dos grandes anunciantes.

Portanto, o direcionamento não é entre grandes veículos e pequenos, mas entre veículos com maior ou menor resistência dos grandes anunciantes. Provavelmente é esse o item com maior peso nos algoritmos do Google. São as grandes agências que definem o destino da verba publicitária e, com seus vetos, induzem os mecanismos de busca do Google a direcionar a leitura para sites com publicidade mais cara. Uma estratégia mais “limpa”, eficaz e rentável que as idas e voltas do Facebook.

Com isso, perpetua o discurso único do mainstream – aliás, repetindo a lógica da publicidade em outro tipos de veículos. 

Por isso, a melhor estratégia é trabalhar os grandes anunciantes e mostrar que existe um público bancarizado, adulto, que segue exclusivamente sites específicos – de esquerda e direita. Assim como o consumo viabilizou a economia negra, nos Estados Unidos, é por aí que se reduzirão as restrições econômicas à chamada mídia alternativa.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Tudo é uma questão de ser capaz de vender, seja lá o que for. Essa é a natureza do algoritmo do Google, que, por sua vez, é a essência do caráter da América do Norte.
    Em um delicioso livro em que conta sua experiência nos Estados Unidos, nos anos 70, Henfil conta que foi alvo da mais grave acusação que um americano pode fazer: a de não querer ganhar dinheiro. Tudo porque, uma vez tendo conseguido colocar a tirinha dos Fradinhos nos jornais americanos, se recusou a permitir o uso da imagem de seus personagens em camisetas, chaveiros, mochilas, e outras bugingangas.
    Paddy Chayefsky escreveu o roteiro de “Network”, lançado em 1976. Traduzo a fala do Sr. Jensen – que se gaba de ser capaz de vender qualquer coisa – ao atônito Sr. Beale:

    Sr. Jensen: “Você interferiu com as forças primais da natureza, sr. Beale, e isso eu não vou tolerar!! Fui claro?! Você pensa apenas que interrompeu uma negociação. Não é o caso. Os árabes tiraram bilhões de dólares desse país, e agora tem que devolvê-los! É o fluxo da maré, maré gravitacional! É equilíbrio ecológico!
    Você é um homem das antigas, que pensa em termos de nações e povos. Não há nações. Não há povos. Não há russos. Não há árabes. Não há terceiros mundos. Não há ocidente. Há apenas um sistema holístico de sistemas, um vasto e imenso, entrelaçado, interativo, multifacetado, multinacional domínio de dólares. Petrodólares, eletrodólares, multidólares, marcos, letras, rublos, libras, e shekels.
    É o sistema monetário internacional que determina a quantidade de vida neste planeta. Essa é a ordem natural das coisas, hoje. Essa é a estrutura atômica, subatômica e galática das coisas, hoje. E você interferiu com as forças primais da natureza, e vai pagar por isso!
    Estou me fazendo entender, sr. Beale?
    Você se ergueu em sua pequena tela de 21 polegadas e gritou sobre a América e a democracia. Não há nenhuma América. Não há nenhuma democracia. Há a IBM e a ITT e a AT&T, e DuPont, Dow, Union Carbide, e Exxon. Essas são as nações do mundo, hoje.
    Do que você acha que os russos falam, em seus conselhos de Estado – Karl Marx? Eles consultam seus gráficos de programação de linha, teorias de decisão estatísticas, planejamento, e computam as probabilidades e o custo-benefício de suas transações e investimentos, assim como nós. Não vivemos mais em um mundo de nações e ideologias, sr. Beale. O mundo é um colegiado de corporações, inexoravelmente determinado pelos estatutos imutáveis dos negócios. O mundo é um negócio, sr. Beale. Tem sido assim desde que o homem engatinhou para fora do limo. E nossos filhos viverão, sr. Beale, para ver esse mundo perfeito em que não haverá guerra ou fome, opressão ou violência – apenas uma imensa e ecumênica companhia corporativa, para quem todos os homens trabalharão em prol de um ganho comum, em que todos terão sua cota de ações, todas suas necessidades satisfeitas, todas suas ansiedades pacificadas, e todo tédio dissipado. E eu estou escolhendo você, sr. Beale, para pregar esse evangelho.
    Sr. Beale: “Mas por que eu?”
    Sr. Jensen: “Por que você está na televisão, idiota. Sessenta milhões de pessoas o assistem toda noite, de segunda à sexta.”

    Isso em 1976. Basta substituir o nome de alguns países, o nome de algumas companhias, incluir as gigantes da tecnologia, e trocar a televisão pela internet e redes sociais, e percebemos que nada mudou, de lá para cá, a não ser a velocidade com que o controle social hoje avança, e a extensão que é capaz de alcançar.

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