Os interesses subjacentes à proposta da digitalização da Educação, por Vinicius Aleixo Gerbasi

Estamos presenciando, nas plataformas de Educação, a entrada “silenciosa”, mas ordenada, dos interesses corporativos.

Cléber Souza

Os interesses subjacentes à proposta da digitalização da Educação

por Vinicius Aleixo Gerbasi

O capitalismo de plataforma, caracterizado por grandes empresas transnacionais, baseia-se em dados extraídos e processados por grandes empresas de tecnologia em torno de uma única plataforma.

Nos setores públicos, a introdução de plataformas e da digitalização tem sido colocada como redução de gastos, aumento da produtividade, eficiência e modernização dos serviços públicos. Apoiado na extração de dados mediados por plataformas digitais, tal modelo resulta da lógica de gestão empresarial e na tomada de decisões baseada em dados. Como explica Shoshana Zuboff, em seu livro “A era do capitalismo de vigilância”, dados, processados por plataformas, entendem mais sobre os indivíduos do que eles mesmos, podendo ser extraviados (os dados) sem consentimento, para terceiros; isto é, vazados ou vendidos (legal ou ilegalmente) para empresas e organizações.   

Baseado numa economia de rede, constitui mercado altamente lucrativo e que vem se expandido, na qual o maior número de usuários e, portanto, de informações capturadas e processadas no âmbito das plataformas, aperfeiçoa os algoritmos e a própria tecnologia. Essa economia implica em número reduzido de empresas operadoras, dado o volume expressivo de dados que as plataformas, nesse modelo “extrativista”, necessitam para desenvolver-se e na formação de oligopólios informacionais.

Na Educação pública, o uso de plataformas para aulas online engendra uma espécie de naturalização da educação à distância entre os estudantes, além da propaganda midiática frequente dessa modalidade de ensino. Estudantes que, em sua maioria, não possuem recursos financeiros para custear o ensino superior presencial, vendo, no ensino à distância, sua única oportunidade de formação universitária. Por exemplo, definiu-se carga horária de aulas online a estudantes do período noturno do Ensino Médio, ministradas pelos professores, chamada de “expansão”, assistida pelos alunos através de celulares e computadores, porém com baixíssima adesão dos estudantes, que resistem em assisti-las, seja por fata de acesso à internet seja por desinteresse.

 Por outro lado, este mercado abre-se para oportunidades de lucro com fabricantes de equipamentos eletrônicos, como computadores, tabletes e internet, já que, para que esse modelo funcione, é preciso de dispositivos eletrônicos e infraestrutura. Por exemplo, a empresa Multilaser, montadora de componentes de informática, que possui, entre seus sócios, o atual secretário de Educação do Estado de São Paulo, firmou contratos com essa mesma secretaria, para a venda de equipamentos eletrônicos, no valor de 200 milhões, conforme noticiado em vários veículos de comunicação. Multilaser atrasa entrega de notebooks a escolas de SP – 16/03/2023 – Educação – Folha (uol.com.br)

Nesse sentido, as perguntas que se nos colocam são: como operam as plataformas no segmento da Educação, quais os grupos de interesse e como se dá a relação entre tais corporações e governos? Quais parâmetros e quais objetivos busca-se atingir; quais atores e instituições envolvidas e, no caso específico da Educação, qual Educação pública pretende-se? Organizações sem fins lucrativos, como Todos pela Educação e fundação Lehmann (esta última instituição, possui entre seus investidores grandes empresas e instituições financeiras, tais como banco Itaú e Vivo), atuam, na área de Educação, na definição dos parâmetros curriculares – disciplinas e carga horária – e na própria BNCC (Base Nacional Comum Curricular), aprovada em 2017 com forte apoio de setores privados ligados à Educação. Destaca-se, nesse campo, a derrota imposta à Secretaria do Estado de Educação de São Paulo, que foi obrigada a retroceder sua decisão de eliminação de disciplinas das áreas de Ciências Humanas, como História, Geografia e Sociologia da formação geral básica, realizada a toque de caixa, e substituídas pelos Itinerários Formativos, implementados em 2021, a partir da reforma do Ensino Médio. Uma segunda derrota refere-se à decisão do governo do Estado, obrigado a retroceder na decisão de suspensão da entrega de livros didáticos impressos às escolas, após pressão do sindicato e da sociedade civil, em decorrência de críticas à digitalização do material didático em diversos países, tais como a Suécia que decidiu voltar atras, na sua política de digitalização do ensino, após estudos revelarem efeitos nocivos para a aprendizagem dos alunos.  VÍDEO: Alunos suecos usam livros impressos pela primeira vez na sala de aula | Educação | G1 (globo.com)

 Uma segunda pauta importante se dá no âmbito de parcerias público-privada na esfera da Educação, com o argumento de melhoramento de acesso e qualidade do Ensino básico público e, por fim, na defesa da introdução de plataformas de aprendizagem.

 Tais organizações representam os interesses e forças de mercado no campo da Educação.

Questão pouco abordada, além da construção de consensos no debate público sobre o que deveria (e quais estratégias) ser a Educação pública no âmbito dessas organizações, na perspectiva dos agentes de mercado, refere-se à oportunidade de negócios destinada às grandes empresas de tecnologia, as Big Techs, com a extração e organização de dados fornecidos pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, assim como vem ocorrendo em outros órgãos públicos.

Empresas de tecnologia lucram com a venda de plataformas (tornadas o carro chefe do atual governo) e com equipamentos de informática através de parcerias entre Microsoft – proprietária do programa Power BI, de uso obrigatório nas escolas (Business Intelligence) –, e Google Education, proprietária das plataformas Google sala de aula, além dos serviços mais conhecidos como Google Meet e Gmail. Ano passado, a empresa Multilaser, montadora de componentes de informática, a qual possui, entre seus sócios, o atual secretário de Educação do Estado de São Paulo, firmou contratos com essa mesma secretaria, para venda de equipamentos eletrônicos, no valor de 200 milhões, conforme noticiado em vários veículos de comunicação. Multilaser atrasa entrega de notebooks a escolas de SP – 16/03/2023 – Educação – Folha (uol.com.br). A Khan Akademy, plataforma de aprendizagem educacional norte-americana, utilizada no mundo todo, que desenvolve vídeos, tutoriais e programas para resolução de problemas na área de Ciências Exatas, foi desenvolvida por organização sem fins lucrativos, e seu uso é obrigatório nas aulas de matemática; com cumprimento de carga horária seguida pelos professores deste componente curricular. Entre seus parceiros notórios destacam-se, dentre outros, Google, Fundação Lehmann, Bill Gates Foudation, Bank of America e Musk Foudantion, do bilionário Ellon Musk, que recentemente, em 2021, investiu um montante de 5 milhões de dólares. Recentemente, o Khan Akademy está associado à Khan Lab School, empresa do setor educacional, sediada no Vale do Silício. De acordo com o relatório financeiro da empresa as receitas, a partir de investimentos de empresas privadas, fundações e isenção de impostos totalizaram 51.9 milhões de dólares. https://s3.amazonaws.com/KA-share/annualreport/SY22-23+Annual+Report_Final.pdf.

A chamada porta giratória, a interrelação entre representantes do setor privado, e de seus respectivos interesses em órgãos públicos decisórios e regulatórios, demonstra os limites da democracia burguesa, bem como a distorção do Estado como operador do interesse coletivo. Juntas, Microsoft, que oferece serviços de gestão de dados, e Google, que oferece inúmeros serviços, como computação em nuvem e salas virtuais, engordam seus lucros. Além disso, estão formando o ecossistema público e privado de coleta, armazenamento e processamento de dados.

Estamos presenciando, nas plataformas de Educação, a entrada “silenciosa”, mas ordenada, dos interesses corporativos. A Educação pública conta com orçamento volumoso de governos estaduais e Federal. Na perspectiva do capital, o que se põe é a oportunidade para empresas lucrarem com tecnologia digital. A interrelação entre público e privado é prática antiga na sociedade capitalista. Na prática e, em última instância, essa prática é conhecida como “porta giratória”, onde empresários, acionistas e representantes do capital privado revezam-se entre cargos de governo e empresas, potencializando sua influência, na esfera política.

Ademais, a determinação do modelo de plataformização na Educação tem raízes na ideologia da “visão salvacionista”, termo empregado por Evgeny Morozov, no seu livro “Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política”, onde o autor explica que problemas sociais e políticos devem ser resolvidos pelos mercados, especialmente pelas empresas “inovadoras” e “disruptivas” de tecnologia sediadas no Vale do Silício. Para superar tal visão e modelo educacional, que se preocupe com o aprendizado e com uma sociedade realmente comprometida com uma Educação pública de qualidade e democrática e, portanto, com o desenvolvimento econômico e social, faz-se indispensável organização e força política, por parte dos setores da Educação; profissionais, professores, representantes políticos e sociedade civil e organizações sindicais.

Vinicius Aleixo Gerbasi – Doutor em Ciências Sociais, pela Universidade Estadual Paulista, Campus de Marilia. Professor na Secretaria de Educação Básica do Estado de São Paulo

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