A ascensão dos renováveis e a estratégia da BP: o caso da energia solar
por Rodrigo Pimentel Ferreira Leão
A renovação e a transição da matriz energética para fontes mais limpas têm sido um tema de constante preocupação das grandes empresas de petróleo. As crescentes pressões sociais para a utilização de energias mais limpas, os riscos associados a emissão de gases do efeito estufa, entre outros aspectos, tem obrigado a essas empresas olharem com maior atenção para outras fontes de energia, que não o petróleo e gás natural.
No entanto, seria equivocado associar os investimentos recentes no segmento de renováveis às pressões ambientais. O crescente nível de incerteza do setor petroleiro, principalmente, em relação à evolução dos preços tem modificado à tomada de decisão das empresas. O próprio Diretor de Finanças da British Petroleum (BP), Brian Gilvary, afirmou que desde a forte desvalorização do petróleo em 2014 as empresas, como a BP, têm priorizado projetos mais baratos e mais rápidos. Na mesma linha, o Diretor Executivo da empresa britânica, Bob Dudley, ao comentar a desistência da BP de um projeto em Angola, destacou que “é cada vez mais difícil prever se projetos desse tipo serão realizados no futuro. […] Com a queda do preço do petróleo, os custos devem ser estruturalmente mais baixos”.
Há uma crescente avaliação de que os preços do petróleo devem ser estruturalmente mais baixos – a própria BP acredita que o preço ao longo da próxima década deve flutuar próximo dos US$ 50. De certa forma, isso tem impulsionado um movimento de maior participação dos projetos de energia com investimento inicial mais baixo e retornos mais rápidos, como o gás de xisto. E esses projetos, por sua vez, tem reforçado a tendência de redução do preço do petróleo, pelo menos no médio prazo. Com isso, além de uma maior cautela na realização de investimentos custo elevado e retorno de longo prazo, tem se observado um movimento de direcionar recursos para projetos com: (i) custo mais baixo e possibilidade de ganhos mais rápidos; (ii) retornos não apenas elevados, mas menos incertos no longo prazo; (iii) em novas fontes de energia.
Por trás disso, evidentemente, há o interesse dos grandes demandantes de energia de diversificarem a oferta global não apenas de petróleo, como de atuarem na produção seus potenciais substitutos.
Seja pelas pressões ambientais, como pelos aspectos de preço e geoestratégicos, o fato foi que as grandes petrolíferas têm diversificado sua atuação no segmento energético, ingressando no mercado de energias renováveis.
No caso da BP, esse processo começou pelo segmento de energia solar, exatamente num período em que o preço do petróleo se reduziu significativamente (mais de 50% entre 1980 e 1984) e as posições contrárias ao uso de energia com origem fóssil ganharam uma certa força.
Na primeira metade da década de 1980, a BP formou joint-ventures para a fabricação de módulos fotovoltaicos na Índia, na Tailândia e na Arábia Saudita. Desde aquele período, a opção da empresa britânica de atuar no mercado de renováveis ocorreu, em grande medida, por intermédio do segmento de energia solar.
Embora os especialistas sobre o tema não apontem com precisão os motivos dessa decisão, o trabalho de Arthur Gerbasi da Silva, realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, sugere três aspectos que podem ter influenciado a opção da BP de investir em energia solar: (i) possibilidade de sinergia entre as operações de energia solar e de petróleo e gás; (ii) assim como o setor de petróleo e gás, trata-se de uma indústria de alta tecnologia e que exige mão de obra qualificada; (iii) seus produtos necessitam de uma rede global de distribuição.
Independente das razões, a BP reforçou sua presença no mercado solar, principalmente, a partir do final dos anos 1990. Isso se deu, em primeiro lugar, pela definição de um plano de ação a fim de ampliar os investimentos em P&D e em operações de renováveis, principalmente de energia solar. Além disso, a empresa construiu um projeto de transição energética junto com outras instituições globais, como o US Electric Power Research Institute, que visava “elaborar uma estratégia técnica para acelerar o desenvolvimento e a difusão de tecnologias de baixa emissão de carbono e de custos reduzidos”. E, em segundo lugar, por meio da compra da empresa Solarex em 1999, que era a maior fabricante de módulos fotovoltaicos do mundo na época. No começo dos anos 2000, a BP alterou o nome da Solarex para BP Solar e, a nova empresa, foi integrada ao negócio de Gás, Energia e Renováveis da BP.
Desde então, a empresa britânica acelerou seus investimentos em energia solar visando ampliar sua capacidade de fornecimento em escala global, principalmente na Califórnia onde concentrou a maior parte da sua expansão. Com essa estratégia, a BP Solar se estabeleceu como líder mundial de suprimento de células fotovoltaicas nos anos 2000.
Ao longo daquela década, a BP alavancou seu volume de vendas e investimento no segmento de energia solar. Em 2004, passou a gerar o maior lucro nessas operações após 30 anos de mercado. Entre 2006 e 2010, a vendas de energia solar saltaram de menos de 100 megawatts para 325 megawatts. Naquele período, a empresa despendeu cerca de 6% (cerca de US$ 4 bilhões) de seus investimentos com energias alternativas, principalmente no segmento solar.
Essa expansão de investimentos e das vendas permitiu a consolidação de um modelo de negócio próprio, que possuía cerca de 1.700 funcionários e atendia não apenas aos mercados residenciais, mas também comerciais e industriais ao redor do mundo. Além disso, a BP Solar montou estruturas produtivas em diversos mercados, desde os Estados Unidos, Espanha até a Ásia (China e Índia), bem como realizou parcerias com universidade – como a InterUniversity Microelectronics Centre (IMEC) – para desenvolvimento de tecnologias no setor.
No caso da IMEC, a parceria desenvolveu um novo tipo de células fotovoltaicas – Mono2TM – que eram 18% mais eficientes se comparado com as células existentes no mercado naquela época. A BP Solar não somente fabricou essas células, como também realizou o seu processo de comercialização.
Apesar desses resultados, já em 2009, no seu Relatório Anual, a petrolífera britânica informou que, por conta da queda de demanda, os preços das vendas de módulos solares registraram quedas de 40%. Ao final daquela década, o setor voltou a apresentar resultados negativos, mesmo com a expansão das vendas. Foi isso que fez, segundo o Diretor Executivo da BP Solar à época, Mike Petrucci, com que a BP saísse do negócio solar em 2011:
os desafios globais têm impactado significativamente a indústria solar, tornando difícil sustentar retornos para a companhia no longo prazo. […] Nós não conseguimos mais fazer dinheiro com a BP Solar. O setor se tornou commoditizado. Não há mais espaço para empresas especializadas.
A notícia na época levantou dúvidas sobre a postura da BP em relação ao segmento de renováveis, uma vez que o setor solar tinha sido o maior e o mais antigo investimento da empresa, com quarenta anos de existência. No entanto, os negócios de energia eólica e biocombustíveis foram ampliados e a empresa sinalizou a importância de continuar encontrando novos modelos para atuar, cada vez mais, no ramo de energias renováveis. Nesse período, por exemplo, os investimentos em energia eólica nos Estados Unidos e em etanol no Brasil ganharam participação relevante no portfólio da BP.
Além de investimentos próprios no setor eólico e de etanol, a BP realizou uma mudança de visão do negócio para reingressar na indústria solar.
Como mostraram os especialistas Minjia Zhong e Morgan Bazilian, em texto publicado em 2018 no The Electricity Journal, a BP seguiu o caminho das petrolíferas globais, que passaram a adotar novas estratégias de atuação neste segmento, para além de filiais ou subsidiárias próprias. Entre as mais importantes estavam: (i) disseminar a expertise operacional do setor de exploração e produção offshore e de refino, respectivamente, para o segmento de eólica e de biorrefinarias; (ii) prover financiamento (venture capital) para startups com alta intensidade tecnológica em renováveis; (iii) construção de negócios integrados com o setor de renováveis, principalmente nas operações de exploração e produção. Por intermédio das duas últimas estratégias que a BP voltou ao segmento de energia solar.
Em primeiro lugar, em dezembro de 2016, a petrolífera britânica adquiriu 43% de participação da empresa Lightsource (que passou a se chamar Lightsource BP), por US$ 200 milhões, uma startup de energia solar com os maiores projetos de desenvolvimento desse segmento na Europa. Segundo a BP, o objetivo dessa compra foi acelerar a internacionalização da Lightsource (a empresa possuía, no momento da aquisição, uma capacidade de fornecer cerca de 1,3 gigawatts de energia solar) e, ao mesmo tempo, possibilitar o reingresso da BP nesse segmento e facilitar sua entrada em terceiros mercados.
Em segundo lugar, no início deste ano, a BP anunciou a realização de um investimento anual de US$ 500 milhões em energia renovável a fim de ampliar sua capacidade de geração de energia eólica para 15 gigawatts (em 2010, era de 774 megawatts) e de 6 gigawatts em energia solar. Além das startups, a empresa tem buscado integrar suas operações com o uso de formas alternativas de energia. Como exemplo, foram realizados investimentos no uso de baterias e fornecimento de energia das suas operações por meio de módulos renováveis não apenas para reduzir custo, como também para reduzir a emissão de gases do efeito estufa.
Essa trajetória da BP no segmento solar mostra que, embora os interesses comerciais pautem a ação das grandes empresas de petróleo, a inevitável transição da matriz energética forçarão a adoção de novas estratégias para que essas empresas participem do processo. Evidente que a velocidade da transição e o grau de envolvimento dependerá de muitas outras variáveis, como a geopolítica e a evolução da própria indústria do petróleo. No entanto, não restam dúvidas de que as grandes petrolíferas serão, cada vez mais, grandes companhias de energia.
Rodrigo Pimentel Ferreira Leão – Mestre em Desenvolvimento Econômico (Instituto de Economia/Unicamp). Diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP) e pesquisador visitante do Núcleo de Estudos Conjunturais da Universidade Federal da Bahia.
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