O uso de leilões de curto prazo na indústria de gás

Sugerido por Ronaldo Bicalho, no Portal LN
 
Por Miguel Vazquez Do Blog Infopetro

A passagem de uma indústria controlada por um monopólio a uma indústria competitiva (ou organizada com maior número de agentes) é sempre difícil. Nas indústrias de gás, a experiência internacional mostra que o caminho institucional percorrido depende em grande medida da importância relativa dada aos diferentes elementos da indústria.

Os EUA desenvolveram um sistema em que o investimento em capacidade de transporte era simples e descentralizado. Eles possuíam uma grande quantidade de produtores que precisavam dar saída para seu gás. E desde esse ponto de vista, se pode considerar que a principal contribuição do modelo regulatorio para organização do setor de gás foi a estrita separação entre transportadores e produtores de gás (unbundling). Logicamente, o esquema requeria um regulador com um papel central: a definição das tarifas de transporte (para evitar abusos na tarifa e subsídios cruzados entre usuários).

Na Europa, o foco foi facilitar a entrada nos mercados. A Europa, sem produção significativa de gás, se organizava mediante grandes monopólios nacionais encarregados de trazer gás desde os pontos de produção até o consumidor final. A estratégia de liberalização, então, esteve baseada no estímulo à concorrência entre os monopólios nacionais. Por exemplo, era difícil esperar que um pequeno maverick fosse competir com a GdF (monopólio francês) pelo mercado francês, mas se a ENI (monopólio italiano) tivesse acesso ao mercado frances, a concorrência (real e/ou potencial) poderia aumentar consideravelmente.

As duas estratégias, quase contrárias, deram lugar a dois modelos regulatórios diferentes. Estas diferenças podem ser relacionadas ao fato de que na Europa a coordenação do transporte está baseada na existência de um operador central regulado. A partir deste fato é possível observar uma das diferenças mais marcantes: os leilões têm uma presença muito maior no sistema Europeu do que no sistema americano. Por quê? Porque os mecanismos de leilões são mecanismos adequados para a coordenação de agentes regulados e agentes privados.

E o Brasil? A Lei do Gás (2009) se focou na eliminação, ou pelo menos na redução, das barreiras de entrada no setor. Um dos instrumentos introduzidos foi a definição de mecanismos para o acesso de terceiros à rede, e.g. a troca operacional de gás. Desde essa perspectiva, pode ser entendido que o Brasil está apostando em um sistema organizado que se aproximaria a de um operador da rede de transporte do estilo Europeu e os gasodutos estariam sujeito a regras específicas para facilitar o acesso de terceiros. É nesse contexto que se enquadra o uso de leilões de curto prazo (usamos o termo curto prazo para sublinhar que o horizonte dos leilões é menor do que o necessário para coordenar investimentos na rede de transporte).

Quando se discute a implantação de leilões, o primeiro passo é, na maior parte dos casos, decidir que tipo de leilão vai ser utilizado: leilões ingleses, holandeses, japoneses; leilões iterativos, sequenciais, combinatórios… Mas há outra discussão não menos importante: como enquadrar o leilão no conjunto de mecanismos de coordenação dos agentes da indústria.

O caso da Grã-Bretanha representa um exemplo interessante. No Network Code de 1996, a capacidade de rede se alocava mediante um mecanismo de curto prazo (isto é, horizonte menor do que o necessário para investir). Desde outro ponto de vista, o esquema da GB tinha como finalidade a coordenação entre a rede e a commodity, mediante a revelação das informações dos diversos agentes, e não a decisão e viabilização de investimentos.

A ideia era que qualquer agente precisava comprar capacidade de entrada na GB somente (por exemplo, St. Fergus, o ponto vermelho representado na figura do sistema), sem que fosse preciso comprar capacidade de cada gasoduto envolvido na operação comercial. Assim, as operações eram mais simples e por tanto as barreiras de entrada muito menores.

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O esquema do Network Code de 1996 estava baseado em uma primeira etapa em que os agentes reservavam tanta capacidade quanto eles queriam. Após, o operador do sistema usava o mercado de gás (commodity) para equilibrar os fluxos. Por exemplo, se o fluxo de St. Fergus para o sul era maior que a capacidade do sistema, o operador comprava gás (do mercado) para vender em St. Fergus e aliviar a congestão. O sistema ficava assim simplificado e as barreiras de entrada reduzidas.

Depois da implantação (no meio do ano de 1998) do mecanismo, os resultados observados eram que a capacidade casada no mercado era bem maior que a capacidade existente. Rapidamente, o problema foi identificado com a falta de investimento em infraestruturas e como prova do fracasso do novo sistema. Embora seja possível que novos investimentos fossem precisos, não é menos verdade que os agentes tinham incentivos para a manipulação do mercado. Os agentes podiam comprar excessivamente no leilão (contribuindo para criar a congestão) e ajudar a reduzir a congestão no mecanismo do operador do sistema (recebendo por ele). Depois disso, as regras foram mudadas com o objetivo de evitar o comportamento estratégico dos agentes. Ainda hoje esse tipo de regras representa uma porção relevante das discussões para o desenho do futuro mercado único Europeu.

Feita a observação sobre a necessidade de um desenho cuidadoso dos mecanismos, é interessante obervar, sem objetivo de ser exaustivo, como o uso de leilões de curto prazo está estendido nos sistemas europeus (baseados na regulação do acesso ao sistema de gás). Encontramos o caso da Espanha, onde (além das capacidades de rede) a demanda de gás das chamadas “Comercializadoras de Último Recurso” (as que representam os clientes com tarifa regulada) é leiloada com um ano de antecedência. O preço resultante do leilão é utilizado para determinar a tarifa regulada. Isto é, não só a capacidade de rede é leiloada, como também o gás dos clientes regulados. Nesse mesmo contexto, na Espanha, com períodos também de um ano, o operador do sistema leiloa capacidade de estocagem subterrânea. Novamente, se observa que o objetivo deste leilão não é a construção da infraestrutura se não a revelação do valor da mesma. Leilões de estocagem muito similares podem ser encontrados também na Itália, por exemplo. (…) O texto continua no Blog Infopetro

Redação

1 Comentário

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  1. Não existe mercado de gás no

    Não existe mercado de gás no Brasil porque aqui e apenas aqui quem tira o gás também concorre com os compradores, ou seja, não concorre porque não vende. Só vende para sí.

    Tente fazer qualquer projeto a gás sem a Petrobrás…

    Tem alguma Lei dizendo que para fazer, por exemplo, uma térmica a gás eu tenho que ter a Petrobras como sócia?

    Como sócia era no passado. Hoje a Petrobrás não abre mão de 1%,,,ou seja, acabou o mercado.

    Portanto, eu não sei do que o autor esta falando.

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