Depreciação acelerada como indutor do investimento, fato ou fake? II, por Luiz Melchert

Resumindo, o conceito de desempenho varia consoante o público interessado, mas, em todos os casos, depende de outra ideia, a de depreciação.

Reprodução documentário ‘Comprar, Tirar, Comprar’

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Depreciação acelerada como indutor do investimento, fato ou fake? II

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Todos os negócios podem ser encarados por três âmbitos. O gerencial reflete o modelo de negócio, a partir disso, como se darão seus processos. Como todos os negócios estão inseridos em alguma praça, é de se supor que pague impostos, daí sempre haver aspectos tributários a se considerar. Finalmente, os negócios precisam atender os anseios de seus stakeholders, como veremos a seguir. Nunca é demais repetir que a contabilidade não é uma, são três, gerencial, tributária e societária. Nos três casos, a contabilidade tem com um de seus alvos, medir o desempenho da empresa.

Talvez não haja conceito mais difuso e mesmo subjetivo que o de desempenho. Este começou a tomar uma forma capaz de ensejar uma discussão minimamente racional a partir da premissa puramente schumpeteriana de que a empresa visa sobreviver (Schumpeter, 1984). Até então, grassava o conceito de que a empresa visa a maximizar lucro. Depois de Schumpeter, ficou claro que quem visa lucro são os investidores da empresa que, por sua vez, como organismo vivo, visa sobreviver e prosperar.

A discussão ficou ainda mais clara depois que Coase (1937) apresentou os custos de transação como determinante dos investimentos internos e North (1971) contestou a premissa de que o comportamento da firma fosse mais racional do que do indivíduo. É que cada indivíduo que a compõe visa maximizar a utilidade de seu relacionamento com a organização, interesses esses que geram conflitos muitas vezes intransponíveis. A partir dos anos 1950, essa linha de pesquisa recebeu o nome de Nova Economia Institucional. Reconheceu-se que os conflitos envolvem muitos outros agentes que não são investidores e empregados, porém, toda a cadeia de suprimentos à montante e toda a cadeia de distribuição à jusante.

Mais tarde, incluíram-se o estado e a sociedade em que a empresa estava inserida. Este conjunto recebeu o nome de stakeholders. Todos têm apenas um ponto em comum na forma com que veem a empresa: a sobrevivência dela. O empregado quer maximizar salários, mas não pretende espoliar o empregador para não pôr o emprego em risco. O executivo visa otimizar a participação de mercado porque é isso que lhe vai dar visibilidade no mercado e garantir-lhe que o próximo emprego dê-lhe mais poder que o anterior perante a sociedade. O acionista visa otimizar simultaneamente o valor cotado a mercado e o retorno sob a forma de dividendos. Para esses, vale a contabilidade gerencial. O fornecedor pretende vender a preços capazes de lhe satisfazer os desejos, porém, sem levar o cliente à falência. O comprador pretende maximizar o valor percebido, garantindo a continuidade do fornecimento. Para esses públicos, vale a contabilidade societária. Finalmente, o Estado pretende maximizar a arrecadação sem pôr em risco a atividade econômica, controlando via contabilidade fiscal dos contribuintes.

A questão é que cada um entre os stakeholders tem uma ideia distinta de desempenho e todas elas ensejam novas demandas à Contabilidade em geral e à Contabilidade de Custos em particular. Um fornecedor pode medir o desempenho de seus clientes pela curva ABC baseada na margem percebida aliada ao índice de liquidez para minimizar a probabilidade de não receber. O cliente corporativo, por sua vez, pode usar a curva ABC para classificar seus fornecedores tomando o valor adicionado como base, aliando-o ao retorno sobre o patrimônio líquido para minimizar o risco de ver o fornecimento interrompido. Há ainda quem pretenda medir o desempenho da empresa a partir de sua atuação perante a sociedade (Harrison & Wicks, 2013; Milani, 2008). Nessa mesma linha, o Balanço Social surge como forma de demonstrar os serviços prestados e a colaboração com o desenvolvimento do bem estar social (Pimenta, 2012). Resumindo, o conceito de desempenho varia consoante o público interessado, mas, em todos os casos, depende de outra ideia, a de depreciação.

Em âmbito gerencial, a depreciação tem como base o processo de produção. É que a contrapartida da depreciação, item a item do ativo, é a atividade em andamento, no que os especialistas em contabilidade de custos chamam de absorção. Numa fruticultura qualquer, como um cafezal, que deve ser encarado como uma máquina de produzir café, acumulam-se os custos de plantio até que se realize a primeira colheita. A partir daí, começa a depreciação colheita a colheita, de preferência, exaurindo-se o valor da lavoura por ocasião de sua erradicação para novo plantio. Na pecuária, as matrizes acumulam custos até o nascimento do primeiro bezerro, quando começa a depreciação parto a parto, tal que o filho absorva o desgaste da mãe. Uma locadora de aviões comerciais usa a depreciação por ciclo de decolagem/pouso. Numa indústria, usa-se a obsolescência programada em horas de uso, tal que o produto absorvam parcela equivalente ao tempo despendido em sua elaboração.

A intenção, ao elaborar semelhante quebra-cabeças é, ao mesmo tempo, auxiliar a precificação e munir os gestores com dados capazes de decidir manterem-se ou não na atividade. Quanto à precificação, o peso dos custos depende do poder que a empresa exerce sobre seus consumidores, no que os economistas chamam de poder de monopólio. Na decisão pela permanência na atividade, além da mais precisa determinação da lucratividade produto a produto, existe o custo de abandono, que é a diferença entre o valor residual dos ativos envolvidos com o processo em análise e o seu preço de mercado. Há casos em que o ativo é tão exclusivo que, mesmo contando com valor residual, no mercado simplesmente não tem preço.

Não bastasse toda a complexidade na determinação do algoritmo de depreciação e consequente absorção, cabe lembrar que o fisco só admite um método, o tempo de aquisição. No Brasil, é linear, ou seja, o bem é depreciado ano a ano por parcelas idêncicas sobre seu valor de aquisição. Um veículo, por exemplo, depreciado em cinco anos, zerando seu valor residual. Nos Estados Unidos, a depreciação incorre na perda de um percentual constante sobre o valor residual. Lá, um veículo é depreciado em 20% sobre o preço de aquisição no primeiro ano e sobre 80% no segundo, 64% no terceiro e assim por diante, sem que o valor residual jamais chegue a zero. A depreciação pode ser acelerada em casos extremos, por exemplo, um caminhão basculante numa pedreira que, depois de um ano de uso, tenha-se tornado sucata.

Sob o ponto de vista societário, interessa saber qual é  valor negociável do ativo. Quanto menos itens exclusivos houver, assim como o seu grau de liquidez, maior será a propensão do investido em atribuir goodwill à empresa. Goodwill é um termo bastante expressivo, pois reflete a boa vontade com que o investidor se dispõe a pôr seu capital numa dada empresa, ou, como se diz no Brasil, mais fundo será seu bolso. A depreciação acelerada não parece contribuir positivamente para esse efeito porque pode englobar impostos diferidos, o que será explicado oportunamente.

Dessa forma, as entidades fiscalizadoras, como a CVM e o Banco Central no Brasil, ou a CET americana estabelecem como se padronizam as demonstrações contábeis. Elas devem deixar claro o conceito de depreciação em seus três âmbitos. Tanto aqui como lá, a depreciação acelerada, que é usada para abater o investimento dos tributos diretos pela comprovado uso pesado de um bem, pode acarretar somente a postergação dos tributos, cujos efeitos serão estudados no capítulo destinado à conclusão.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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