Blasfêmia, sagrado e AK-47, por Luis Fernando Verissimo

Enviado por Marco St.

Veríssimo, genial como sempre

Blasfêmia

Por Luis Fernando Verissimo

Do O Globo

Vamos combinar que não existe nada mais ofensivo do que um tiro na cabeça. Não posso imaginar uma blasfêmia maior do que espalhar os miolos de alguém com um AK-47. Porque tem gente dizendo que os cartunistas do “Charlie Hebdo” foram longe demais, o que equivale a dizer que mereceram o que lhes aconteceu. É o mesmo raciocínio de quem diz que mulher estuprada geralmente estava pedindo.

“Blasfêmia” quer dizer uma afronta ao sagrado. Assim, a verdadeira discussão não é sobre o que as pessoas consideram blasfêmia, mas sobre o que consideram sagrado. A descrença em qualquer divindade é uma blasfêmia perene — ou, visto de outra forma, quem não crê em nenhum deus não pode, por definição, ser um blasfemo.

Muitas vezes o que se faz em nome de uma crença ou de uma divindade é que é blasfêmia: uma ofensa a quem acha que sagrado deve ser a vida humana, o direito de pensar livremente e o direito de descrer. Não se está falando só do islamismo radical. Já houve tempo em que não acreditar no Deus da Igreja Romana era razão suficiente para ser queimado vivo. Levava mais tempo do que um tiro de AK-47.

Mudando de assunto, mas não muito. A reação do George W. Bush aos ataques ao World Trade Center foi da catatonia, quando recebeu a notícia, à hiperatividade impensada que resultou na transformação da base americana de Guantánamo em campo de concentração para “terroristas” que, na sua maioria, não tinham nada a ver com o atentado e, mais tarde, na invasão do Iraque para pegar o Saddam, que também não tinha nada a ver com o Onze de Setembro, e as suas armas de destruição em massa, que não existiam. Mas, faça-se justiça: num dos seus primeiros pronunciamentos depois dos ataques, quando já se sabia quem eram os responsáveis, Bush fez questão de alertar contra perseguições aos muçulmanos no país, que não tinham culpa da ação radical de uma minoria.

Na França pós-Sete de Janeiro, com sua imensa população muçulmana, vítima do ressentimento de boa parte da maioria francesa e da crescente reação a imigrantes em toda a Europa, vai ser difícil seguir um conselho como o do Bush. A direita inchou do Sete de Janeiro para cá, na França. Se sua pregação racista vai prevalecer contra a tradição libertária da terra dos direitos humanos, é o que se verá nas próximas eleições. Os AK-47 podem ter matado muito mais do que 17 pessoas.

Redação

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. concordo

    O que é  sagrado? 

    Quem decide isso? 

    Quem julga?

    Quem pune? 

     

    Vidas são sagradas, idéias são para serem discutidas, aceitas ou rejeitadas.

    Ou voltaremos à inquisição e viveremos num mundo estilo “1984” ou “V de vingança ” e serenos piores do que aqueles que nos odeiam.

      1. sagradas
        Sagradas no sentido de serem mais importantes do que a ideia de que existem deuses invisíveis que ninguém nunca viu e que exigiriam adoração e submissão.
        Mas se vc não acha a sua vida importante, por mim tudo bem.
        Só não se exploda por aí

  2. AK 47, AR 15  e tantas outras

    AK 47, AR 15  e tantas outras armas letais. Essas são as verdadeiras drogas que deveriam ser proibidas.Não são. Os EUA já fizeram guerra contra as drogas, guerra contra o terror. Fazem guerras para produzirem mais armas e deixar o mundo cada vez mais violento. Talvez muito por conta do financiamento privado das eleições que têm a indústria de armas um grande patrocinador, se não for o maior. 

  3. O problema é que as vidas dos

    O problema é que as vidas dos cartunistas eram “sagradas” mas dos milhões de árabes (no Iraque, libia,) e outros tantos assassinados na Africa não são “sagradas” ….é assim???

    porque não vejo a mesma multidão defendendo o humorista Dieudonné????????

     

     

  4. Guerra é guerra

    Que o mundo ocidental está em guerra com os povos muçulmanos e palestinos no oriente médio desafio alguém a negar. Os povos árabes, não seus governantes, são sistematicamente humilhados e roubados pelas superpotencias mundiais. Qual basicamente é sua riqueza? Petróleo. Um dia ele vai acabar e, neste dia, os governantes e a elite dos povos árabes vão pegar seus carrões, cavalos de raça, suas esposas e flhos e por tudo dentro de jatos e viver sua riqueza na europa, se já não fazem isto. O que sobra hoje para os povos oprimidos no oriente médio? O que sobrará no dia da diaspora dos seus ricos governantes? O que define a identidade de um povo? Qual é o lugar no mundo e dentro de si mesmos destes povos? Sun Tsu escreveu que nunca devemos acuar nossos inimigos a ponto de não lhes deixar saídas. Quem neste mundo pode ser quem é sem fazer isto através de sua cultura, vestes, comidas e religião? Me digam os experts em liberdade de expressão. Como expressar a si mesmos? Como?. O ocidente tem sido advogado, juri e juiz da identidade dos povos orientais e notadamente dos povos oprimidos do oriente médio. Mas, este não é o ponto a que quero chegar, embora gostaria de ver respondidas as perguntas acima, com franqueza e clareza cartesianas. O que a resistencia armada dos povos oprimidos do oriente está fazendo é uma GUERRA. E guerra é guerra. Há um ditado que no AMOR E NA GUERRA VALE TUDO. E não vale? Vale jogar bombas atômicas em cidades, napalm, matar crianças em guetos em varsóvia e em jerusalém. Quem escolhe o campo de batalha legitmo e legal para fazer uma guerra? Se guerra é uma ação organizada de agressão de uma povo ou civilização contra outra, onde é que se acha o teatro ideal e legitimo para isto? E quem é o juiz que julga qual teatro é o teatro válido? Meus amigos, eu acho que cada um escolhe as armas, o lugar, o tempo e o alvo que lhe seja mais proveitoso ou possível. Eu não posso escolher as armas e nem as condições de meu inimigo, posso sim escolher as minhas dentre as possíveis. Então eu afirmo que o que a Al Qaeda e o Estado Islâmico estão fazendo é GUERRA, e GUERRA É GUERRA. A hipocrisia e a cegueira arrogante do ocidente impedem o populacho de ver e entender isto. E creme de la creme a mídia ocidental que é títere dos poderes opressores do ocidente está jogando este jogo de perdedores. Voltemos a SUN TSU: Quem conhece a si e ao seu oponente, não deverá temer cem em cem batalhas, quem conhece a si e ao seu inimigo, não deverá temer o resultado de 50 em 100 batalhas e quem não conhece nem a si e nem a seu oponente deve temer 100 em 100 batalhas. Parece que o ocidente se arrisca nas duas últimas situações e leva junto os incautos. Não está em jogo a liberdade de expressão, o que está em jogo é como deve ser a GUERRA, e novamente o ocidente quer escolher pelos outros as armas, os lugares, o tempo e os alvos pelo seu inimigo. Se o ocidente fosse um jogador de xadrez melhor seria jogar sozinho e temer todos os resultados. abs

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador