Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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EUA e o imperialismo do bem, por Angelita Matos Souza

Imperialismo não é um fenômeno que se possa entender de maneira simplória. Nem o imperialismo nem seu par-perfeito, a dependência.

do Observatório de Geopolítica

EUA e o imperialismo do bem

por Angelita Matos Souza

Na semana passada, li dois artigos sobre a atuação dos EUA na coibição do golpe no Brasil. Ambos indicavam certo desapontamento do governo de Biden com relação ao baixo reconhecimento (gratidão?) da parte do governo Lula. Afinal, o governo dos EUA teria enviado inúmeros recados a possíveis golpistas, além de ter prontamente reconhecido a vitória eleitoral do presidente Lula.

Não tenho dúvidas sobre o peso do posicionamento dos EUA no desestímulo a aventuras inconstitucionais de segmentos do Exército, do aparelho policial e forças civis aliadas. Certamente, todo mundo no governo Lula admite que foi importante o “imperialismo do bem” do governo Biden.

O que não apaga o passado. Para ser extremamente econômica, lembraria apenas dois acontecimentos. No governo Obama (Democrata), a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA espionou membros do governo Dilma, a própria presidente e a Petrobras, até o telefone via satélite do avião presidencial teria sido grampeado. No entanto, foram anti-hierárquicos, ao lado do Brasil na lista dos espionados estava a chanceler alemã Angela Merkel.

O outro acontecimento parece-me bem mais grave, pois responsável direto pela eleição de Bolsonaro: a Operação Lava Jato. São cada vez maiores os indícios do envolvimento da potência do Norte na ação dos “simplórios” de Curitiba. Pelo menos foi assim que um procurador reagiu à comemoração da vitória de Bolsonaro por Rosangela Moro em uma rede social: “Esse povo do interior é muito simplório”, teria dito. Obviamente, há adjetivos mais apropriados, mas não posso usar porque sou professora.

O fato é que a Operação levou à prisão do candidato Lula, por 580 dias, em uma salinha fria em Curitiba, e desse modo garantiu a vitória da extrema-direita em 2018. O processo foi internacionalmente condenado como ilegal e ilegítimo (nem sempre são a mesma coisa) e, por fim, ancorado nas revelações da Vaza Jato, o STF entrou em ação e fez justiça. Até porque o injustiçado era o único que poderia vencer quem ameaçava o próprio STF e a democracia no país.

De volta ao início do texto, importa sublinhar que o imperialismo não é um fenômeno que se possa entender de maneira simplória. Nem o imperialismo nem seu par-perfeito, a dependência. Engendrados pelo processo de desenvolvimento do capitalismo em âmbito mundial, desigual, hierárquico e combinado, imperialismo e dependência devem ser compreendidos historicamente e nunca de maneira unilateralmente negativa.

Ainda mais em conjunturas internacionais de contestação da hegemonia ou de transição hegemônica. Não sabemos ainda do que se trata exatamente a fase atual, apenas que a competição EUA-China pode implicar em oportunidade para se jogar visando ganhos para o Brasil.

Como membro do BRICS, provavelmente, chegará o momento de se tomar posição por um dos lados. Entretanto, devido à guerra entre Rússia e Ucrânia, ficou mais difícil para o Estado brasileiro se posicionar como grupo, uma vez que qualquer aproximação da Rússia seria rechaçada por aqui. Hoje, assemelha praticamente impossível convencer a maioria dos brasileiros de que a Ucrânia não é a grande vítima nessa guerra, ou sendo, que não o seja apenas por causa da Rússia.

A dimensão política interna é uma boa razão para o Estado brasileiro continuar “enrolando”, inclusive porque optar decididamente pela China só tem sentido se a potência emergente fizer valer a pena. Enquanto isso não ocorrer, qualquer precipitação e discurseira antiamericanista soa improdutiva.

Porém, quem sou eu para querer ensinar algo a dupla Lula-Amorim, se por acaso estão a cutucar o Império é porque há alguma estratégia do ponto de vista dos interesses do Brasil. Pois se sobram motivos para o presidente Lula desgostar dos EUA, a suposta “ingratidão” e/ou discursos provocativos não devem ser motivados por mágoa pessoal.


Angelita Matos Souza – Docente no IGCE-UNESP e pesquisadora no IPPRI-UNESP.

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1 Comentário

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  1. “Erraram a mão”, ainda não é o ideal,longe disso, mas o anterior tinha evidentes problemas mentais (o da Ucrânia parece ir pelo mesmo caminho), aí não dá né? Então a gente faz o avestruz quanto ao passado e fica magoado no presente por ingratidão com nossa infinita bondade. E não se fala mais nisso.

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