Trump e a Venezuela, por Carlos Eduardo Martins

O desfecho da situação venezuelana terá um importante efeito para a disputa do poder mundial e para o balanço das forças políticas na América Latina.

do Blog da Boitempo

Trump e a Venezuela

por Carlos Eduardo Martins

A eleição de Donald Trump representa uma inflexão no processo de globalização neoliberal iniciado nos anos 1980 por Ronald Reagan. O processo tem manifestado sinais de esgotamento com a perda de velocidade da expansão do comercio internacional, a retração dos fluxos internacionais de capitais e a queda das taxas de crescimento dos PIBs mundiais, impulsionando a crise do liberalismo global, que atinge a centro-esquerda e a centro-direita. Essa crise se estabelece em particular nos centros tradicionais da economia mundial, como os Estados Unidos e a Europa Ocidental, onde se combinam dois efeitos: Por um lado, a transferência, que vem ocorrendo há décadas, do dinamismo produtivo para a China e o Leste Asiático, ou, de forma setorial, para plataformas de exportação das grandes corporações transnacionais, como no México, o que contribui para nivelar os salários nacionais desses centros para baixo e elevar os seus níveis de desemprego. Por outro, o novo contexto internacional que se impõe nos anos 2010, quando a crise financeira, a recessão e a lenta retomada evidenciam as desigualdades acumuladas e a ineficácia das políticas de combate à pobreza.

Se projeta nesse vazio político uma direita protecionista, populista e politicamente antiliberal que se lança contra as pressões competitivas da globalização. Ela busca restringir a circulação de mercadorias quando esta destrói parcialmente a base industrial nos países centrais, e barrar os fluxos migratórios, quando estes elevam a disputa por empregos e incidem sobre as condições de vida dos trabalhadores nacionais. Trata-se, todavia, de um programa defensivo incapaz de reverter o declínio dos velhos centros imperialistas e, por isso, não rompe com a globalização financeira, apoiando-se na sobrevalorização cambial que proporciona uma riqueza independente de suporte material. Apresenta o excedente econômico como escasso, orienta-se para garantir privilégios e assume a sua expressão mundial mais agressiva e articulada no governo Trump. A política do atual governo estadunidense dirige-se contra o universalismo liberal, colocando-se contra o multilateralismo, os organismos internacionais de solução de controvérsias e a internalização dos custos de proteção ao meio-ambiente. Afasta-se dos encargos da hegemonia e dos custos de proteção mundial ao cobrar maior engajamento financeiro dos países da OTAN, ao reduzir a presença militar dos Estados Unidos no Afeganistão e na Síria, ao tratar aliados, como a União Europeia, como competidores em assuntos comerciais e aos Estados dependentes fronteiriços e subordinados como bombas migratórias permanentes que devem ser desativadas com políticas de Apartheid. Estabelece ainda sanções econômicas e ameaças crescentes contra os principais competidores, como a China e Rússia, e mantém forte hostilidade contra o nacionalismo nos países periféricos e semiperiféricos.

Se o imperialismo unilateral de Trump se afasta do universalismo liberal vinculado à hegemonia, ele o faz para assumir, entretanto, outro formato, mais territorialista e competitivo. A diminuição de sua presença mundial é compensada pelo reforço da violência interestatal em nível regional. Trata-se de um movimento típico de um imperialismo que, afetado pelo liberalismo global, busca relançar-se recorrendo ao controle territorial e à reconquista do seu “espaço vital” ameaçado. O lema “America First” que sintetizou a campanha de Trump deve ser lido à luz da renovação dos objetivos imperialistas presentes nas Doutrina do Destino Manifesto e na política do Big Stick que permearam o expansionismo estadunidense desde a guerra com o México em 1846, passando pela tomada do Império Colonial Espanhol nas guerras de 1898, o Corolário Roosevelt da Doutrina Monroe (1904), as intervenções e ocupações militares no Caribe, América Central e Colômbia/Panamá, até a revogação da Emenda Platt em 1934. Ao invés da política de boa vizinhança, onde o país hegemônico em ascensão assume pretensões mundiais e desloca a sua fronteira de expansão para longe de seu espaço vital, o que se tem agora é o movimento inverso, de retração para defender-se do declínio. O significado da ruptura representada por Trump na política externa estadunidense tem preocupado o establishment liberal e se expressa em publicações recentes da Foreign Affairs, que buscam responder se representa um desvio provisório da ordem liberal, ou uma tendência, que já havia se estabelecido de forma mais embrionária em gestões anteriores, rumo a uma iliberal order.

A ascensão das esquerdas no Cone Sul durante os quinze anos que iniciaram o século XXI tornou-se um forte obstáculo às pretensões estadunidenses de relançar o seu imperialismo recorrendo ao controle das fontes de minerais estratégicos, biodiversidade, força de trabalho e mercados de seu espaço geopolítico de influência e de projeção mundial. A vinculação dessa zona de influência a um projeto de integração regional soberano sul-americano, latino-americano e caribenho fortemente articulado às lideranças chinesa e russa na construção de um novo de poder mundial constitui uma ameaça maior ainda. Os golpes de Estado no Paraguai (2012) e no Brasil (2015), reconhecidos imediatamente pelo governo estadunidense e articulados com seus setores de inteligência pelas oligarquias desses países, configuram parte de uma estratégia em curso de desmonte da esquerda sul-americana. Essa estratégia se manifesta ainda no projeto de conversão dos Estados Unidos em potência industrial petroleira, em implementação a partir de 2008, eliminando o seu déficit na conta petróleo, transformando a periferia latino-americana em exportadora de óleo cru a baixo preço e anulando a política de nacionalização e industrialização de recursos naturais dos últimos 20 anos. Para isso torna-se fundamental o desmonte da PEMEX, imposto durante os governos neoliberais, da Petrobrás, em curso após o golpe de Estado no Brasil, e da PDVSA, com o cerco financeiro à Venezuela e a deposição do governo Maduro.

A Venezuela passa a ter importância estratégica para o imperialismo estadunidense, seja por possuir as maiores reservas de petróleo do mundo, seja por ser a experiência de esquerda mais avançada na América do Sul, ou por seu alto nível de internacionalização, estando o país articulado à construção de um novo eixo geopolítico regional e mundial. Na lista de reservas globais de petróleo, a Venezuela desponta na liderança global com 301 mil bilhões de barris com alcance de 362 anos a partir da produção nacional, ao passo que as dos Estados Unidos, 10 vezes menores, se esgotam em apenas uma década.

O país, durante a República Bolivariana, introduziu a democracia participativa e realizou 24 eleições, tornando-se referência regional e mundial de legitimidade até as eleições legislativas de 2016. Destacou-se como líder da cooperação internacional, dedicando-lhe 1,5% do PIB no período dourado do chavismo, e estabeleceu uma agenda de integração regional que desafiou os esquemas neoliberais, impulsionando a ALBA, a Petrocaribe e a Telesur, que confrontou o monopólio midiático do grande capital. Aprofundou relações comerciais e financeiras com a China e a Rússia, destinado parte expressiva da produção de petróleo à primeira e comprando armas, principalmente, da segunda, com quem tem aprofundado a cooperação militar. Tal cenário torna-se alarmante para os Estados Unidos quando se toma em consideração o forte avanço dos gastos militares russos e chineses em relação aos seus no século XXI.

Após a tentativa frustrada de golpe em 2002, os governos dos Estados Unidos estabeleceram sanções econômicas e políticas à República Bolivariana da Venezuela, buscando, a princípio, sobretudo o seu desgaste e cerco diplomático. As sanções iniciaram-se no governo Bush Filho, que em 2006 proibiu o comercio de armas com a Venezuela, mas aprofundaram-se no governo Obama com a ordem executiva n. 13692, de março de 2015, que declarou situação de emergência nacional na Venezuela, e classificou o país como uma ameaça à segurança dos Estados Unidos. Obama impôs sanções diplomáticas contra 65 venezuelanos que estariam afrontando os direitos humanos e a sociedade civil, congelando ativos de 7 deles. No governo Trump, entretanto, o cerco assume dimensão política e financeira e o seu objetivo principal é a desestabilização e derrubada do governo Maduro. Trump restringe, em agosto de 2017, o acesso do governo venezuelano ao mercado financeiro estadunidense e estabelece sanções contra 58 membros do governo venezuelano, incluindo a Maduro e 8 membros da Corte Suprema. Em 2018, proíbe que qualquer cidadão estadunidense ou dentro dos Estados Unidos compre títulos da dívida do governo venezuelano e da PDVSA, ou realize transações com suas moedas digitais. Em 2019, bloqueia os ativos da PDVSA nos Estados Unidos, proibindo transações financeiras com os mesmos. Permite que essas subsidiárias da PDVSA (CITGO e PDVH) e a outras companhias estadunidenses importem petróleo da Venezuela, até 28 de abril deste ano, desde que o pagamento seja depositado numa conta bloqueada sob controle do governo dos Estados Unidos.

Todavia, o ato mais agressivo da diplomacia imperialista de Trump foi o de lançar o inexpressivo Juan Guaidó como Presidente interino da Venezuela, a partir de um telefonema de Mike Pence, conforme informou o The Wall Street Journal, e articular o seu reconhecimento internacional. Decisiva para isso foi a atuação do Grupo de Lima, criado em 2017, do qual os Estados Unidos participam informalmente, orientando as ações dos governos neoconservadores e neoliberais da América Latina e do Canadá. Oriundo dos protestos estudantis de 2007, protegido de Luiz Enrique Berrizbetia, ex-diretor do FMI, Guaidó estudou em Washington após se formar em Caracas e recebeu treinamento de agências internacionais especializadas em desestabilização, como a CANVAS e Otpor, havendo participado ativamente das Guarimbas.

O reconhecimento de Guaidó como Presidente interino por parte da comunidade internacional abre o espaço para facilitar uma invasão militar estrangeira sobre a Venezuela, tratada retoricamente como a liberação do povo de uma situação de usurpação. Diante da correlação interna desfavorável, Guaidó se pronunciou afirmando não descartar “autorizar” uma intervenção estrangeira. O veto do Senado estadunidense à intervenção na Venezuela constitui um limitador desse possível caminho, ainda que não absoluto, pois nunca houve um Presidente nos Estados Unidos responsabilizado por violar o War Power Act. Desde seu estabelecimento em 1973, ao menos quatro presidentes violaram ele em momentos diferentes: Ronald Reagan, ao invadir Granada sem autorização do Congresso; Bill Clinton, por ter bombardeado o Kosovo por mais dias que os 60 autorizados; Barack Obama por intervir militarmente na Líbia sem autorização; e Trump, por lançar mísseis na Síria em 2017, nas mesmas condições.

Apesar da declaração do grupo de Lima em apoio a uma solução pacífica e descartando uma intervenção estrangeira, as pressões do imperialismo unilateral de Trump, elemento mais dinâmico dessa concertação, trabalham na direção de um maior engajamento de seus aliados regionais na derrubada do governo Maduro. Representantes do trumpismo, como Steve Bannon, têm apoiado os setores mais ideológicos do governo Bolsonaro nessa direção e criticado o pragmatismo e a cautela dos militares brasileiros, expresso nas afirmações do vice-Presidente e General da Reserva, Hamilton Mourão. Todavia, a resistência interna dos militares venezuelanos e de grande parte da população, assim como o apoio da Rússia e da China ao governo Maduro, constituem fortes empecilhos a essa alternativa que pode transformar a América do Sul no epicentro de um conflito regional e mundial de vastas proporções.

Guaidó tem anunciado a implementação de um programa econômico por meio do qual pretende obter US$ 2 bilhões de ajuda humanitária imediata e US$ 20 bilhões doados pelos Estados Unidos e pela União Europeia em troca da privatização de 3.000 empresas, da derrogação da lei de hidrocarbonetos e da subordinação da Venezuela aos pacotes de ajuste estrutural do FMI e do Banco Mundial. A tentativa de utilizar a ajuda internacional como instrumento de penetração militar estrangeira, corrupção e desestabilização interna tem levado ao aumento da escalada de tensões.

O desfecho da situação venezuelana terá um importante efeito para a disputa do poder mundial e para o balanço das forças políticas na América Latina. A eventual derrubada do governo Maduro significará o avanço do imperialismo territorialista e sem hegemonia dos Estados Unidos na região. Será o primeiro passo para derrubar o que o governo Trump chama de “Troika da Tirania”, constituído pelos governos de Cuba, Nicarágua e Venezuela, mas também para conter e desestabilizar os governos nacionais-populares, como os de Bolívia e México, e as democracias, criminalizando os movimentos sociais e as esquerdas, ampliando as bases militares estadunidenses na América do Sul, em particular no espaço amazônico. Tal alternativa afetaria profundamente o projeto do BRICS e do Sul Global, desconectando China e Rússia da região, restringindo-as por um longo tempo, em grande medida, à disputa pelo espaço afro-asiático.

Caso o governo Maduro se sustente, poderá ampliar os seus laços regionais, aproveitando-se do provável desgaste das forças neoconservadoras nos próximos anos – como demonstram a eleição de Manuel Lopez Obrador e a crise do governo Macri – e aprofundar suas relações geopolíticas com os BRICS, buscando retomar o seu dinamismo econômico, político, social e ideológico.

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Carlos Eduardo Martins é Professor Associado do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da UFRJ e Coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia (LEHC/UFRJ). Membro do conselho editorial da revista semestral da Boitempo, a Margem Esquerda, é autor, entre outros, de Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina(2011) e um dos coordenadores da Latinoamericana: Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (Prêmio Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção em 2007) e co-organizador de A América Latina e os desafios da globalização (2009), ambos publicados pela Boitempo. É colaborador do Blog da Boitempo quinzenalmente, às segundas.

Redação

6 Comentários

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  1. As rotas da Seda são o futuro.
    A Rússia está promovendo um novo cartel do petróleo com Irã, México e Venezuela. Se a Arábia aderir a esse novo grupo (sem petrodólar), aí o “império” americano vai estar definitivamente “lascado”.
    Só fazendo um último comentário: é preciso enfatizar a todos a importância da Venezuela e a legitimidade de seu governo. A grande mídia podre e a mídia pequena podre de direita bombardeiam suas mentiras. E, pior, muitas pessoas que verdadeiramente nacionalistas e progressistas estão caindo na cilada que são as “ajudas humanitárias”, de que Maduro não é legítimo e é um ditador.
    Temos que espalhar a verdade.
    Obrigado pelo excelente texto.

  2. Queiram ou não os observadores de esquerda ou de direita, a Rússia está completamente envolvida na crise venezuelana. A petroleira russa Rosneft emprestou, em 2016, 1,5 bilhão de dólares ao governo venezuelano, que ofereceu como garantia do empréstimo o controle de 49,9% da Citygo, a subsidiária da PDVSA nos Estados Unidos. Isto provocou um pequeno terremoto no mundo dos negócios petroleiros americano. Em 2016 o preço do petróleo estava a 35 dólares o barril, o que ocasionou um baque catastrófico na economia da Venezuela, que depende quase exclusivamente de suas vendas de óleo.
    Assim, já que os 50,1% restantes da Citygo estavam empenhados em títulos, a Rússia passou a ser praticamente dona de uma empresa com refinarias (refina 749 mil barris por dia no Texas), gasodutos e oleodutos, dentro dos Estados Unidos, o que é um contrapeso geopolítico formidável às sanções que os americanos impuseram à economia russa. Além disso, a Rosneft adquiriu campos de petróleo na Venezuela, o que lhe confere influência sobre as exportações de petróleo venezuelano, fortalecendo sua presença até mesmo em território americano. https://www.reuters.com/article/us-usa-oil-citgo-exclusive/exclusive-u-s-ivestors-seek-to-acquire-russias-rosneft-lien-in-citgo-idUSKCN1GA2J4
    Por estas razões, um grupo de investidores buscou a ajuda de Washington para recomprar a dívida da Rosneft, para impedir, entre outras coisas, que os ativos da PDVSA nos Estados Unidos fossem confiscados pela Rússia, no caso de uma possível falência da estatal venezuelana, que se encontra muito endividada. A Rosneft se recusou a comentar a possibilidade de se desfazer da Citygo. A verdade é que a participação da Rosneft na Citygo veio inviabilizar alguma possível tentativa de sequestro da mesma judicialmente por algumas empresas que operavam na Venezuela, para reparar o prejuízo que tiveram com a nacionalização do setor por Hugo Chávez.
    Diante da situação da Citygo, o referido grupo de investidores mandou um recado a Trump, de que ele tinha de tomar providências quanto ao caso, seja barrando a Rosneft como administradora da Citygo, seja passando a importar menos petróleo da Venezuela, ou então trabalhando para que um governo mais amigável viesse a se instalar na Venezuela. Parece que Trump entendeu esta última sugestão, dada a título de “contribuição da iniciativa privada para resolver um problema de política pública”, como sendo uma demanda por invasão. https://www.counterpunch.org/2019/01/30/trumps-coup-in-venezuela-the-full-story/
    Ocorre que Trump já havia elegido a futura invasão da Venezuela como um dos pontos altos de seu governo, muito antes da atual crise. Em 2017, numa reunião referida pela Associated Press, “Trump alarmava amigos e inimigos ao falar de uma ‘opção militar’ para remover Maduro do poder. Os comentários públicos foram inicialmente rejeitados nos círculos de política dos EUA… Mas pouco tempo depois, ele levantou a questão com o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, de acordo com [um] funcionário dos EUA. Dois altos funcionários colombianos que falaram sob condição de anonimato para evitar antagonizar Trump confirmaram o relatório.”
    É claro que as petroleiras americanas não deixaram de ambicionar o petróleo da Venezuela, e a luta da Exxon para se impor sobre a exploração na zona fronteiriça litigiosa com a Guiana é prova disso. Também é claro que, além dos interesses imediatos, está o permanente desiderato imperialista de dominar as principais fontes de energia do planeta. Mas a estupidez do desejo expresso por Trump de invadir a Venezuela deixou chocado o próprio CEO da Exxon Mobil e Secretário de Estado, Rex Tillerson. Não é à toa que ele depois pediu demissão. O general Herbert MacMaster, ex-Conselheiro de Segurança Nacional, também ficou chocado com o desejo de Trump de invadir a Venezuela. https://www.apnews.com/a3309c4990ac4581834d4a654f7746ef Ambos, Tillerson e MacMaster, tentaram demovê-lo desta idéia absurda, o que, segundo o site Counterpunch, soa como irônico: Um homem do petróleo e um homem do Pentágono tentando evitar uma guerra que Trump teima em querer fazer.
    Então, embora coincida com objetivos permanentes da política de hegemonia americana, este conflito que se avizinha pode ser entendido como sendo uma guerra pessoal do presidente Trump. Podemos considerar também que pode haver certa urgência em acelerar os planos dos promotores da mudança de regime, já que o preço do petróleo se elevou a 61 dólares em Fevereiro deste ano, havendo ainda perspectiva de alta até o fim do ano. Isto está fazendo com que a Venezuela apresente um quadro de pequena recuperação, e quanto aos supermercados de Caracas, há informações de fontes diversas de que eles estão abastecidos de tudo o que haveria em qualquer supermercado americano. A oportunidade de intervenção gerada pelo desabastecimento vindo do boicote econômico e dos preços baixos do petróleo está a se desfazer para os americanos.
    Entretanto, parece que, além dos assuntos do petróleo, o presidente Trump devota um ódio todo especial aos povos latinos, como atestam múltiplos exemplos. O Presidente Maduro está a repetir sistematicamente isso em todas as suas entrevistas, além de classificar Trump como um legítimo e radical supremacista branco. Para viabilizar sua guerra, Trump juntou dois dos mais paranóicos belicistas dos Estados Unidos: O ex-diretor da CIA Mike Pompeo e o “bruxo” John Bolton, Conselheiro de Segurança, um dos grandes responsáveis por levar os Estados Unidos à invasão do Iraque. Juntos, estes dois Já conseguiram uma série de vitórias preliminares, como a submissão quase unânime dos governos das outras nações sul-americanas aos intentos da Casa Branca, e a adesão da maioria das nações européias às ideias neocolonianistas que este projeto de invasão vem a representar. Não haverá reação interna suficientemente poderosa para barrar esta loucura que já se instala como quase certeza? A Rússia vai ficar só protestando? Vamos ver no que tudo isso vai dar.

  3. Vale a pena procurar ver o pronunciamento do embaixador da África do Sul na reunião extraordinária do Conselho de Segurança da ONU sobre a questão da Venezuela. Ele reconheceu como completamente legítimo o pleito que elegeu Maduro para mais um mandato presidencial, e colocou-se firmemente contra qualquer tentativa de ingerência externa naquele país, condenando as tentativas de outros países de fomentar a mudança do regime venezuelano através de um golpe de estado. África do Sul surpreendente.

    1. A propósito, depois de quase todos os presentes falarem em espanhol e o representante da Rússia falar em russo, e o da China em mandarim, o embaixador bolsonarista do Brasil discursou em inglês, apoiando o golpe de estado na Venezuela. A impressão que deu foi a de que o verdadeiro Brasil estava ausente daquela reunião do Conselho de Segurança. Já o representante dos Estados Unidos, que ficou no lugar de Mike Pompeo que se retirou do recinto por não aguentar a saraivada de condenações que lhes jogaram na cara, expressou seu revoltado protesto pelo fato do representante da Venezuela ter chamado os governos da América do Sul que apoiavam a intervenção americana de “governos satélites” dos Estados Unidos. Seu protesto foi, pelo visto, inteiramente vão.

  4. ´Perfeita a análise quanto a ideia dos falcões do norte de ampliarem o seu império. Contudo,embora o fator petróleo tenho peso significativo,não acredito que seja o preponderante,mesmo porque a Venezuela,assim como outros países exportadores de petróleo,precisam vender seu petróleo excedente como forma de sobreviver e os preços,como sempre observamos,são uma relação direta entre oferta e procura.
    O que o império dos falcões do norte quer,e isso é uma patologia histórica desse povo,é manter-se de forma hegemônica sobre todos os demais.
    Esse povo,se nada mais lhe fosse acrescentado,viveria confortavelmente eternamente. Sabedores disso,seus governantes bancados pelo império das armas e grupos sionistas,sempre,sempre mesmo,inventam alguma ameaça que possa retirar este conforto conquistado de forma estrutural,ou seja,não é possível a sua retirada sem a completa destruição do país.
    essa gente vive desta doidice para permitir que alguns ganhem muito em detrimento do sofrimento da grande maioria de pobres do planeta.
    Se utilizassem seu conhecimento,que é enorme,para difundir estas práticas pelo mundo,com certeza a beligerância perderia sua utilidade.
    A Venezuela,neste momento,adquire papel geopolítico fundamental.A derrubada do Governo do presidente Maduro,para eles,precisa ser imediata.
    Se isto não ocorrer ,pode haver uma influência nas eleições presidenciais argentinas marcadas para este ano,onde o gatinho de pelúcia do FMI e dançador de tango,tem grandes chances de perder e possibilitar a volta de alguém não alinhado as migalhas do topetudo dos falcões do norte e,com isso,começar novamente um ciclo de expansão de governos humanitários na América Latina ,fortalecimento dos BRICS e,consequentemente,a aceleração da derrocada do império falcoeiro que é inexorável.

  5. Venezuela: a farsa anunciada

    Os Estados Unidos anunciaram que vão iniciar a entrega de ajuda humanitária aos “necessitados venezuelanos”. Os seus asseclas naquele país, comandados por Guaidó, se encarregarão de recebe-los através da fronteira colombiana e, pasmem, também da brasileira.
    Já são inúmeras as denúncias que trata-se de uma farsa para encobrir a intervenção militar: mortes de venezuelanos de oposição através de atiradores estrategicamente colocados vão dar o pretexto para a escalada militar.
    Não é de surpreender que se pretende uma imitação dos acontecimentos na Síria que levaram à destruição do país. A guerra começou quando manifestantes na remota cidade de Daraa foram feridos em 2011 – ao menos 35 morreram – no que, hoje se sabe, foi uma armação da Arábia Saudita e dos países ricos do Golfo, apoiada pelos Estados Unidos, para provocar a mudança de regime na Sírio. Aliás, é de se surpreender que a mesma tática esteja sendo utilizada tendo em vista a sobrevivência da presidência de Assad.
    Para aumentar a semelhança com a aventura síria, que encontrou nos chamados White Hats um apelo midiático – com documentários (um da Netflix chegou a ganhar o Oscar) e outras iniciativas de arrecadação, que no final se mostrou apenas servir de cobertura para grupos terroristas ligados à Al-Qaeda, a farsa encontrou seu evento.
    O lunático milionário Richard Branson (Virgin) está organizando um mega show nesta sexta-feira em Cúcuta, na fronteira colombiana. Em seu apelo aos artistas da região para que participem ele lembrou a iniciativa de George Harrison em Bangladesh, mas acontece que a montanha de Branson vai parir um rato, um show medíocre que as redes televisivas vão incensar como o acontecimento do ano.
    Roger Waters, o grande protagonista do Pink Floyd, que já deu sua contribuição à luta democrática no Brasil, tuitou a Branson “a Cruz Vermelha e a ONU, inequivocamente concordam em não politizar a ajuda. Deixe o povo venezuelano sozinho para exercer seu direito legal à autodeterminação”.
    É espantoso que os generais do Exército brasileiro estejam se prestando a participar dessa trágica farsa. Segundo declarações do general Rêgo Barros, que leu nota em entrevista coletiva nesta terça-feira, dia 19. Segundo a nota do Itamaraty, a ajuda “será disponibilizada em território brasileiro, em Boa Vista e Pacaraima, Estado de Roraima, para recolhimento pelo governo do Presidente Encarregado Juan Guaidó, por caminhões venezuelanos conduzidos por venezuelanos”. Guaidó, que se intitulou presidente depois de um telefonema o vice de Trump, Pence, tornou-se “Presidente Encarregado” nos delírios de Ernesto Araújo – ficaria melhor “presidente carregado”.
    É espantoso que o Exército brasileiro mostre-se disposto a participar dessa farsa. Em 23 de janeiro, o presidente da República em exercício, general Hamilton Mourão, afirmou que o Brasil não vai interferir na política interna da Venezuela. “O Brasil não participa de intervenção. Não é da nossa política externa intervir nos assuntos internos de outros países”, disse Mourão naquele mesmo dia em que Pence telefonou para Guaidó.
    Mourão, que foi adido militar na Venezuela, sabe que não haverá defecção nas fileiras militares venezuelanas. A própria ameaça de Trump – “vocês não terão aonde se esconder… ” e a oferta de anistia mostra que os militares venezuelanos estão firmes.
    As Forças Armadas brasileiras deveriam pedir a demissão imediata de Ernesto Araujo que está desesperado em servir aos seus mestres e encher a Amazônia brasileira de militares e mercenários dos Estados Unidos. Já houve duas intromissões de Araújo em assuntos militares fora de sua alçada – a pretendida base americana e o rompimento de relações com os militares venezuelanos. É hora de dar um Basta!
    O Brasil está se colocando em risco de participar involuntariamente da falsa operação. Bolton, assesor de Trump, deixa claro em seu twitter que haverá uma farsa: “Quaisquer ações dos militares venezuelanos para tolerar ou instigar a violência contra civis pacíficos nas fronteiras colombianas e brasileiras não serão esquecidas. Os líderes ainda têm tempo para fazer a escolha certa”. Ou então “os militares venezuelanos devem cumprir seu dever de proteger os civis nas fronteiras colombianas e brasileiras e permitir que recebam pacificamente ajuda humanitária sem violência ou medo de perseguição”.
    Se os militares brasileiros se esqueceram que uma guerra é fácil começar, mas é muito difícil de terminar eles deveriam pensar nos reais interesses brasileiros.
    Trump não esconde suas intenções. O recente livro de Andrew McCabe, ex-diretor do FBI, The Threat, conta que em reunião na Casa Branca em 2017, o presidente falou sobre a Venezuela. “Esse é o país com o qual deveríamos entrar em guerra, ele disse. Eles têm todo esse petróleo e estão bem na nossa porta dos fundos”. Essa revelação foi feita pelo jornalista canadense Aaron Maté que está na Venezuela e deu um entrevista ao programa de televisão americano Jimy Dore Show onde conta a real situação venezuelana
    Com a invenção do “presidente carregado” pretendem ir além da apropriação da riqueza mineral venezuelana. Além da apropriação dos fundos bloqueados do governo venezuelano no país e o ouro bloqueado em Londres, eles pretende se apossar das usinas da PDVSA e os recursos da CitGo nos Estados Unidos, porque o governo venezuelano – que não vai receber pelo petróleo fornecido, não poderá pagar as dívidas daquela empresa.
    O Exército brasileiro pretende participar desse assalto ao povo venezuelano em benefício dos Estados Unidos? O interesse brasileiro é que a Venezuela que, antes da imposição de sanções por Obama, era um dos grandes compradores da indústria brasileira, prospere e volte à normalidade. Isso só será conseguido através de uma saída negociada para a crise. Mesmo que numa remota hipótese os militares venezuelanos se rebelem, o caos que vai se instalar no país e que parece se espalhar para a República Dominicana e Haiti, vai inviabilizar qualquer parceria comercial.
    Por outro lado, o Brasil que está presidindo o BRICS neste ano, vai enfrentar seus melhores parceiros – a China e a Rússia, prejudicando nossos interesses não só os comerciais, para servir a uma aventura que já se mostrou inviável na Síria. Isso para servir a um país que compete com o nosso na cena comercial internacional.
    Já é hora que os militares brasileiros, que já estão perdendo seu prestigio em participar deste governo fracassado antes de 2 meses de existência, retomem a tradição da diplomacia brasileira – uma tradição que vem desde o Barão de Rio Branco que sobreviveu mesmo durante a ditadura, de não intervenção e de colaboração com seus vizinhos. O tempo urge!

    As informações deste texto devem muito às colocações do blog Moon of Alabama, da Rede Voltaire e de Thierry Meyssan e da Mint Press News e de muitos outros esforçados jornalistas que se debruçam sobre a cena internacional. Eu recomendo estes blogs (e seus links) a todos os interessados em se aprofundar nas questões internacionais – tão ignoradas pela esquerda brasileira.

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