As denúncias do MP-SP contra a inspeção veicular

Por Marco Antonio L.

Do Viomundo

Inspeção veicular: MP diz que contrato causou prejuízo de R$1,1 bilhão ao poder público e aos paulistanos

por Conceição Lemes

São Paulo é o Estado com maior IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) do país. Quem mora na capital ainda paga a taxa de inspeção veicular. Em 2012, a Prefeitura da capital cobrou R$ 44,36 pela vistoria.

José Serra (PSDB) defende a cobrança. “Nada é de graça”, diz o vídeo de sua campanha.

Em entrevista a O Estado de S. Paulo, Serra afirmou: “A poluição é um problema gravíssimo em SP. Revisão para evitar poluição é um serviço essencial. Se a prefeitura for pagar a inspeção, paga quem tem carro e quem não tem, o que é injusto, todos estarão pagando”.

Já Fernando Haddad (PT) diz que vai acabar com a taxa que é cobrada dos munícipes proprietários de veículos, mas manterá a inspeção.

Celso Russomanno (PRB), no início da campanha, chegou a dizer que iria acabar com a inspeção veicular, mas nos últimos tempos não voltou ao assunto.  No item 11 do seu programa de governo, afirma que vai “Reformular a inspeção veicular, mantendo a devolução integral do valor da taxa cobrada pelas empresas, que deverão realizar a inspeção”.

O fato é que, apesar de o tema estar com frequência no horário eleitoral de Serra e Haddad — os demais candidatos à Prefeitura da capital o têm ignorado –, a mídia, curiosamente, não aprofundou o assunto durante essa campanha.

Inclusive, nesse final de semana, a Vejinha São Paulo elogiou o programa de inspeção veicular, implantado, a partir de 2008, pelo prefeito Gilberto Kassab (na época, DEM, hoje PSD) e a Controlar. Em 2011, esse contrato foi denunciado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) à Justiça por conter várias ilegalidades, irregularidades e fraudes.

“Na verdade, está tudo errado nesse contrato entre a Prefeitura e a Controlar; ele é ilegal”, afirma aoViomundo o promotor Marcelo Duarte Daneluzzi, da Promotoria do Patrimônio Público e Social do MP-SP, um dos autores da denúncia à Justiça. “Pensei que com a campanha eleitoral essa taxa não resistisse uma semana. Mas pelo visto quase todo mundo está gostando dessa fonte de arrecadação.”

A campanha de Haddad diz que Serra mente: “Não é verdade que quem anda de ônibus, bicicleta, metrô, vai pagar a isenção da taxa de inspeção veicular dos que possuem carro. Ao pagar o IPVA, o proprietário de automóvel já paga a inspeção, pois essa taxa já está embutida no valor”.

 “ÀS VEZES O PROPRIETÁRIO PAGA ATÉ DUAS INSPEÇÕES NO PERÍODO DE 30 DIAS”

O IPVA, entre outras finalidades, deveria ser usado para educação no trânsito, segurança, redução da poluição. Do valor arrecadado, 50% destinam-se ao governo estadual e os outros 50% ao município onde o veículo está registrado.

“Dos R$ 4 bilhões arrecadados anualmente com os veículos na cidade de São Paulo, R$ 2 bilhões ficam com a Prefeitura e R$ 2 bilhões vão para o Estado”, diz a campanha de Haddad. “De forma que a Prefeitura tem como arcar com os R$ 160 milhões da inspeção veicular.”

Mas esse não é o único problema. O vereador Chico Macena (PT-SP), que em 2011, denunciou o caso ao MP-SP, alerta: “Às vezes o proprietário paga até duas vistorias no período de 30 dias, devido às irregularidades na inspeção feita pela Controlar. Isso sem falar de carros que são reprovados em determinado local e aprovados em outro”.

O procedimento de inspeção veicular prevê quatro etapas: 1) pré-inspeção visual;  2) inspeção visual; 3) inspeção mecânica; e 4) inspeção de ruídos.

Ao iniciar a inspeção, o técnico deve seguir a ordem acima. Se constatada qualquer irregularidade na fase visual, o veículo é imediatamente rejeitado e/ou reprovado, o relatório de inspeção veicular emitido e o processo de vistoria interrompido.

O proprietário deve realizar então os reparos exigidos e retornar em até 30 dias para nova inspeção, caso contrário pagará nova tarifa.

Agora, mesmo que o proprietário faça os reparos para sanar irregularidades constatadas na primeira inspeção, ele pode ter seu veículo novamente reprovado e/rejeitado nas outras fases da inspeção e ser obrigado a pagar nova tarifa. Afinal, na primeira inspeção o carro não é inspecionado integralmente, impossibilitando, assim, o proprietário de resolver todos os problemas que o veículo eventualmente tenha.

“Os únicos beneficiários dessa forma de inspeção ilógica, irracional e indevida são a Prefeitura de São Paulo e a Controlar”, afirma Macena. “Os proprietários só têm prejuízos. Além de obrigados a novas inspeções e novas tarifas até que se concluam todos os procedimentos legais, eles perdem tempo precioso, geralmente de serviço, pois as vistorias são realizadas em dias e horários comerciais.”

“Todas as etapas da inspeção devem ser realizadas e esgotadas em uma única vez e a concessionária emitir um relatório completo indicando todas as causas de rejeição ou reprovação a serem sanadas pelo munícipe”, defende Chico Macena, que tem projeto de lei na Câmara dos Vereadores paulistana nesse sentido.

EM 2011, O MP-SP ENTROU NA JUSTIÇA CONTRA PREFEITURA  E A CONTROLAR

Na realidade, tudo começou  em 1995. Na época, a Prefeitura  (Paulo Maluf era o prefeito) fez licitação para inspeção veicular. Ganhou o único participante do certame, o Consórcio Controlar, integrado por Vega-Sopave, Controlauto e a empresa alemã Rwtuv-Fahrzeus GmbH.

O contrato, firmado em 4 de janeiro de 1996, deveria vigorar por dez anos, mas nunca foi implementado. Em decorrência disso,  a licitação respectiva caducou.

Em 2007, Kassab (na época, DEM, hoje PSD), sem licitação, ressuscitou o contrato de 1996 e o serviço de inspeção veicular foi entregue à Controlar, nesta altura  já com nova formação societária.

Em 2008, a Prefeitura começou a cobrar dos proprietários de veículos a inspeção veicular feita pela Controlar.

Em 2011,  os promotores de Justiça Roberto Antonio de Almeida Costa e Marcelo Duarte Daneluzzi, do MP-SP, entraram com ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra Kassab, o secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo Jorge Martins Sobrinho, a Controlar, entre outros.

A ação do MP-SP, segundo nota da assessoria de imprensa da instituição, “aponta a inabilitação técnica, econômica e financeira da Controlar para executar o contrato, fraudes na mudança do controle acionário e na composição do capital social da Controlar, inconstitucionalidade de leis municipais sobre a inspeção veicular obrigatória e uma série de outras irregularidades que tornam nulos o contrato e seus aditivos”.

Além da suspensão do contrato, os promotores pediram concessão de liminar para o afastamento do prefeito e o sequestro judicial de bens de todos os envolvidos para eventual futuro ressarcimento ao poder público e aos cidadãos.

“AS PESSOAS ENVOLVIDAS SABIAM MUITO BEM QUE NÃO ESTAVAM FAZENDO UM NEGÓCIO LISO”

“Para começar, o contrato é inconstitucional porque é um serviço de fiscalização, inspeção, logo tem poder de polícia”,  observa o promotor Marcelo Daneluzzi. “E não existe concessão de serviço público quando a atividade envolve poder de polícia.”

O promotor traduz:

* Serviço público é uma comodidade. É alguma atividade que o Estado presta ao cidadão e ele paga uma tarifa por isso. Por exemplo, ônibus, metrô.

* A inspeção veicular não é nenhuma comodidade para usuário. É o poder de fiscalizar. E o Estado  (no caso, a Prefeitura paulista) não pode delegar esse poder de polícia ao particular.  O particular até pode prestar o serviço. Mas a remuneração é feita pelo poder público.

* No caso da inspeção veicular, o usuário é quem está pagando a Controlar por um serviço de fiscalização, que, a rigor, não poderia ser outorgado a uma empresa particular.  Muito menos dar-lhe o direito de cobrar diretamente do usuário como se fosse um serviço público. Não dá para fazer isso.

“A Controlar sempre teve um comportamento faltoso, nunca executou o contrato e ainda foi condenada por improbidade administrativa”, expõe Daneluzzi. “Até que, na atual gestão, o prefeito ressuscitou  esse contrato que não tinha sido cumprido.”

Em português claro: Kassab pega uma empresa já condenada por improbidade administrativa – em termos eleitorais seria uma empresa ficha suja –  e faz com uma ela um contrato com base numa licitação viciada e que havia caducado.

As três empresas que integram o consórcio vendem a “concessão” do serviço de inspeção veicular para outro grupo, a CCR – leia-se Camargo Correa.  Ou seja, quem não participou da licitação em 1995 acaba tendo o contrato.

“A Controlar não cumpre o que tinha sido licitado e, ainda, consegue vender o seu contrato de ‘concessão’ por R$ 175 milhões”, diz Daneluzzi. “Foi especulação em torno de um negócio público. Afinal, a Controlar vendeu se não a própria ‘concessão’.”

Segundo o MPE-SP, esse contrato causou um prejuízo de R$1,1 bilhão ao poder público e aos paulistanos proprietários de veículos . Esse valor refere-se à nulidade do contrato administrativo e também aos danos para usuários que despenderam um valor durante esses anos por um contrato inválido.

“As pessoas envolvidas sabiam muito bem que não estavam fazendo um negócio liso e que o contrato não era válido”, atenta Daneluzzi. “Tanto que, quando o contrato foi ressuscitado, havia parecer do próprio secretário dos Negócios Jurídicos, desaconselhando a venda da Controlar e a retomada do contrato, que não é uma concessão. Aliás, é um absurdo como isso vem prosperando até agora.”

Em dezembro de 2011, os promotores Daneluzzi e Almeida Costa pediram na Justiça que o contrato fosse simplesmente rompido, já que é ilegal e está em desacordo com o ordenamento jurídico.

O juiz decidiu dar 90 dias para a Prefeitura fazer nova licitação. “Um absurdo”, julga Daneluzzi. “O problema não era só a inidoneidade da Controlar, mas todo o processo.”

Os promotores recorreram. A parte contrária também.  O município entrou com um tipo de recurso chamado entulho autoritário.  Ele permite ao poder público ir diretamente ao presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) pedir a suspensão da liminar, dizendo que vai causar um grave abalo às finanças públicas.

Só que a Prefeitura não obteve êxito no TJ-SP. Recorreu então ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo presidente era o ministro Ari Pargendler, e conseguiu manter o contrato com a Controlar.

 

Aí, o juiz de primeira instância, que havia dado 90 dias para nova licitação e determinado o bloqueio dos bens de todos os envolvidos, revogou a indisponibilidade dos bens.

 

“Nós recorremos disso tudo e ainda não obtivemos êxito em segundo grau”, relata Daneluzi ao Viomundo. “A Procuradoria de Justiça também está ingressando com medidas para que sejam colocados em indisponibilidade os bens de todos os envolvidos. Se a ação for julgada procedente é preciso que principalmente o erário e o poder público tenham a garantia de que os réus tenham condições de pagar essa ação de R$ 1,1 bilhão.”

 

Em 2011, a receita líquida da Controlar, descontados os impostos,  foi de R$ 178 milhões, segundo o balanço da empresa. Em 2010, alcançou a cifra de R$ 155 milhões. Ou seja, arrecadou  15% a mais.

 

Já o lucro líquido da Controlar, livre de impostos, mais que dobrou. Pulou de R$ 15,5 milhões para R$ 33,8 milhões. A sua rentabilidade, relação patrimônio líquido e lucro líquido, chegou a 67% em 2011. É maior do que a rentabilidade de muitas concessionárias que cobram pedágios nas estradas paulistas.

 

Para acessar a íntegra da ação civil pública do Ministério Público de São Paulo contra a Prefeitura e a Controlar, clique AQUI.

Luis Nassif

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