Para entender o caso da Famerp

por Bruno de Pierro, da Agência Dinheiro Vivo

A Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e o Hospital Base (HB) da cidade correm o risco de terem suas atividades paralisadas nos próximos 15 dias, caso a Secretaria Estadual de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia ou a Casa Civil não se manifestem dentro desse prazo sobre as reivindicações que alunos, docentes e funcionários encaminharam às pastas na última quarta-feira, 5.  Em assembléia que reuniu cerca de 500 pessoas, a comunidade acadêmica expôs os problemas decorrentes da diminuição do custeio por parte do governo estadual em mais de R$ 1 milhão nos últimos dois anos. Os manifestantes também exigem a autorização para a realização de concurso público e o retorno da autonomia administrativa da Famerp sobre o atual quadro de docentes e funcionários e o índice de reajuste dos salários para técnicos administrativos e docentes que serão submetidos ao concurso público.

A Famerp trabalha hoje apenas com 229 funcionários técnicos administrativos, dos quais 50 serão devolvidos à Fundação Faculdade Regional de Medicina (Funfarme) no próximo mês de novembro em virtude de ação do Ministério Público do Trabalho. A diminuição no número de funcionários pode ser evitada, caso o governo autorize a realização do concurso para 150 vagas, já aprovado por lei no final do ano passado.

De acordo com o diretor geral da Famerp, Humberto Liedtke Junior, a instituição está sendo pressionada cada vez mais e necessita de ações urgentes do governo. “Não podemos ser omissos. Se não modificarmos a situação atual, em janeiro não conseguiremos manter a faculdade em funcionamento com este número de funcionários e o atual repasse”, afirma.

A estadualização

A Famerp foi estadualizada em setembro de 1994. Uma vez estadualizada, ela não pode ser mais administrada por funcionários ou professores sem concurso público. De 1994 até hoje, são 17 anos, e o governo estadual, até agora, não regularizou o quadro funcional, nem de funcionários, nem de professores. Não abre concurso e não admite que sejam contratados por fora. Nesse período, professores morreram, alguns se aposentaram, outros saíram, e, assim, há um déficit enorme na gestão da faculdade, inclusive na área administrativa.

Essa tentativa de regularizar essa problemática foi uma constante em todos os governos do PSDB, com o Mário Covas, depois com Alckmin, Serra, e agora, novamente, Alckmin.

A fundação paralela à faculdade, a Funfarme (Fundação da Faculdade Regional de Medicina de São José do Rio Preto), mantém o Hospital Base, que não é estadual. O HB, diferente da Famerp, é filantrópico, mantido pela fundação. A maioria dos recursos é repassada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e a outra parte (20%), pelos planos de saúde. Como ficou inviável à faculdade, por falta de funcionários, há aproximadamente três anos a fundação do hospital contratou 50 funcionários e professores e os direcionou para trabalhar na faculdade estadual. Contudo, a Justiça do Trabalho deliberou recentemente, em última instância, que até 30 de novembro esses funcionários devem voltar para a Funfarme.

Os problemas, portanto, mais urgentes hoje são três. Primeiro, grande defasagem funcional – pois a volta de 50 funcionários para a fundação tornará o quadro de fato inviável.

O segundo diz respeito ao custeio. José Francisco Gandolfi, professor do Departamento de Cirurgia Geral, conta que, hoje, falta até açúcar para colocar no café. Gandolfi foi diretor da Famerp entre 1991 e 1997 e, portanto, esteve à frente da faculdade assim que o processo de estadualização foi implantado. Para ele, o orçamento repassado pelo Estado deveria ser maior. Nos últimos dois anos, porém, houve diminuição do custeio por parte do governo do Estado em mais de R$ 1 milhão.

O curioso é que, nesse período, a faculdade cresceu. “Aumentaram 3 mil metros de área construída e também construíram o Hospital da Criança, que ainda não está funcionando”, comenta Gandolfi. A questão é que o custei foi mantido até o governo de José Serra, quando passou a diminuir, em contradição com a ampliação dos investimentos em infraestrutura.

Gandolfi explica que a qualidade da faculdade ainda é muito boa. No Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), por exemplo, a nota obtida foi 5, considerada conceito máximo, assim como no IGC/MEC (Índice Geral de Cursos do Ministério da Educação). Mas o professor alerta que, caso não sejam resolvidos os problemas, a qualidade do ensino será prejudicada. “O produto final, que é o médico e o enfermeiro, vão sofrer na sua formação e isso vai, consequentemente, atrapalhar a sociedade. Não se trata de aumentar salários, mas sim melhorar o ensino”, disse. 

Autonomia administrativa

O último problema levantado por Gandolfi diz respeito ao fato da Famerp ter se tornado autarquia da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Segundo Gandolfi, desde janeiro último a secretaria tirou a autonomia da diretoria da faculdade.  

Questionado se o problema envolve questões políticas, o professor disse não acreditar que seja esse o motivo. “Nós subimos nos palanques dos governadores, para tentar ajudar a faculdade”.

Para exemplificar, Gandolfi cita um filho de São José do Rio Preto, o ex-chefe da Casa Civil do governo Serra e atual senador por São Paulo, Aloysio Nunes. “Se é um problema tão evidente, e ele é daqui, por que nunca foi resolvido?”. O professor conta que, durante os 17 anos de “estadualização” da Famerp, o senador foi procurado diversas vezes pela diretoria da faculdade, mas nenhuma medida foi tomada com relação à abertura de concursos.

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador