Parlamentarismo ou recall, duas faces da mesma insanidade. Parte II

Por Rogério Maestri

Alguns pensam que a minha resistência ao Recall ou ao Parlamentarismo é política, entretanto deixo claro no que escrevo as limitantes técnicas desta forma de forçar a mudança precoce do executivo ou da adoção do sistema Parlamentarista.

Quando se noticia na Grande Imprensa a mudança do Primeiro Ministro em qualquer país europeu, ao mesmo tempo se mostra que com a mudança do governo, se dá destaque ao pequeno número de cargos que são trocados, menos que uma centena de pessoas, como se isto fosse uma demonstração de a evolução ou ao alto estado de civilidade. Esquecem todos que isto é uma necessidade e não uma vontade, e que não foi sempre assim, há séculos quando os reinos adotaram sistemas parlamentaristas a disputa entre o parlamento e o poder moderador levou a uma acomodação que causou golpes e contra-golpes internos. Se analisarmos a França do século XX veremos que mesmo sem Rei, mas com um presidencialismo quase que monárquico levou a uma sucessão de repúblicas até as acomodações dos dias atuais. Na Inglaterra foi mais fácil, depois de uns quinhentos anos de parlamentarismo chegaram a uma solução estável, com algumas revoluções e contra-revoluções básicas que mataram alguns milhares de realistas ou parlamentaristas, coisinha básica. Outros países europeus também sofreram este tipo de acomodação, mais ou menos turbulentas, ou conhecidas, mas se analizarmos com detalhe a história política de todos os países europeus veremos uma série enorme de tropeços.

Tanto o recall como o parlamentarismo tem que conviver com as mudanças de Governo mais freqüentes sem que o Estado sofra inação durante os períodos de transição. Não notamos este problema no atual sistema presidencialista, pois geralmente a eleição se dá em torno de alguns meses antes da posse e durante os seis ou até um ano de governo não esperamos grandes ações dos governantes.

Num sistema Parlamentarista ou num sistema com Recall, pode-se prever uma sucessão de mudança de governos em curtos espaços de tempo, como tivemos no parlamentarismo italiano, por exemplo, uma época em que a mudança do primeiro ministro se repetia em curtos intervalos de tempo, menos de um ano, e o Estado Italiano, dentro de sua habitual inoperância parcial resistiu a estas mudanças.

Vou detalhar um pouco mais as mudanças que seriam necessárias no Brasil.

Primeiro seria a necessidade de profissionalização da gestão pública, ou seja, desde o secretário geral dos ministérios, cargos que viriam logo abaixo do ministro até os mais modestos deveriam ser ocupados por funcionários de carreira concursados para este fim.

Os concursos que deveriam ser feitos para os cargos mais altos deveriam ser aceitando somente profissionais com formação TÉCNICA na área e com formação em gestão pública, e se não for feita uma seleção correta teríamos o perigo de ficarmos com uma gestão de Bacharéis em Direito, o que emperraria a máquina e tiraria a capacidade de soluções técnicas para as pastas técnicas, por exemplo, saúde, educação, infra-estrutura, etc, etc e etc. Fazer concursos para atividades específicas não é simples e rápido como se pensa, não se pode transformar o ingresso dos funcionários de alto escalão como uma alegria de bacharéis de direito para cargos em ministérios técnicos.

Chamo a atenção que na maioria dos sistemas parlamentaristas, na mudança de primeiro ministro, quem ocupa de fato o ministério é o secretário geral do mesmo, que é um cargo de carreira e não um cargo político.

Também sob o aspecto de competência e habilitação para ocupar os cargos teríamos que FORMAR estes quadros, pois no momento os quadros que se mostram mais competentes na administração pública tem sempre o fantasma de serem substituídos por algum ZÉ RUELA qualquer, amigo ou colaborador do ministro (ou indicação da cúpula do partido) para assumir as posições de maior importância, fazendo com que estes os bons quadros profissionalizados da administração pública ou saiam ou ocupem funções na iniciativa privada tanto como empregados como consultores, ficando em tempo parcial a disposição do serviço público considerando este mais um seguro desemprego do que um emprego. 

Seria necessário num sistema parlamentarista um tribunal administrativo especial para julgamento da postura técnica e ética dos funcionários, um tribunal totalmente independente do Governo, mas vinculado ao Estado, neste caso sobre a responsabilidade do Presidente. Este tribunal é necessário, pois num sistema de gestão profissionalizada, o governo não poderia perseguir os funcionários de mais alto escalão, entretanto os mesmo deveriam ser julgados por estruturas externas e independentes, pois atualmente as comissões de sindicância e inquérito são em determinadas instâncias verdadeiras ações entre amigos.

As centenas de milhares de Cargos de Confiança que existem na administração pública deveriam ser extintos para ser ocupados por cargos profissionalizados, e TALVEZ (modo ironia ligado) os políticos e partidos políticos teriam alguma resistência a deixar de ter espaço para acomodar as centenas de companheiros nos cargos de maior importância. Este caso seria talvez uma das barreiras mais difíceis de ser vencida.

A disputa entre o Presidente e o Primeiro Ministro, até que as funções fossem claramente divididas seria um foco constante de atritos, que podem ser expressas por lutas de gabinete como mesmo de revoluções internas entre simpatizantes de uma e outra forma de governo. No caso do parlamentarismo Francês do século XX, já citado acima, houve sérias desavenças entre os adeptos do Presidencialismo forte e os parlamentaristas puros, não houve revoluções, pois estas já tinham ocorrido dos séculos anteriores.

Vejam que até este momento não falei sobre direita ou esquerda, sobre corrupção ou não corrupção ou sobre oportunismo ou civismo simplesmente falei de aspectos técnicos que caracterizam a diferença entre sistema presidencialista e parlamentarista, problemas inerentes ao tipo de governo.

Para exemplificar o que passaria em termos de luta num sistema parlamentarista, cito o exemplo das nossas universidades públicas. A figura do Reitor nas universidades federais é quase como a figura de um presidente num sistema parlamentarista, que apesar de todas as lutas internas, brigas e disputas o sistema funciona, pois os Conselhos das universidades têm grande poder e o número de Cargos de Confiança nestas universidades é o mínimo ou inexistente, têm-se funções gratificadas que são exercidas por funcionários de quadro, mas apesar de toda a aparente tranquilidade ainda há uma forte luta entre professores e funcionários pelo poder, que é exercido geralmente pelo grupo dos professores sobre o protesto permanente dos funcionários.

Se quisessem introduzir no Brasil um sistema parlamentarista isto deveria ser introduzido de baixo para cima, primeiro nos municípios, depois nos estados e por fim na Federação, porém este processo deveria levar algumas décadas para chegar à União.

Poderia seguir nas modificações necessárias na administração pública para que se introduza um parlamentarismo ou um pseudo-parlamentarismo gerado pelo Recall, e como diz o ditado: O diabo mora nos detalhes, e se não pensarmos nos detalhes criaremos uma estrutura que demorará no mínimo meio século para se estabilizar e render frutos.

O que me espanta é que o senador Buarque, que aparentemente é alguém culto, não tenha o mínimo civismo e interesse em colocar a nação em primeiro lugar, pensando numa acomodação que serviria mais seus anseios nada republicanos atuais e pessoais (lembre-se que seu partido o PDT, tradicionalmente é pelo presidencialismo).

 

Redação

7 Comentários

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  1. Mais um gás para o Buarque

    O Buarque estende os seus 15 minutos de glória com um novo post sobre o tema. Vai ficar feliz!

    Agora, discutir sobre parlamentarismo numa nação ainda em formação e que ainda não saiu da sua colonização e que nem sequer definiu o seu rumo é um pouco prematuro, do tipo discutir a cor da luva que algum futuro astronauta brasileiro (em nave brasileira, obviamente), levaria para Saturno.

    Gostamos muito de discutir hipóteses e, na prática, ainda nem sequer formamos cidadãos com consciência cívica e educação suficiente sequer para saber votar direito. Brasil será desenvolvido (inclusive politicamente), quando morem aqui pessoas desenvolvidas.

    1. Alexis, realmente não irei mais continuar com o assunto.

      Em outra oportunidade quando esfriar o recall do Buarque volto ao assunto Parlamentarismo.

  2. Buarque
    Acredito que C. Buarque é um politico serio e bem intencionado. Talvez por cansaço mental desta confusão toda (quem não está?) tenha proposto isso.

    Sou obrigado concordar com o post.
    Com as praticas e costumes politicos que temos mais os politiqueiros sedento de cargos e mordomias simplesmente não vai funcionar.

    Talvez daqui a 50 anos.

  3. Contraponto

    Existem vários problemas na argumentação acima, mas para mim o maior deles é que se passa a impressão que o Brasil não é um país “avançado o suficiente” para o parlamentarismo. Ora, então devemos deixar tudo como está e nós temos o sistema que merecemos? Não me parece uma boa estratégia para quem quer ver o Brasil no rol de países de alto desenvolvimento econômico e humano … de qualquer forma, cabe olhar com mais cuidado o tema dos cargos de confiança ou em comissão no Brasil.

    De acordo com o boletím estatístico de pessoal mais recente (http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/servidor/publicacoes/boletim_estatistico_pessoal/2015/151214_bol232_ago2015_parte_i.pdf), temos a seguinte distribuição de cargos DAS:

    DAS-1: 7.251 (chefe de serviço)

    DAS-2: 6.190 (chefe de divisão)

    DAS-3: 4.266 (coordenador)

    DAS-4: 3.508 (coordenador-geral ou gerente)

    DAS-5: 1.076 (diretor)

    DAS-6: 220 (secretário)

    Acima destes cargos, somente o secretário executivo (NE – cargo de natureza especial) e o ministro. Na prática, o que se observa é que dos níveis 1 a 3, o DAS serve muito mais como um “bônus de performance” para servidores mais dedicados do que de fato a uma função concreta de chefia (inclusive porque o aumento no salário não é significativo, cerca de 2 mil reais para um DAS 3 que já é servidor). O DAS 4 passa a ter algum poder de decisão, mas ainda muito limitado. Somente a partir dos níveis 5 e 6 que pode-se dizer que são cargos cuja mudança pode causar uma descontinuidade na condução das políticas. Quando há trocas de ministros a tendência é que as mudanças de cargo se concentrem nos níveis 6, 5 e, em escala menor, no 4. Assim, o argumento que a mudança de governo demanda automaticamente a mudança de dez mil cargos ou mais não corresponde à realidade. Ressalte-se ainda que, mesmo no nível de secretário, o mais alto dos DASs e que responde diretamente ao ministro, 66% dos cargos ocupados são de servidores concursados.

    Realmente cabem críticas às comissões responsáveis pelos PAD (Processos Administrativos Disciplinares) que julgam internamente irregularidades de servidores. No entanto, não se pode esquecer que há ainda a CGU e o TCU realizando os controles externo e interno e, em várias situações, responsabilizando pessoalmente o detentor de cargo de chefia, inclusive em situações questionáveis. Então, embora haja espaço para aperfeiçoamentos, já existe um sistema capaz de punir servidores por conduta indevida – assim não entendo isso como razão para não se adotar o parlamentarismo.

    Outra questão importante é que o potencial de troca de governo não significa, na prática, que a frequência média de mudanças será muito maior do que é hoje. Na Alemanha, a Angela Merkel está há 10 anos no poder; antes dela, Helmut Kohl permaneceu por 16 anos como primeiro-ministro. Como no parlamentarismo caem tanto o congresso como o gabinete juntos, há um incentivo para que ambos trabalhem de uma forma conjunta para superar crises. O problema é quando as regras eleitorais levam a sistemas fragmentados e que dependem de coalizões com muitos pequenos partidos (o que ocorre em Israel, por exemplo).

    Por último, não faz sentido implantar o parlamentarismo “de baixo pra cima”. Voltando ao exemplo da Alemanha, os prefeitos são eleitos diretamente, e o equivalente à “câmara de vereadores” é muito mais um conselho consultivo do que um ente com os poderes que tem aqui no Brasil. Isso parte do diagnóstico que não faz sentido usar o mesmo sistema político para as administrações local e a federal, em que o escopo das políticas públicas é muito diferente. Mais um erro grotesco do modelo brasileiro atual, que gasta uma montanha de dinheiro em vereadores que, na maioria das vezes, mais atrapalham do que ajudam na condução dos governos municipais.

    1. Parabéns

      É assim que se faz o contraponto a sofismas e falácias: com a realidade.

      Repare que seu banho de realidade no assunto foi de tamanha grandeza que interditou o debate sofismático.

      A resposta do autor ao seu contraponto, até pela falta de argumentos, não poderia vir de outra forma senão com mais uma falácia.

  4. O chefe por indicação politica é o grande problema nos órgãos

    Para quem não conhece a administração pública acho importante explicar que nos órgão públicos só se altera regras e compra qualquer material com autorização de chefes. E esses cargos de chefias são normalmente ocupados por pessoas com indicação politica interessados em manter o “status quo”, i.e. também importante p/ mostrar que os “concurseiros” não são os responsáveis pelas maiorias das falhas existentes no serviço público, pois são meros servidores sem cargos de chefia.

    A partir de experiência em serviço público estadual, vejo que a maioria do ocupantes dos cargos de chefia deveriam ter mandato (removendo-o só por incompetência ou improbidades) que terminasse no fim do governo e escolhidos por bom processo seletivo.

    Os cargos de secretário de estado e seus subordinados diretos (cargo de chefia ou assessoria) deveriam continuar sendo de livre nomeação e exoneração, pois suas decisões não devem só seguir a lei e motivos técnicos, mas critérios políticos. Ex: 1 sub-secretário pode aprovar orçamento para áreas que aquele governo priorizar (ex: fiscalização) em detrimentos de outras áreas que não forem prioridade (ex: prevenção).

    Aproveitando, conheço estado que possui 5 cargos de chefia (Secretário de Estado, Secretário Adjunto, Superintendente, Coordenador e Gerente (facultativo). Será que no Brasil deveria ser obrigado a ter até 6 cargos de chefia?

    Abraço!

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