De acordo com a campanha Despejo Zero, ameaças ou despejos de famílias no campo e na cidade aumentaram 900% desde 2020. Na cidade de Paulista, no Grande Recife, onde nesta sexta-feira (7) um prédio ocupado desabou, 649 famílias estão ameaçadas de despejo.
Sobre o desastre, em boletim divulgado às 15 horas, o Corpo de Bombeiros informou que chegou a 20 o total de vítimas do desabamento. Três pessoas morreram e outras três foram resgatadas com vida: uma adolescente de 15 anos, um jovem de 19 anos e uma mulher de 65 anos.
Do total, dez estão desaparecidas, sendo dois homens e duas mulheres, além de seis crianças e adolescentes. Quatro homens, de 16, 17, 21 e 22 anos, foram encontrados com vida fora da edificação, e tiveram ferimentos leves.
No Brasil, são 253.492 ameaçadas de despejo e 38.939 despejadas em 1449 conflitos de posse. São pessoas como as vítimas sob os escombros do prédio ocupado no Grande Recife: sem rumo e sem casa, preferem ocupar uma habitação interditada a permanecer na rua.
Ameaça de despejo
São mais de 1 milhão de pessoas ameaçadas por despejos coletivos no campo e na cidade, apenas entre as situações que foram mapeadas pela Campanha Despejo Zero. Esse contingente populacional se desloca pelos centros urbanos e busca refúgio em habitações condenadas ou propriedades sem função social.
A moradia poderia ser um potencial para o país superar a desigualdade fortalecendo a economia, a sociedade e as políticas ambientais. Porém, tornou-se um problema com escalas mortíferas e geradora de conflitos sociais graves, quando pelo direito milhares de famílias deixam de calcular riscos.
Perfil das famílias
As famílias são de trabalhadores informais e chefiadas por mulheres, em sua maioria negras. A crise da moradia afeta cada vez mais famílias e é puxada pelo fato de que grande parte da renda é usada com aluguéis; famílias que chegam a comprometer 30% ou mais com este gasto.
Inflação, desemprego, fome, ampliação do trabalho precário: a realidade do aluguel se tornou aterradora, assustadora. Tem que comprar comida. A gente acha que uma política de locação social, governo federal, estadual e municipal de pegar esses imóveis vagos, colocar nas mãos do Poder Público, revitalizar.
“Inflação, desemprego, fome, ampliação do trabalho precário: a realidade do aluguel se tornou aterradora, assustadora. Tem que comprar comida, que está cara. A gente acha que uma política de locação social, associando governo federal, estadual e municipal para pegar esses imóveis vagos, colocar nas mãos do Poder Público, revitalizar”, diz Rud Rafael, do Movimentos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Teto (MTST).
Tragédia associada a quadro nacional
Para Rud, não dá para desassociar a tragédia no Grande Recife do cenário exposto pela campanha Despejo Zero. Entre 2017 e 2022, as políticas públicas de habitação foram distorcidas e acabadas.
Michel Temer e Jair Bolsonaro governaram preocupados com as demandas da iniciativa privada. Colocaram fim às políticas públicas de regulação do solo, de moradia popular, como Minha Casa, Minha Vida, inclusive também à prevenção de riscos e desastres ocasionados por eventos climáticos extremos.
Há um ano, bancos e instituições financeiras deram mais um passo para poderem penhorar o único imóvel de uma família para quitar dívidas. A Câmara Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) 4188/2021, de autoria do governo de Jair Bolsonaro, que garante tal possibilidade. O PL está parado no Senado.
O Ministério das Cidades também foi extinto pelo governo anterior, alegando que se tratava apenas de gastos de dinheiro público. Ato contínuo, o Minha Casa, Minha Vida teve um rebaixamento orçamentário jamais visto que o inviabilizou enquanto política pública de habitação.
“Bolsonaro zerou o recurso para a Faixa 1 (do Minha Casa, Minha Vida), de 0 a 3 salários mínimos. Não houve produção de moradias para essa faixa. Por tudo isso, há a necessidade de restituir a lógica da política habitacional como garantia de moradia à população mais pobre”, explica Rud.
O que se pode fazer
As mais de 175 entidades reunidas na Campanha Despejo Zero mantiveram interlocução com o governo de transição para levar as principais reivindicações relacionadas a estas milhares de pessoas no campo e na cidade em permanente insegurança habitacional em face dos latifúndios rurais e urbanos.
Por exemplo, visando atender a famílias como as envolvidas no desabamento de Paulista, elaborar cadastro das áreas públicas federais, estaduais e municipais de administração direta e indireta para verificar a viabilidade de utilização para fins de habitação de interesse social e regularização fundiária.
Para o integrante do MTST, é importante sempre ressaltar que se faz necessária uma política pública para assim garantir direitos e não produzir mercadorias para obtenção de lucro. Mas a moradia só existe integrada à cidade, “então é necessário pensar na infraestrutura das cidades também”, opina.
Moradia integral
“O desafio é o de estruturar uma política de moradia integral que tenha a responsabilização dos três entes. Planos diretores, outorga onerosa, instrumentos que a população não conhece, mas fundamentais para garantir a função social desses imóveis”, explica Rud.
Para ele é preciso também uma maior destinação de recursos para infraestrutura a partir do governo federal, mas com o compromisso dos governos estaduais e municipais. “Planos locais de habitação social, com constituição de fundos, e com o envolvimento dos movimentos sociais”, completa.
No caso do Minha Casa, Minha Vida, a participação dos movimentos e organizações sociais ajudou o programa a ter ou retomar subsídios como o verde, subsídio de qualificação, que garante fortalecimento do viés da geração de renda e equipamentos públicos.
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