Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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A gesta de Canudos (1), por Tebni Pino Saavedra

“Resgatar a memória de Antônio Conselheiro e a história de Canudos, para nós, é muito mais um compromisso de honra"

Padre Enoque de Oliveira

no Observatório de Geopolítica

A gesta de Canudos (1)

por Tebni Pino Saavedra

Bendegó, 40 graus à sombra. Última parada a caminho de Canudos, após mais de duas horas de Euclides da Cunha e oito de Salvador. As nuvens cinzentas em momento algum teriam a ousadia de despejar a chuva, como cumprindo à risca a tradição da seca que há anos assola a região. Em meio a bodes e jegues, passo lento atravessando as ruas empoeiradas, o povo nordestino observa curioso a caravana de romeiros, artistas, intelectuais e padres que, tal como acontece há sete anos, se reúne nas margens do açude de Cocorobó, muda testemunha de uma tragédia que consumiu 25 mil almas no maior massacre coletivo contra a comunidade de Belo Monte, na cidade de Canudos, hoje coberta pelas águas.

À frente do grupo de visitantes, a figura miúda do Padre Enoque de Oliveira se destaca pela vivacidade para organizar, ensaiar cânticos, conceder entrevistas à imprensa estrangeira e acertar os últimos detalhes de uma jornada de comemorações que a cada ano atrai mais turistas, curiosos e pessoas interessadas em conhecer de perto a história de Antônio Conselheiro, contada pelos filhos dos protagonistas da saga que comoveu o Brasil dos primeiros anos da República.

Esta vez, porém, uma única tradição foi rompida. A celebração das comemorações nos dias 13 e 14 de outubro de 1990 e não no dia 5, em virtude das eleições, impedindo com a mudança o comparecimento de figuras já tradicionais na festa, como são os grandes nomes da música nordestina: Xangai, Elomar, Vital Faria, Geraldo Azevedo, Gilberto Gil e outros que, entretanto, enviaram suas saudações e pedidos de desculpa. Não menos famosos, contudo, foram até Canudos prestar sua homenagem: Amelinha, Gereba, Pingo de Fortaleza, Valmir Rocha, Tato Lemos, Paulinho Jequié, Jorge Papapá, Alberto e Joilson, Marcelo, “cantadores” comprometidos com o Movimento Histórico de Canudos, dispostos a enfrentar poeira e “muriçocas”, calor e sede e, principalmente, compartilhar do humor debochado e alegre do já famoso “Bujão”, uma espécie de rei bufo, cuja alegria contagiante serviu de oxigênio aos desacostumados pulmões forasteiros quando o calor parecia asfixiar e a boa cerveja começava a se esgotar.

“Resgatar a memória de Antônio Conselheiro e a história de Canudos, para nós, é muito mais um compromisso de honra, um momento de reflexão na longa história de lutas do povo do nordeste”, diz o padre Enoque, diante o qual até a cúpula do clero se levanta para protestar. Acontece que a Igreja Popular, da que fazem parte a maioria dos participantes da cerimônia – incluindo o sacerdote – não é bem vista pela superestrutura da igreja na medida em que sua proposta visa, principalmente, questionar o papel desta na questão da luta pela terra, não apenas há cem anos, quando de Canudos, como na atualidade.

Ameaçado de morte, impedido de andar sozinho em alguns lugares da região e em Euclides da Cunha, onde mora, o Padre Enoque não aceita, porém, recuar em suas posições. “Não dependo do clero para fazer o que preciso – frisa. A ditadura militar não as fez recuar e não vejo por que deveria aceitar uma imposição de alguém que anda com o evangelho na mão, seja ele quem for”.

As acusações contra o sacerdote, contudo, não param por aí. Há os que se atrevem a criticá-lo por fanatismo religioso, como fizeram um século antes com Antônio Conselheiro. “Tem gente que argumenta o fato de eu ser cearense como Conselheiro”, alega Enoque, tentando com isso envolve-lo numa suposta imitação que iria além da simples participação na Igreja Popular. Impedido de celebrar a eucaristia, o número de seguidores devota por ela uma fé que não é cega.

Tebni Pino Saavedra – Jornalista (Fac. Cásper Líbero). Correspondente para meios do Brasil e Europa

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