Do Gramofone ao Rádio e TV, a pré-história cultural brasileira

Jornal GGN – O livro de José Ramos Tinhorão, Do Gramofone ao Rádio e TV, publicado na década de 80, não foi bem recebido. As críticas do autor à Bossa Nova e ao Tropicalismo marcavam sua imagem. Mas o livro é uma pesquisa extensa e rigorosa. E agora ganha uma nova edição.

Enviado por Gilberto Cruvinel

Crítica: Reedição de Tinhorão traz ‘pré-história’ cultura do país

Por Nelson de Sá

Da Folha de S. Paulo

Quando “Música Popular – Do Gramofone ao Rádio e TV” foi publicado em 1981, não foi recebido como merecia. Seu autor, José Ramos Tinhorão, estava deixando a crítica jornalística naquele momento, mas sua imagem era ainda marcada por décadas de ataques à Bossa Nova e ao Tropicalismo.

Embora marxista, Tinhorão vinha questionando desde os anos 50 quase tudo o que se relacionasse culturalmente ao “partidão”, o PCB. É célebre a denúncia que fez contra o “Opinião”, espetáculo de Vianinha, Boal e outros, com Nara Leão, por “apropriação da cultura popular pela classe média”.

Mas o que se estabeleceu com o livro foi outro Tinhorão. Ele já vinha publicando obras de pesquisa extensa e rigorosa, embora não acadêmica. Com “Do Gramofone ao Rádio e TV”, lança os fundamentos para uma história da indústria cultural brasileira.

Ainda que tomando como pano de fundo a música popular, o que importa no livro, como ele escreve em nota na nova edição, é que foi “uma primeira notícia sobre as relações da tecnologia com os modernos meios de divulgação de sons e imagens da era industrial”.

Quando “Música Popular – Do Gramofone ao Rádio e TV” foi publicado em 1981, não foi recebido como merecia. Seu autor, José Ramos Tinhorão, estava deixando a crítica jornalística naquele momento, mas sua imagem era ainda marcada por décadas de ataques à Bossa Nova e ao Tropicalismo.

Embora marxista, Tinhorão vinha questionando desde os anos 50 quase tudo o que se relacionasse culturalmente ao “partidão”, o PCB. É célebre a denúncia que fez contra o “Opinião”, espetáculo de Vianinha, Boal e outros, com Nara Leão, por “apropriação da cultura popular pela classe média”.

Mas o que se estabeleceu com o livro foi outro Tinhorão. Ele já vinha publicando obras de pesquisa extensa e rigorosa, embora não acadêmica. Com “Do Gramofone ao Rádio e TV”, lança os fundamentos para uma história da indústria cultural brasileira.

Ainda que tomando como pano de fundo a música popular, o que importa no livro, como ele escreve em nota na nova edição, é que foi “uma primeira notícia sobre as relações da tecnologia com os modernos meios de divulgação de sons e imagens da era industrial”.

Diante de smartphones e internet, trata-se de uma “pré-história”, avisa Tinhorão com inusitada modéstia. Na verdade, o livro desenha uma trajetória que pode ser estendida até os dias de hoje e ajuda a compreender como se chegou à prostração tecnológica e cultural.

Uma de suas revelações, bem documentada, é a longa disputa do mercado brasileiro pelas invenções americanas e europeias. Tudo começa com uma demonstração do fonógrafo de cilindro em Porto Alegre, em 1879, dois anos após sua criação pelo americano Edison.

Nos anos 1890, quando começa a comercialização dos fonogramas de música brasileira no Rio, Edison ganha a concorrência do francês Lioret. Fim dos anos 20, o mercado está inteiramente dominado pela alemã Odeon e pelas americanas Victor e Columbia.

O passo seguinte é o rádio. Apesar do pioneirismo nacional de Landell e depois Roquette-Pinto, muito do confronto tecnológico –com influência sobre os formatos de conteúdo, inclusive publicidade– será entre americanos como a Westinghouse, que faz “o lançamento do rádio no Brasil” em 1922, e europeus como a Philips.

É quando nascem os programas de auditório e os concursos de calouros, inspirados em emissoras de Nova York e que permitiram “o povo no palco”, como saúda Tinhorão, que dedica a maior parte do estudo ao rádio.

O passo final no livro é a TV, que chega ao Brasil pelas mãos da alemã Telefunken, com transmissão experimental em 1939, diante de Getúlio Vargas e do diretor dos Correios e Telégrados da Alemanha nazista. Cantaram então Francisco Alves, Dalva de Oliveira, Marília Batista.

Com a guerra, a TV foi adiada por uma década, ressurgindo em demonstração da americana GE e, em seguida, na parceria da americana RCA com Assis Chateaubriand, da Tupi. Começa então, escreve Tinhorão, “a ruptura definitiva entre a produção de cultura a nível popular e a capacidade de divulgá-la”.

MÚSICA POPULAR: DO GRAMOFONE AO RÁDIO E TV
EDITORA 34
QUANTO R$ 44 (272 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo 

Redação

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  1. Os pioneiros do rádio foram do Recife

    “O passo seguinte é o rádio. Apesar do pioneirismo nacional de Landell e depois Roquette-Pinto, muito do confronto tecnológico –com influência sobre os formatos de conteúdo, inclusive publicidade– será entre americanos como a Westinghouse, que faz “o lançamento do rádio no Brasil” em 1922, e europeus como a Philips.”

    Tinhorão e Nelson Sá não pesquisaram com ciência e método a história do  rádio no Brasil. Se tivessem pesquisado, saberiam que a primeira rádio de toda a América Latina foi a Rádio Clube de Pernambuco, fundada em 1919. Em dúvida, acompanhem aqui em 

    http://www.pe-az.com.br/editorias/comunicacao/333-radio-clube

    “Rádio Clube

    Mais antiga emissora de rádio do Brasil, fundada, no Recife, em abril de 1919, por um grupo de estudantes de engenharia, empresários e intelectuais (liderados por Antônio Joaquim Pereira) e que tinha como objetivo inicial “desenvolver experiências com telegrafia sem fio”.

    A sede provisória da entidade foi a Escola de Eletricidade do Recife, em Ponte D’Uchoa, onde foi montada uma estação experimental de rádio que entrou em funcionamento de forma precária.

    Em 1920, já sob orientação de Oscar Moreira Pinto, a emissora passou a funcionar em sua nova sede, à Av. Cruz Cabugá, também no Recife. Em 1934, o maestro Nelson Ferreira assume a direção artística da emissora.

    A 08/09/1950, a Rádio Clube inaugura seu mini-auditório de luxo, com 200 poltronas, numa festa que contou com a participação, entre outros, do ator José Mojica.

    Em 1952, já integrada à cadeia de Emissoras e Diários Associados, comandada por Assis Chateaubriand, inaugurou seu novo auditório com 2.000 lugares, o maior do Nordeste à época.

    Ao longo dos anos, em sua variada programação (musicais, radionovelas, etc.), pela emissora passaram nomes famosos no Brasil e internacionalmente. São exemplos: Tito Schipa, Jean Sablon, Pedro Vargas, Villa Lobos, Madalena Tagliaferro etc., além dos pernambucanos Antônio Maria, Luiz Bandeira, Chacrinha e outros.

    Por muito tempo, o slogan da emissora foi ‘Rádio Clube de Pernambuco, PRA-8, Aqui Começa a História da Radiofonia na América Latina’. Pertence, atualmente, à cadeia de Emissora e Diários Associados”.

    Pertencia, porque o jornalista Ruy Sarinho atualizou a informação aqui   http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed784_alo_nordeste!__mataram_a_radio_clube_de_pernambuco

    “‘Alô, Nordeste!’: mataram a Rádio Clube de Pernambuco

    Por Ruy Sarinho em 04/02/2014 na edição 784

    Atenção, esta notícia deveria sair nas páginas policiais: “Morte anunciada. Acabam de matar a Rádio Clube de Pernambuco, a PRA 8!”

    Choram as ondas do rádio.

    A gula insaciável pelo poder, pelo dinheiro e pela manutenção do monopólio da comunicação brasileira, que alimenta o clã Marinho, decretou o dia 3 de fevereiro de 2014 como o dia da morte da Rádio Clube de Pernambuco, a primeira emissora de Rádio do Brasil e da América Latina. Um assassinato da cultura, da história do rádio, por cabeças inescrupulo$as.

    A partir desta data, quem sintonizar a frequência AM de 720 KHz não vai mais ouvir as vinhetas da Clube e sim da globalizada Rádio Globo, uma emissora que impõe uma programação pasteurizada país afora. A Globo vai na contramão do rádio, que tende a revalorizar as programações locais, regionais, com a cara de cada região e não essa coisa insossa de programação em rede que tentaram difundir mundo afora a partir da globalização neoliberal made in Tio Sam. Com finalidade de acabar com as culturas e identidades locais.

    A saída do ar da Rádio Clube de Pernambuco, a PRA 8, é um crime.

    Que mudasse de mão, mas continuasse Rádio Clube de Pernambuco.

    Uma emissora de rádio antes de ser uma propriedade de empresários gulosos e espertos é uma concessão pública que deveria ter como principal finalidade o serviço público ao seu ouvinte, com objetivos educativos, sociais e de defesa dos direitos humanos. E cultura local é direitos humanos.

    Certas estão a Argentina e a Venezuela, que criaram suas leis para controlar as empresas de comunicação de seus países, que, como no Brasil ainda hoje, eram manipuladas e pautadas pelos EUA.

    E isto feito na Argentina e Venezuela nunca foi, e nem será, censura.

    Sou jornalista provinciano, mas nunca me prostituí, nunca vendi a minha pena, os meus princípios, e defendo esse controle da mídia.

    Censura é o que fazem esses donos da comunicação no Brasil, com seus monopólios, que sempre conseguiram eleger quem queriam, até antes da chegada da internet.

    Em Pernambuco, teve colunista que se demitiu de um grande jornal da capital por não se submeter às ordens do patrão, tido como democrata, que proibia qualquer crítica a um então governador que hoje não passa de um político morto, apesar de estar com mandato na mão. Isto é que é censura e acontece também na telinha da Globo e jornalões diariamente.

    Até agora, não ouvi um único parlamentar pernambucano protestar contra o enterro precoce da Rádio Clube de Pernambuco, o que é lamentável.

    É verdade que a emissora vem de longo processo de decadência, com dirigentes e comandos incompetentes, ou mal intencionados. Muita gente se fez às custas da Rádio Clube. “Gente de bem”, de paletó e gravata, os chamados “empreendedores”. Enquanto a rádio foi indo ao fundo do poço.

    Mas nada justifica a morte anunciada da emissora da Rua do Veiga.

    Por que nós, brasileiros, e pernambucanos em particular, negamos a nossa memória, cultural e histórica?

    Parece que temos vergonha de guardar para sempre o que foi construído no passado, amparados numa falsa e burra modernidade, que não passa de falta de cultura característica de uma elite econômica e política deseducada. Burra. Ou colonizada, propositadamente treinada para não preservar as nossas raízes, a nossa identidade, sob o preconceituoso, e excludente discurso de uma tal meritocracia.

    A mais recente vítima dessa falta de memória chama-se Rádio Clube de Pernambuco, a PRA 8, o “Canhão do Nordeste”, que com os seus 100 Kw de potência varreu o Nordeste, e o Brasil e o mundo – através das suas ondas curtas – até algumas décadas atrás, com um rádio de sotaque genuinamente pernambucano, nordestino, como a alma de nossa gente.

    A Rádio Clube de Pernambuco foi escola do rádio brasileiro. Mestres da comunicação, como Chico Anysio, por exemplo, iniciaram seu sucesso profissional nos seus microfones, aqui em Pernambuco. O título desta despedida-denúncia é uma marca que faz história, o programa “Alô, Nordeste!”, comandado por Elias Lourenço, que liderou durante muitas décadas a audiência das madrugadas nordestinas e que foi afastado anos atrás porque um idiota de Brasília que veio (des)comandar a emissora o considerou velho e ultrapassado. Hoje, Elias Lourenço continua fazendo sucesso nas madrugadas pela Rádio Folha FM e do incompetente que o demitiu não se sabe nem o nome. Deve ser um desses tais “empreendedores” espertos e falantes que pululam por aí. Imagino a saudade e tristeza de Geraldo Leal, Elias Lourenço, Aldemar Paiva e tantos outros que vivenciaram por dentro a história da Rádio Clube.

    É de fazer chorar.

    Um pouco da história

    Há 95 anos no ar, a Rádio Clube de Pernambuco, a PRA 8, foi a primeira emissora de rádio do país e da América Latina, fundada em 6 de abril de 1919 por um grupo de amigos amadores liderados por Augusto Joaquim Pereira, com edital de criação publicado pelo Diário de Pernambuco. As primeiras instalações situavam-se no Parque 13 de Maio, passando em 1923, com a entrada de Oscar Moreira Pinto, a funcionar na Avenida Cruz Cabugá, com um pequeno equipamento de 10 watts que possibilitava a irradiação das suas ondas no centro da cidade e em alguns bairros do Recife. Esta façanha colocou Pernambuco no pioneirismo da radiodifusão no Brasil.

    A Rádio Clube de Pernambuco também deu o pontapé inicial no radialismo esportivo, realizando a primeira transmissão ao vivo no Norte-Nordeste, com a narração de um jogo feita pelo locutor Abílio de Castro, em 1931. A partir daí a emissora passou a liderar o jornalismo esportivo no rádio com a melhor aparelhagem técnica e maior potência de transmissão. Já nas décadas de 1960 e 1970, com equipe especializada, manteve liderança absoluta nas transmissões esportivas do Nordeste. Em 1936 sua potência já era de 50 Kw chegando tempos depois aos 100 Kw que a tornaram o “Canhão do Nordeste”, marca usada até os dias atuais. Ainda nesses anos a Clube já contava com um grande quadro de locutores, jornalistas, artistas e produtores que era responsável por uma programação popular que incluía radionovelas e programas de auditório. Até uma maravilhosa orquestra a emissora passou a ter com a contratação do genial Maestro Nélson Ferreira, que encantava Pernambuco e o Brasil.

    Outro marco da Rádio Clube de Pernambuco foi o “Repórter Esso”, surgido no país em 1941 e que um ano depois passou a ser transmitido pela nossa PRA 8 com os ouvintes ao pé do rádio para se informarem sobre tudo o que acontecia na Segunda Guerra Mundial. A partir de 1952 a Rádio Clube de Pernambuco passou para as mãos dos Diários Associados, empresa fundada pelo jornalista e empresário Assis Chateaubriand, responsável pela instalação da televisão no Brasil numa época em que se achava desnecessária essa inauguração da TV no país.

    ***

    Ruy Sarinho é jornalista, cidadão pernambucano e ouvinte da Rádio Clube”

     

     

     

     

  2. Tinhorão, 87 anos

    José Ramos Tinhorão completa 87 anos exatamente hoje. Quem quiser dar-lhe um abraço e ouvir suas histórias basta chegar logo mais a partir das 14 horas na Lanchonete Amélia, Rua General Jardim, 596, Vila Buarque  (ou Bar do Raí, esquina com a rua doutor Vila Nova), onde há muitos anos o irascível e divertido crítico/historiador/escritor/jornalista se “apresenta” religiosamente todos os sábados, para uma roda de amigos, um vinho e eventualmente muito samba. 

  3. Nos anos 70 ( da minha

    Nos anos 70 ( da minha adolescência) eu odiava este senhor!

    Nos anos 80 e 90 (da da revista bizz e a folhateen) eu senti

    muita saudade deste senhor.Como sempre o respeitei ..hoje eu

    menos ignorante e ainda discordando em muito ..penso:

    Que falta faz este senhor!

  4. Parabéns ao Tinhorão, que faz jus ao nome!

    Mesmo preconceituoso e dogmático, Tinhorão é o melhor pesquisador de música popular brasileira. Tenho muitos de seus preciosos livros. Discordo dele politicamente porque não acho que a merecida valorização da cultura popular dita “de raiz”, que vem dos mais pobres e humildes, tenha que levar à negação do que veio das classes médias e altas. Estas também produziram coisa muito boa, como se sabe. De todo modo, parabéns ao mestre, que também erra, como todo mestre, principalmente por conta de juízos peremptórios e dogmáticos.

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