Infraestrutura e Constituição: a promoção do bem-estar social

A Constituição Federal se refere ao termo “infraestrutura” em duas oportunidades: i) quando dispõe que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária (art. 21, XII, “c”); ii) e ao tratar dos monopólios da União no art. 177, em especial quando afirma que a lei que vier a instituir a contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível, deverá atender, dentre outros requisitos, a destinação dos recursos arrecadados ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes (art. 177, §4º, II, “c”).
 
Repare-se que o termo é empregado, nas duas ocasiões, de forma associada à denominação de alguns setores da infraestrutura (aeroportuária e transportes). Tal fato pode ensejar uma compreensão apressada: a infraestrutura tem seu campo de abrangência limitado constitucionalmente.
 
Não é o que a Constituição nos diz. Sob o prisma constitucional, infraestrutura é muito mais que do que isso. É preciso delimitar o que deve ser compreendido por infraestrutura.
 
Com efeito, o termo infraestrutura é equívoco, apresentando, portanto, mais de um sentido. É o que logo se evidencia com a simples leitura dos significados apresentados pelos dicionários. Veja-se:
 
Dicionário Houaiss
“1. Suporte, ger. escondido ou invisível, que é base indispensável à edificação, à manutenção ou ao funcionamento de um estrutura concreta ou abstrata, visível ou percebida racionalmente 2. FIL no, o conjunto das relações econômicas de produção que, no decorrer da história humana, tem servido de base às diversas formas de pensamento e sentimento, e à organização jurídica, cultural ou política das sociedades (a superestrutura) cf. superestrutura (FIL) 3 URB sistema de serviços públicos de uma cidade, como rede de esgotos, abastecimento de água, energia elétrica, coleta de águas pluviais, rede telefônica, gás canalizado”.[1]
 
Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Letras das Ciências de Lisboa
“1. Parte inferior de uma estrutura. Infra-estrutura de um navio. Infra-estrutura de uma avião. 2. Base de uma edificação; parte de uma construção que está abaixo do solo. ≈ ALICERCES. Infra-estrutura de um prédio. 3. Conjunto de elementos que formam as fundações, as bases de suporte de uma entrada, de uma via férrea… 4. Conjunto de elementos, de instalações ou serviços considerados necessários, básicos para a criação e funcionamento de uma organização. 5. Econ. Conjunto de elementos estruturais da economia de um país que facilitam a produção de bens e serviços. As estradas, as vias ferroviárias, os portos, as telecomunicações são algumas das infra-estruturas indispensáveis ao desenvolvimento de um país. 6.  Filos. e Hist. Organização econômica da sociedade, que constitui a base e é constituída, essencialmente, pelas forças produtivas, materiais e humanas, e, secundariamente, pelas relações de produção, classes, instituições…, no materialismo de Marx.”.[2]
 
Novíssimo Dicionário de Economia 
“Conjunto de instalações e equipamentos empregados na extração, transporte e processamento de matérias-primas essenciais, nos meios de treinamento da força de trabalho, e na fabricação extrativa mineral, ferrovias, rodovias, navegação, siderurgia, metalurgia de não-ferrosos, indústria energética e mecânica. Na concepção marxista, infra-estrutura designa a base econômica da sociedade, o modo de produção dominante e, mais especificamente, o conjunto das relações de produção. Essa infra-estrutura econômica determina a superestrutura político-social historicamente correspondente.”[3]
 
Dicionário de Administração
“Sustentação básica de uma estrutura. Suporte material de apoio e garantia ao funcionamento de um complexo de atividades. Conjunto de meios capazes de oferecer condições para a realização do trabalho de um organismo.”[4]
 
Dicionário Jurídico
Parte inferior de uma estrutura. Base material ou econômica de uma sociedade ou de uma organização.[5] 
 
Percebe-se que as concepções apresentadas são bastante variadas. Cabe aqui a consideração de Lucas de Moraes Cassiano Sant’Anna, que analisa os conceitos apresentados por alguns dicionários: “o elemento comum é identificação por meio de serviços e atividades essenciais, que estão na base da economia de qualquer sociedade moderna, com influência direta nas condições de vida da população e no crescimento econômico. O setor de infra-estrutura está ligado, assim, às prestações estatais das necessidades intrínsecas da população, o que pode ser classificado ou não como um serviço público, dependendo da definição que se adota ao termo jurídico”.[6]
 
Nesse contexto, cabe mencionar pesquisa coordenada pelos Institutos de Economia da UFRJ e da UNICAMP, realizada com o apoio financeiro do BNDES, denominada Projeto PIB (Perspectivas do Investimento no Brasil), sob coordenação geral de David Kupfer, a qual traça um amplo panorama sobre a dinâmica global dos investimentos e as tendências do investimento no Brasil. As sínteses dos estudos realizados resultaram em cinco títulos, sendo o volume número 1 dedicado às perspectivas do investimento em infraestrutura, o qual nos interessa mais diretamente.[7]
 
Sobre o conceito do termo infraestrutura, a pesquisa constata que “na literatura econômica, não existe um consenso com relação ao emprego do termo infraestrutura, mas, de um modo geral, o conceito corresponde às instalações e equipamentos físicos, estruturas organizacionais e institucionais, ou fundações econômicas e sociais para a operação da sociedade. Dentro dessa concepção geral, a infraestrutura social (isto é, saúde e educação) pode ser distinguida da infraestrutura econômica”.Também evidencia que o investimento em infraestrutura resulta em amplas melhorias sociais: “Sem dúvida, a disponibilidade de amplas redes infraestruturais de energia, transportes, telecomunicações, saneamento e outras é indispensável para o desenvolvimento sustentado de uma economia, constituindo condição geral para a produção e para a reprodução social. Do ângulo analítico macroeconômico, o gasto público sob a modalidade de investimento infraestrutural é componente autônomo na determinação da demanda global e contribui para a formação de expectativas favoráveis em longo prazo pelos agentes econômicos privados. (…) Do ângulo analítico distributivo, cabe salientar que a disponibilidade universal de redes infraestruturais atende aos objetivos de justiça social. O conjunto de direitos para a verdadeira cidadania do século XXI não pode deixar de incluir os direitos à moradia, ao saneamento básico e saúde, com água potável e segurança alimentar; direito à educação; acesso à energia elétrica; direito à mobilidade; inclusão digital”.
 
É claro, assim, que a infraestrutura deve ser pensada como condensadora de duas ideias fundamentais: investimento econômico e desenvolvimento social. Em outras palavras, infraestruturas econômica e social são como que dois lados de uma mesma moeda. Ao Estado cumpre direcionar os investimentos públicos em obras de infraestrutura que tragam, de forma irrefutável, resultados sociais positivos.
 
Não há como ser de outra forma diante das normas constitucionais. O artigo 3º da Constituição Federal dispõe que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I) construir uma sociedade livre, justa e solidária; II) garantir o desenvolvimento nacional; III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
 
Ora, a partir desse artigo, pelo menos três bens coletivos protegidos constitucionalmente podem ser apontados: uma sociedade livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional e o bem de todos. A estes poderiam se somar outros, como a existência digna, protegida pelo artigo 170, caput, da Constituição, quando trata da Ordem Econômica, ou ainda, o bem estar e justiça sociais, previstos no artigo 193, que cuida da Ordem Social.
 
Assim, pode-se eleger o bem-estar social como o bem coletivo constitucionalmente protegido que condensa todos os outros bens sociais (sociedade livre, justa e solidária; desenvolvimento social, vida digna etc.).
 
Dessa forma, a infraestrutura, sob o prisma da Constituição, deve ser pensada como a instituição de políticas governamentais, investimentos públicos, que promovam o bem-estar social.
 
João Paulo Pessoa é membro do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (Ibeji) e advogado em São Paulo.
 
 
[1] Houaiss, Antônio; Villar, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

[2] Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Letras das Ciências de Lisboa. II Volume, G-Z, p. Editorial Verbo, 2001, p. 2102/2103.

[3] Sandroni, Paulo. Novíssimo Dicionário de Economia. Best Seller, São Paulo: 2000, p. 303.

[4] Duarte, Geraldo. Dicionário de Administração. Conselho Regional de Administração do Ceará. Fortaleza: Realce Editora, 2005, p. 319.

[5] De Plácido e Silva. Dicionário Jurídico. 26ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 739.

[6] Lucas de Moraes Cassiano Sant’Anna. O federalismo e o financiamento de infra-estrutura – A experiência do setor de infra-estrutura de transporte rodoviário. In: Interesse Público, ano 10, n. 49, maio/jun. 2008. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 143. O autor apresenta os conceitos dos seguintes dicionários: Houaiss, Michaelis e Dicionário de engenharia rodoviária e logística.

[7] (Perspectivas do Investimento no Brasil, Helder Queiroz Pinto Junior (Coord.), Cláudio S. Maciel, Ronaldo Bicalho, Saul R. Quadros – Rio de Janeiro: Synergia: UFRJ, Instituto de Economia; Campinas: UNICAMP, Instituto de Economia, 2010. Projeto PIB – Perspectiva do Investimento no Brasil; v.1).

Redação

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