Observatorio de Geopolitica
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Como judeus antissionistas da América Latina se posicionam contra a guerra de Israel na Palestina

Coalizões de judeus pró-Palestina na Argentina, Brasil e México se consolidaram após 7 de outubro

Imagem fornecida ao Arab News

no Ópera Mundi

Como judeus antissionistas da América Latina se posicionam contra a guerra de Israel na Palestina

por Eduardo Campos Lima

Arab News

A guerra em Gaza gerou reações sem precedentes na América Latina, com a consolidação de amplas coalizões pró-Palestina.

Como parte de tais movimentos, países como o Brasil, a Argentina e o México viram o surgimento de grupos judeus anti-sionistas, formados por ativistas que rejeitam a sua educação sionista.

Na Argentina, país latino-americano com a maior comunidade judaica – estimada em pelo menos 200.000 pessoas –, a organização Judeus pela Palestina está ativa desde 2021, mas ganhou impulso durante o conflito atual.

“Há poucas vozes anti-sionistas na Argentina. A maioria dos jornalistas que costumavam criticar Israel foram silenciados pelo lobby sionista na mídia”, disse Ivan Zeta, membro do grupo, ao Arab News, acrescentando que o poder das instituições sionistas é alto na Argentina, por isso muitos judeus pró-Palestina são obrigados a usar pseudônimos para evitar a perseguição, como ele fez.

“O atual governo (liderado pelo presidente de direita Javier Milei) está totalmente alinhado com Israel”.

Embora tenha nascido e criado como católico romano, Milei tem estudado a Torá e declarou em diversas ocasiões sua intenção de se converter ao judaísmo. Sua primeira viagem internacional como presidente da Argentina foi para Israel.

Zeta disse que a crise econômica de 2001 levou muitos judeus argentinos a se mudarem para Israel. Esse processo fortaleceu ainda mais os laços entre a comunidade judaica da Argentina e o país.

“Conhecemos pessoas que costumavam criticar a posição de Israel em relação aos palestinos, mas devido ao fato de terem familiares lá, temiam pelas suas famílias no 7 de Outubro (quando o Hamas atacou Israel) e aceitaram parcialmente a ideia de que os israelenses são os vítimas agora”, disse Zeta, que também tem familiares que moram em Israel.

Uma de suas primas distantes está entre os israelenses sequestrados pelo Hamas.

“Isso não me afeta diretamente porque não a conheço, mas parte da minha família apoia uma ofensiva israelense mais forte contra os habitantes de Gaza por causa do sequestro dela, e eu tive conflitos com eles”, disse Zeta.

Brigas familiares são comuns para a maioria dos membros do Judeus pela Palestina. Alguns deles até tiveram que cortar relações com todos os seus familiares após assumirem uma posição pró-Palestina.

Seus colegas tentam ajudá-los e dar-lhes apoio psicológico, disse Zeta, acrescentando que o abuso verbal também é comum nas redes sociais.

O grupo – formado por mais de 50 ativistas, a maioria de Buenos Aires – foi recebido com entusiasmo por outros movimentos pró-Palestina, a maioria deles compostos por pessoas de ascendência árabe e de esquerda.

“Eles estão gratos pela nossa presença. Conosco lá, marchando lado a lado com eles, há menos acusações de anti-semitismo contra eles”, disse Zeta.

No Brasil, um grupo chamado Vozes Judaicas por Libertação, formado em 2014, foi galvanizado desde o início do conflito atual.

“Esses membros iniciais reuniram-se novamente durante as marchas pró-Palestina no final de 2023. Agora estamos bem organizados, com reuniões semanais e diversas atividades”, disse Daniela Fajer, membro da organização, ao Arab News.

Cerca de 30 judeus brasileiros estão diretamente envolvidos na rede, principalmente em São Paulo. No Rio de Janeiro, existe outro movimento judaico anti-sionista.

“Desde que divulgamos uma declaração em defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (que foi condenado pelos sionistas depois de criticar as operações militares de Israel e comparar o assassinato em massa de palestinos ao Holocausto), mais e mais pessoas têm se interessado em se juntar a nós, disse Fajer.

O Vozes Judaicas faz parte da Frente Palestina em São Paulo e ajuda o comitê a organizar marchas e atividades públicas pró-Palestina.

“A maioria dos membros teve educação sionista e visitou Israel durante a escola. A maioria teve que romper com parentes sionistas. Hoje em dia só falo com metade da minha família”, disse ela ao Arab News.

Alguns ativistas inclusive trabalharam como professores em escolas judaicas e perderam seus empregos devido às críticas a Israel.

A comunidade judaica tem atacado continuamente o grupo nas redes sociais. “Eles nos insultam e nos chamam de traidores. É como se não pudéssemos ser judeus e anti-sionistas”, disse Fajer.

O jornalista brasileiro Breno Altman sabe bem quão forte pode ser a pressão sionista. Filho de um anti-sionista de esquerda, ele viu quando o carro do seu falecido pai foi incendiado em 1982, durante um protesto contra os massacres de refugiados palestinos em Sabra e Shatila.

“Meu pai estava liderando uma manifestação quando o ataque aconteceu. Os criminosos nunca foram identificados, mas suspeitamos que fossem sionistas de extrema direita”, disse Altman ao Arab News.

Desde outubro, ele denuncia continuamente as atrocidades cometidas por Israel em Gaza. O site que fundou anos atrás, Opera Mundi, é hospedado por um importante portal de notícias brasileiro e divulga opiniões críticas sobre a operação israelense – algo que a imprensa do país sul-americano geralmente falha em fazer.

Altman foi alvo de uma campanha de ódio e está sendo processado por uma instituição judaica no Brasil por seus comentários. Ele também recebeu ameaças nas redes sociais, incluindo ameaças de morte.

“Preenchi um boletim de ocorrência sobre uma ameaça descoberta por um site de notícias. Eles disseram que queriam cortar meus dedos e quebrar meus dentes”, disse Altman.

No entanto, ele pensa que cada vez mais pessoas, incluindo judeus, estão conscientes do “genocídio perpetrado em Gaza e dos problemas do sionismo”.

Ele acrescentou: “Os grupos de judeus anti-sionistas ainda são uma minoria, mas têm conseguido expressar com sucesso as suas posições dissidentes nas redes sociais”.

Altman publicou recentemente um livro chamado Contra o Sionismo: Retrato de uma Doutrina Colonial e Racista (Editora Alameda), e tem viajado para lançá-lo em diversas cidades.

“Muitos estudantes estão participando dos eventos. Alguns judeus me disseram coisas como: ‘Eu costumava ser sionista, mas mudei de ideia depois de ver seus comentários’”, disse ele.

No México, onde vivem cerca de 60.000 judeus, o movimento sionista não é tão forte como no Brasil e na Argentina, disse Enrique Rajchenberg, membro dos Judeus pela Palestina no México, ao Arab News. No entanto, ele e seus colegas enfrentam insultos e ameaças.

Muitos judeus anti-sionistas fazem parte de coletivos pró-Palestina em universidades mexicanas, e os movimentos acadêmicos têm sido muito ativos na promoção de marchas, conferências e atividades culturais, disse Rajchenberg, acrescentando: “organizamos conversas com estudantes e sindicatos”.

Os Judeus pela Palestina no México exigem que todos os reitores de universidades do país cortem laços com instituições acadêmicas em Israel.

O grupo também pede ao presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, e a outros homólogos progressistas na América Latina, que cancelem qualquer colaboração militar com Tel Aviv.

“López Obrador está entre os líderes progressistas latino-americanos com as posições mais fracas sobre o genocídio em Gaza”, disse Rajchenberg.

“O México tem fortes laços econômicos com os Estados Unidos e uma forte condenação de Israel certamente criaria problemas para ele.”

Os novos movimentos judaicos anti-sionistas na América Latina têm procurado estabelecer ligações entre si e com grupos semelhantes em todo o mundo. “Nosso objetivo agora é criar uma rede latino-americana de organizações anti-sionistas”, finalizou Zeta, da Argentina.

(*) Tradução por Duda Blumer

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