Se ficar provada fraude, acionistas das Americanas podem responder por dívidas

Bancos credores das Americanas vêm tomando iniciativas judiciais para obrigar acionistas bilionários da empresa a ressarci-los com seu patrimônio pessoal

da ConJur

Por Sérgio Rodas

Se ficar comprovado que o rombo das Lojas Americanas decorreu de fraude contábil, a Justiça pode autorizar a desconsideração da personalidade jurídica, fazendo com que os sócios da varejista respondam pessoalmente pelos prejuízos.

Bancos credores das Americanas vêm tomando iniciativas judiciais para tentar promover a desconsideração da personalidade jurídica da varejista e obrigar os três acionistas bilionários da empresa — Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles — a ressarci-los com seu patrimônio pessoal.

O mecanismo é previsto no artigo 50 do Código Civil, que tem a seguinte redação: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”

Após a descoberta de “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões, as Americanas tiveram a recuperação judicial autorizada pela Justiça do Rio de Janeiro. A dívida da varejista é de cerca de R$ 43 bilhões. Desse total, R$ 35,6 bilhões são devidos a instituições financeiras e investidores, conforme a empresa.

Os bancos Bradesco, Itaú e Santander moveram ações na Justiça de São Paulo (a recuperação judicial corre no Rio de Janeiro), nesta quarta-feira (25/1), para levantar dados da companhia, como relatórios, documentos e e-mails, e impedir a destruição ou ocultação de provas. O objetivo é entender como ocorreu o rombo contábil e, a partir daí, avaliar quem deve ser responsabilizado. Caso fique demonstrado que houve fraude, as instituições financeiras podem pedir a desconsideração da personalidade jurídica das Americanas.

Devido ao risco de destruição de documentos que podem provar fraude contábil nas Lojas Americanas, a 2ª Vara Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem de São Paulo aceitou pedido do Bradesco e ordenou, nesta quinta (26/1), busca e apreensão para fazer cópia e backup dos e-mails trocados nos últimos dez anos entre todos os que foram diretores, membros do conselho de administração e do comitê de auditoria e funcionários das áreas de contabilidade e de finanças da varejista.

Responsabilização de sócios
A desconsideração da personalidade jurídica não tem previsão na Lei de Falências (Lei 11.101/2005) para aplicação em processos de recuperação judicial, aponta Guilherme Marcondes Machado, sócio do escritório especializado em reestruturação de empresas Marcondes Machado Advogados.

No entanto, destaca, já houve casos em que a medida foi autorizada em recuperação judicial. “Para que isso ocorra, deve ser comprovado o desvio de finalidade da empresa ou confusão patrimonial, nos termos do artigo 50 do Código Civil”, diz Marcondes Machado.

Ele cita o caso do Grupo CBA — Companhia Brasileira de Alumínio. Em 2021, a 3ª Vara Cível de Jundiaí (SP) incluiu os sócios da companhia como devedores no processo de recuperação judicial. Isso por entender que eles agiram em conluio com a empresa para prejudicar os credores. A decisão, que foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, foi analisada pelos professores José Miguel Garcia Medina e Nida Saleh Hatoum em artigo publicado na ConJur.

Domingos Refinetti, sócio de resolução de disputas e recuperação de empresas do escritório WK Advogados, entende que a previsão de desconsideração da personalidade jurídica em falências é aplicável, no que couber, às recuperações judiciais. E, nesse caso, não há qualquer diferença em relação ao procedimento que seria adotado para responsabilizar os sócios de uma empresa que não estivesse em recuperação judicial.

O artigo 82-A da Lei de Falências estabelece que “é vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica”. O parágrafo único do dispositivo prevê que tal procedimento só pode ser decretado pelo juízo falimentar.

“Ou seja, presentes os requisitos do artigo 50 do Código Civil — e uma (suposta) fraude contábil, por exemplo, encaixa-se entre esses requisitos — é possível o requerimento de desconsideração de personalidade jurídica, observado o procedimento previsto nos artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil, instaurando-se o competente incidente para a sua apuração. O procedimento deverá observar o devido processo legal, o direito ao contraditório e o direito à ampla defesa ao mesmo tempo em que permitirá que sejam produzidas todas as provas necessárias, cabíveis e suficientes para que se apure a viabilidade da desconsideração ou não”, explica Refinetti.

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