Como fazer uma auditoria séria nos algoritmos do Supremo, por Wagner Menke

Algoritmos de sorteio no STF – Contribuições técnicas sobre geradores aleatórios e testes de aleatoriedade de números

por Wagner Menke

Caros,

Como o assunto tem ganhado um espaço relevante aqui no site, acho que poderia contribuir com o conhecimento técnico e estatístico acerca do tema. Primeiramente, cabe informar que a distribuição dos processos no STF é regulada pelas seguintes normas: Resolução STF n. 393, de 19/03/2009; Resolução STF n. 558, de 31/08/2015; e arts. 66 a 77 do Regimento Interno do Supremo Tribuna l Federal.

Por essas normas, existem duas maneiras de um processo ser distribuído: um por prevenção e o outro, sorteio aleatório. Ja que as normas são bem claras quanto aos critérios de prevenção, vamos nos ater aos sorteios aleatórios.

Primeiramente, uma coisa deve ficar clara para os leitores: computadores geram números pseudo-aleatórios. O que isso significa? Significa que não é como jogar um dado ou uma moeda. Esses números são chamados de pseudo-aleatórios porque são gerados a partir de um procedimento determinístico iniciado por uma semente conhecida, embora a sequência obtida pareça ser completamente aleatória.

Isto quer dizer que a sequência pode ser prevista a priori, desde que se conheça o algoritmo usado e a semente escolhida inicialmente. A vantagem de se usar números pseudo-aleatórios é que, conhecendo a semente utilizada pode-se obter a mesma sequência, favorecendo a reprodutibilidade da simulação. Entenderam? A partir do algoritmo de geração de números aleatórios e da semente, poderíamos “auditar” os resultados do algoritmo do STF.

Quando falamos de geração de números aleatórios para sorteio, creio que fica implícito que quer se gerar números que sigam um Distribuição Uniforme – ou seja – que todos os possíveis números, neste caso, de 1 a 11 (ministros), tenham a mesma probabilidade de serem escolhidos. Então, a seguir, mostro aqui pra vocês um dos algoritmos usados para gerar números aleatórios para uma Distribuição Uniforme, chamado de Gerador Congruencial Multiplicativo:

 

Explicando: escolhe-se um valor inicial, a chamada semente, e o valor n de tamanho da amostra. A partir daí obtém-se uma sequência de números aleatórios utilizando a fórmula da linha 5, onde a e m estão dispostos nas linhas 2 e 3. Repete-se o loop entre as linhas 4 e 6 n vezes. Com isso, os valores de x serão sempre números inteiros entre 0 a m-1, e o valor x será x dividido por m, sendo que ele sempre estará entre 0 e 1. Como no caso do STF, são 11 ministros, basta multiplicar o resultado por 11 e arredondá-lo para se ter uma Distribuição Uniforme do sorteio de ministros.

A semente nesse algoritmo está na linha 3, representada pelo CLOCK(), porque quando o usuário não insere um valor para este parâmetro, o computador irá buscá-lo com base na data e hora do sistema operacional.

Com isso, um dado importante que o STF precisa fornecer para que se possa auditar corretamente o algoritmo é a semente de cada sorteio e o algoritmo do gerador aleatório. Se ele disser que não tem, acabou. Todo processo de distribuição aleatória estará sob suspeita. Se a semente for composta de valores não sequenciais – e já explico o porque disso – corre-se o risco de o servidor responsável pelo sorteio ter ficado testando sementes para que o ministro desejado recebesse o processo. Assim, a única possibilidade de lisura nos sorteios seria o STF mostrar que as sementes são sequenciais, não ficando nas mãos de um ser humano a determinação do número a ser escolhido. E aí a gente pode rodar o algoritmo todo e ver se realmente AQUELA semente implica no sorteio DAQUELE ministro.

Mas e se a geração da semente for aleatória? Se o servidor do STF insistir que, por mais que ele não tenha as sementes das sementes, o número for efetivamente sorteado de maneira aleatória?

Bom, aí a gente pode fazer um teste estatístico de Newcomb-Benford e verificar se realmente o número é aleatório. Vou transcrever aqui o que diz a Wikipedia sobre a Lei de Beford:

A distribuição dos primeiros dígitos (de 1 a 9) de acordo com a lei de Benford. Cada barra azul representa um dígito e sua altura, a porcentagem da probabilidade de ocorrê-la em algum caso real.

A lei de Benford, também chamada de lei do primeiro dígito, refere-se à distribuição de dígitos em várias fontes de casos reais. Sem homogeneidade, esta distribuição mostra que o dígito 1 tem 30% de chance de aparecer em um conjunto de dados estatísticos enquanto valores maiores tem menos possibilidade de aparecer.

Foi o astrônomo americano Simon Newcomb. Em torno de 1881, o primeiro a descobrir. Nomeada e definida por Frank Benford em 1938, essa demonstração pode ser aplicada estatisticamente em contas de energia elétrica, ações de empresas, população, taxa de mortalidade, comprimentos de rios e constantes matemáticas e físicas. Todas essas afirmações são calculadas ou definidas junto a uma escala logarítmica.

Assim, um teste de Benford irá nos dizer se os números foram efetivamente gerados de forma aleatória e quais números estariam fora da Lei de Benford. Isso seria bastante interessante. Pode-se testar inclusive a aleatoriedade dos sorteios.

Sendo assim, eu sugiro o seguinte roteiro de análise do sorteio eletrônico do STF:

  1. Solicitar o algoritmo de geração dos números aleatórios, na íntegra;
  2. Solicitar as sementes de cada sorteio.

Com essas duas informações, é possível à sociedade auditar os resultados dos sorteios do STF.

Por fim, gostaria de concluir com o seguinte: o § 1 do art. 66 diz que

O sistema informatizado de distribuição automática e aleatória de processos é público, e seus dados são acessíveis aos interessados.

Contudo, isso não é verdade. Por meio da Lei de Acesso à Informação, eu solicitei o seguinte ao STF:

Gostaria de ter acesso, na íntegra, ao código de programação que gera os números aleatórios e sorteios dos processos do Supremo Tribunal Federal, juntamente a informação da linguagem de programação utilizada e as normas legais e infra-legais que regem o sorteio desses processos.

Gostaria ainda que fossem fornecidos os registros eletrônicos que comprovam a execução desses códigos de programação (tais como tabelas que considerem a carga de cada ministro, a turma, a semente do gerador aleatório, etc) dos últimos 1 000 sorteios de processos feitos pelo Tribunal.

Atenciosamente,”

Até hoje não recebi a segunda parte, conforme atesta a imagem abaixo, referente à resposta do STF ao meu pedido da LAI: 

Me ajudem! Se fizermos um multirão, inclusive pressionando a disfuncional PGR para fazer cumprir a Lei de Acesso à Informação, talvez consigamos deter essa palhaçada nos sorteios do STF.

OBS: aos mais técnicos, me perdoem, mas o blog aqui não tem código em Latex.

Redação

8 Comentários

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  1. Vai fazer um ano em agosto

    e a resposta não veio.

    Você tem reiterado ou mandado solicitação para o setor específico?

    Sei não, por vias normais essa informação periga de não vir.

      1. O que diz a LAI – Lei 12527 / 2011

        Voce pode reiterar o pedido fundamentando-se na própria lei, exigindo a resposta, positiva ou negativa, para o exercício de seu direito.

        A demora na informação ou a negativa injustificada do órgão ensejam crime de responsabilidade:

         

        DAS RESPONSABILIDADES 

        Art. 32.  Constituem condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do agente público ou militar: 

        I – recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa;  DO PROCEDIMENTO DE ACESSO À INFORMAÇÃO 

        Seção I

        Do Pedido de Acesso 

        Obs-  Dependendo do órgão, a lei pode ter uma regulamentação específica.

        O judiciário, por exemplo deve ter um rito próprio para o cumprimento dessa lei. Ele deve ter um regimento interno ou algo assim, que classifica o nível da informação, se é sigilosa ou sensível à segurança, entre outros critérios.

         

         

        Art. 10.  Qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades referidos no art. 1o desta Lei, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida.

        …………………………………………………………………………………………………………..

        § 1o  Não sendo possível conceder o acesso imediato, na forma disposta no caput, o órgão ou entidade que receber o pedido deverá, em prazo não superior a 20 (vinte) dias: 

        I – comunicar a data, local e modo para se realizar a consulta, efetuar a reprodução ou obter a certidão; 

        II – indicar as razões de fato ou de direito da recusa, total ou parcial, do acesso pretendido; ou 

        III – comunicar que não possui a informação, indicar, se for do seu conhecimento, o órgão ou a entidade que a detém, ou, ainda, remeter o requerimento a esse órgão ou entidade, cientificando o interessado da remessa de seu pedido de informação. 

        § 2o  O prazo referido no § 1o poderá ser prorrogado por mais 10 (dez) dias, mediante justificativa expressa, da qual será cientificado o requerente. 

        § 3o  Sem prejuízo da segurança e da proteção das informações e do cumprimento da legislação aplicável, o órgão ou entidade poderá oferecer meios para que o próprio requerente possa pesquisar a informação de que necessitar. 

        § 4o  Quando não for autorizado o acesso por se tratar de informação total ou parcialmente sigilosa, o requerente deverá ser informado sobre a possibilidade de recurso, prazos e condições para sua interposição, devendo, ainda, ser-lhe indicada a autoridade competente para sua apreciação. 

        § 5o  A informação armazenada em formato digital será fornecida nesse formato, caso haja anuência do requerente. 

        § 6o  Caso a informação solicitada esteja disponível ao público em formato impresso, eletrônico ou em qualquer outro meio de acesso universal, serão informados ao requerente, por escrito, o lugar e a forma pela qual se poderá consultar, obter ou reproduzir a referida informação, procedimento esse que desonerará o órgão ou entidade pública da obrigação de seu fornecimento direto, salvo se o requerente declarar não dispor de meios para realizar por si mesmo tais procedimentos. 

        Art. 12.  O serviço de busca e fornecimento da informação é gratuito, salvo nas hipóteses de reprodução de documentos pelo órgão ou entidade pública consultada, situação em que poderá ser cobrado exclusivamente o valor necessário ao ressarcimento do custo dos serviços e dos materiais utilizados. 

        Parágrafo único.  Estará isento de ressarcir os custos previstos no caput todo aquele cuja situação econômica não lhe permita fazê-lo sem prejuízo do sustento próprio ou da família, declarada nos termos da Lei no 7.115, de 29 de agosto de 1983. 

        Art. 13.  Quando se tratar de acesso à informação contida em documento cuja manipulação possa prejudicar sua integridade, deverá ser oferecida a consulta de cópia, com certificação de que esta confere com o original. 

        Parágrafo único.  Na impossibilidade de obtenção de cópias, o interessado poderá solicitar que, a suas expensas e sob supervisão de servidor público, a reprodução seja feita por outro meio que não ponha em risco a conservação do documento original. 

        Art. 14.  É direito do requerente obter o inteiro teor de decisão de negativa de acesso, por certidão ou cópia. 

        Seção II

        Dos Recursos 

        Art. 15.  No caso de indeferimento de acesso a informações ou às razões da negativa do acesso, poderá o interessado interpor recurso contra a decisão no prazo de 10 (dez) dias a contar da sua ciência. 

        Parágrafo único.  O recurso será dirigido à autoridade hierarquicamente superior à que exarou a decisão impugnada, que deverá se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias. 

        Art. 16.  Negado o acesso a informação pelos órgãos ou entidades do Poder Executivo Federal, o requerente poderá recorrer à Controladoria-Geral da União, que deliberará no prazo de 5 (cinco) dias se: 

        I – o acesso à informação não classificada como sigilosa for negado; 

        II – a decisão de negativa de acesso à informação total ou parcialmente classificada como sigilosa não indicar a autoridade classificadora ou a hierarquicamente superior a quem possa ser dirigido pedido de acesso ou desclassificação; 

        III – os procedimentos de classificação de informação sigilosa estabelecidos nesta Lei não tiverem sido observados; e 

        IV – estiverem sendo descumpridos prazos ou outros procedimentos previstos nesta Lei. 

         

    1. Sim, o arredondamento é

      Sim, o arredondamento é justamente para possibilitar a geração de variáveis discretas. Deve ser o caso do Supremo, que deve gerar os valores de 1 a 11.

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