As ações do MPF contra agentes da ditadura

Crimes continuados: um processo sem retorno  


Do Brasil de Fato


Nilmário Miranda, Presidente da Fundação Perseu Abramo e mebro da Comissão de Anistia, comenta as ações do MPF contra agentes da ditadura


Ações penais por sequestro de militantes políticos  desaparecidos durante a ditadura militar, movidas recentemente  pelo Ministério Público Federal, contra agentes da ditadura abrem caminhos sem volta para  os crimes acobertados pela lei de Anistia. Essa é a principal avaliação feita por Nilmário Miranda, presidente da Fundação Perseu Abramo e conselheiro da Comissão de Anistia, em breve entrevista concedida ao portal da FPA.


…..Qual é o significado das recente ação penal movida pelos procuradores do Ministério Público Federal em São Paulo contra o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra e o delegado Dirceu Gravina  pelo sequestro do sindicalista Aluisio Palhano para a discussão sobre os crimes cometidos na ditadura e a lei de Anistia? Essa é a segunda ação penal do gênero assinada por procuradores neste ano,  a primeira foi movida em março no Pará contra o coronel  da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura pelo sequestro de cinco militantes na região do Araguaia.


Nilmário Miranda: Estes presos e desaparecidos políticos foram vítimas de sequestros, seguidos de tortura, execução e ocultação de cadáver e como  não houve a localização do corpo nem inquérito, isso se torna um crime continuado que não se extinguiu, não tem prescrição, portanto não podem ser objeto de anistia e nem nenhuma forma de prescritibilidade e isso eles se baseiam também numa decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre dois torturadores argentinos que estavam escondidos no Brasil e que foram deportados para a Argentina.  Para haver a deportação,  o Supremo considerou  que era um crime continuado o desaparecimento forçado de pessoas e os deportou… Agora se isso valeu para dois torturadores argentinos por que não valeriam para os torturadores no país (Brasil)? Então eles fizeram a primeira ação com o Curió, mas essa ação não foi aceita pelo juiz federal, que recebeu o caso daquelas cinco vítimas do Araguaia que após um exaustivo levantamento do Ministério Público Federal concluiu que o Curió  comandou aquilo.  O primeiro juiz arquivou o caso, eles recorreram e agora entraram com essa ação que envolve o Carlos Alberto Brilhante Ustra e o JC, o Dirceu Gravina – que aliás, para a nossa vergonha, é um delegado de polícia em São Paulo  pelo desaparecimento de Aluisio Palhano… Palhano era um líder sindical bancário paulista que depois do golpe militar, sendo perseguido, ficou um tempo em Cuba, ligou-se  à Vanguarda Popular Revolucionária, veio pro Brasil  foi preso no DOI Codi e desapareceu… Teve uma testemunha importante, que foi o Altino Dantas, que em 1978  enquanto estava preso, mandou uma carta para o STM (Superior Tribunal Militar) denunciando a morte do Palhano no DOI Codi e houve outras testemunhos também. Com base nisso, o Ministério Público Federal pediu uma ação criminal contra Ustra e  Gravina. agora vai para o juiz federal e o juiz vai decidir se abre ação penal ou não. De toda a maneira, como isso vai ser aberto em vários estados,  sobre vários casos de desaparecimento  isso vai forçar  o STF a declarar se considera a tese correta ou não. Se isso foi um caso isolado que valeu para os dois argentinos porque isso não vale para os brasileiros, se esses casos estariam acobertados pela anistia de 1979… Isso mostra que é um processo sem retorno.


Por que é um processo sem retorno?


Sem retorno, porque o Ministério Público Federal está fazendo um levantamento em todos os estados do país tem desaparecimentos e cada lugar vai entrar um pedido de ação penal, vai tomar a iniciativa, um procedimento visando uma ação penal e isso vai obrigar o sistema jurídico brasileiro a se definir diante do Direito internacional, porque num dos acordos firmados pelo país segundo as convenções dos quais o Brasil é parte voluntariamente, aprovados no Congresso, e que se comprometeu a segui-las. Essas convenções não aceitam a imprescritibilidade desses crimes. Por exemplo, nos tribunais internacionais já há uma jurisprudência absoluta de que não é possível anistiar esses crimes, porque os Estados nacionais não tem o direito de criar leis de impunidade para estes crimes, que são, portanto imprescritíveis no campo do Direito internacional. Pode acontecer de um tribunal internacional decretar a prisão de torturadores brasileiros, se eles pisarem fora do país serão presos e acredito que será muito ruim para o Brasil se isso acontecer. É um processo sem volta, isso não vai terminar,  aqui no Brasil, num certo momento, vai ter o reconhecimento que não dá para manter a impunidade  desses crimes. Claro que existem outros crimes: a execução extrajudicial é muito mais ampla e alcançou centenas de brasileiros, a tortura alcançou milhares de brasileiros, mas no caso dos desaparecimentos forçados de pessoas aí é mais grave, digamos, porque já pertence à jurisprudência dos tribunais internacionais e coloca o país na defensiva. Então em algum momento vai ter uma lei no Congresso retirando a impunidade destes crimes e o Brasil vai ter que ter uma mudança de posição do STF.


Em relação aos juízes,  dá para afirmar que há uma mudança sobre os crimes cometidos durante a ditadura militar? Pergunto isso em função também da recente decisão sobre a retificação da certidão de óbito do militante comunista João Batista Drumond.


Não é de hoje, mas está ganhando muito espaço no Brasil um processo conhecido como Justiça de transição. É um processo iniciado após a 2ª Guerra Mundial, com os crimes do nazismo considerados crimes lesa humanidade, não somente contra o cidadão da Alemanha, porque envolveu genocídio do povo judeu,daí nasceu o conceito de crimes contra a humanidade, com o Tribunal de Nuremberg a partir disso se desenvolveu em vários países, em várias situações e chegou até o Tratado de Roma, de 1997, que criou o Tribunal Penal Internacional e considerou que determinados crimes são de lesa humanidade, são: o desaparecimento forçado de pessoas, a tortura sistemática, a violação massiva como estupros, os crimes de guerra, os crimes contra a paz, todos considerados crimes contra a humanidade. É uma caminhada mundial, universal em direção a isso, coloca numa jurisdição universal e isso ganhou muito espaço no Brasil em cima da discussão sobre a impunidade dos crimes graves dos direitos humanos durante a ditadura militar. Daí então que foi criando dentro de várias instituições,  ainda não é  hegemônica, essa compreensão que não é muito grande, mas está em crescimento, então daí que, por exemplo, quando o juiz de São Paulo Guilherme Mazlem… ordena retificar a certidão de óbito de João Batista Santos Drumond – lá estava escrito que ele morreu em decorrência de um traumatismo craniano, essa era a versão oficial -. Como já houve dois julgamentos administrativos, um na Comissão de Mortos e Desaparecidos  e outro na Comissão de Anistia e foi considerado que ele João Batista foi vítima do Estado, porque ele morreu no DOI Codi decorrente de tortura, o juiz admitiu isso e citou os crimes de lesa humanidade na sua sentença, isso é uma grande novidade, além de corrigir a certidão de óbito que é também uma grande novidade, o arrazoado dele também é muito interessante, é isso que está em curso.


No caso  do Ministério Público, eles já tem a simpatia de um grupo de magistrados brasileiros, o que também não é hegemônico, os Juízes pela Democracia, que defendem a tese que deveria ter derrubado a lei de Anistia para os crimes contra a humanidade, crimes de tortura. O que aconteceu? A OAB argumentou que crimes de tortura não são crimes políticos e que a anistia era só para crimes políticos: cassações de mandato, suspensão de direitos políticos, censura, esses são crimes políticos. A tortura, não, nunca teve uma lei que dissesse que a tortura era lícita… Ela sempre foi feita nos porões e nem mesmo durante a ditadura,  apesar de ser usada de forma sistemática, se dava nos porões, não se dava às claras, era negada. Então a tese era de que deveria se excluir a tortura dos crimes políticos, portanto da anistia. O STF considerou  esse crime político, portanto anistiável… A disputa continua, não acabou. Do ponto de vista da lei brasileira, neste momento está congelada a decisão, exceto nos casos de desaparecimento forçado, de sequestro, que é considerado um crime continuado, que é o caso dos dois argentinos já citado aqui. Então o Ministério Público vai pressionar até obter uma nova decisão do STF.


Há esse movimento crescente do MPF, da OAB, mas não é predominante para alterar a impunidade, certo?


Não é hegemônico, mas é sem volta, como já disse. Não é ainda a compreensão da maioria do Judiciário, não é a compreensão da mídia, não é a compreensão do sistema político brasileiro, em que pese essas novidades que já falei aqui, o desconhecimento da justiça de transição na academia  e agora há a Comissão da Verdade. Vamos ver daqui a dois anos, quando terminar com o seu relatório, o que o Brasil vai dizer nesta questão: é isso mesmo?, é só isso? Apurou a verdade e não tem os responsáveis?, é um caso encerrado? Como eu disse, sem volta, vai ter uma pressão permanente sobre o sistema político e judicial para romper com a impunidade em relação à tortura e os crimes contra a humanidade.


Mais cedo ou mais tarde a Justiça ou o Congresso ter que rever esse processo….


Rever essa posição que é insustentável,  e há a questão que isso não acaba com o tempo. Muita gente achou que isso seria esquecido com o passar do tempo, essa questão dos desaparecidos, os parentes mais próximos iriam morrer, e o assunto iria acabar morrendo… Isso não acontece, agora estamos vendo os jovens, com o Levante Popular, são jovens que não são parentes (de desaparecidos) estão fazendo esses escrachos em torno da impunidade da tortura, dos desaparecidos, dos médicos que colaboraram com a ditadura com tortura, é um processo que não para, não é o tempo que vai enterrar… Isto tem a ver com a democracia, com o futuro.

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador