Brasil é julgado por omissão em crimes cometidos contra trabalhadores sem-terra

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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O assassinato do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva, ocorrido há mais de duas décadas, está na pauta. Condenação pode ter influência na Justiça brasileira

A Corte Interamericana de Direitos Humanos julgará, nas próximas quinta (8) e sexta-feira (9), as denúncias contra o Estado brasileiro por omissão nas investigações e falta de responsabilização em crimes cometidos contra trabalhadores rurais sem-terra, na Paraíba. Os casos ocorridos há mais de duas décadas, serão analisados em San José, capital da Costa Rica. 

Em pauta estará os casos do assassinato do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva, em 1997, e do desaparecimento da liderança rural e defensor dos direitos humanos Almir Muniz da Silva, visto pela última vez em 2002. Ambos são vítimas da violência no campo, num contexto de conflito por terras e luta pela reforma agrária.

Diante da falta de respostas oficiais sobre os crimes, a Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Almir Muniz, da Comissão Pastoral da Terra da Paraíba, e das organizações Dignitatis e Justiça Global, acusam o Estado brasileiro de violar o direito à integridade psíquica e moral dos familiares da vítima, além dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, conforme determina a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

O caso de Manoel foi enviado em 2003 e só em 2006 foi admitido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Já em 2012, a CIDH enviou o caso à Corte IDH. Amanhã acontece a esperada audiência, que será transmitida ao vivo pelas mídias sociais da Justiça Global, assim como da Corte Interamericana. Também será realizada uma mobilização online, por meio de um tuitaço com as hashtags: #JustiçaParaAlmirEManoel e #BastaDeViolênciaNoCampo, #PeloDireitoDeLutarPelaTerra

Se o Estado brasileiro for considerado culpado, o órgão pode determinar que o país tome medidas para reparar as famílias afetadas, além de ações capazes de evitar novos crimes como esses.

Caso Manoel

No dia 19 de maio de 1997,  Manoel Luiz da Silva e outros três trabalhadores sem-terra seguiam de uma mercearia rumo a um acampamento da reforma agrária, no município de São Miguel de Taipu. Ao passarem por uma estrada na Fazenda Engenho Itaipu, os trabalhadores foram atacados por seguranças particulares da propriedade de Alcides Vieira de Azevedo. 

À época do crime, a Fazenda Engenho Itaipu estava submetida a um processo de expropriação a título de utilidade pública com fins de reforma agrária. Ao passarem pela estrada dentro da propriedade, caminho usual dos moradores da região, os quatro trabalhadores foram ameaçados pelos capangas, mas Manoel foi alvejado e morreu na hora. Os demais conseguiram fugir.

Manoel, que tinha 40 anos, deixou para trás a esposa, Edileuza Adelino de Lima, grávida de dois meses, e um filho de quatro anos, Manoel Adelino.

A partir daí a investigação apresentou diversas falhas. O capanga, que teria sido o autor dos disparos, nunca foi encontrado e, após um processo de 6 anos, os outros dois envolvidos foram absolvidos pela Justiça em 2003. Além disso, apesar do histórico de ameaças contra trabalhadores rurais, o proprietário da terra não foi investigado.

Durante todo esse período, as diligências investigativas se limitaram à oitiva de um número reduzido de pessoas, além de ter se perseguido, de forma diligente, linhas investigativas disponíveis desde o início, como a identificação do suposto autor dos disparos, a presença de armas na sede da fazenda onde se deram os fatos e a inserção dos fatos no contexto maior da perseguição contra trabalhadores rurais sem-terra, inclusive com outros fatos análogos envolvendo o proprietário da fazenda em questão”, escrevem as organizações peticionárias.

Ao concluir seu parecer sobre o caso em novembro de 2021, a CIDH afirmou que, apesar das inúmeras provas que apontavam os responsáveis pelo crime, “a omissão da polícia com relação às diligências essenciais inviabilizou a persecução penal dos responsáveis, entre eles do autor intelectual”.

Caso Almir 

Na sexta-feira (9), será a vez da Corte IDH julgar o caso de Almir Muniz da Silva, que desapareceu em 29 de junho de 2002, em Itabaiana. À época, Almir era uma ativa liderança na associação de trabalhadores rurais do município e denunciava a formação de milícias.

Uma investigação da CIDH apontou para o envolvimento de policiais civis no desaparecimento do trabalhador, além de indicar que faltaram diligências para investigar o caso.  

Essas apurações concluíram que a liderança rural “foi assassinada por um agente da polícia, com o desaparecimento dos seus restos, e que as autoridades atuaram com o consentimento ao não levar a cabo uma investigação com buscas imediatas e diligências”.

A investigação interna foi arquivada sem esclarecimento dos fatos nem a sanção das pessoas responsáveis”, afirmou a Comissão ao enviar, em maio de 2023, o caso para julgamento da Corte IDH.  

A Corte IDH

A Corte Interamericano de Direitos Humanos (Corte IDH) é um dos três tribunais regionais de proteção dos direitos humanos do mundo. É uma instituição judicial autônoma, com objetivo de aplicar a Convenção Americana Sobre Direito Humanos. 

O Brasil, enquanto integrante da Organização dos Estados Americanos (OAE), assim como do  Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e, além de ser signatário do Pacto de São José, reconhece a competência da Corte para julgar violações de direitos humanos nos Estados-membros sob sua jurisdição.

Com informações da Agência Brasil e Brasil de Fato

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

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