Gilberto Maringoni
Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.
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Carne Fraca: defender as empresas não significa defender o que elas fazem, por Gilberto Maringoni

Polícia Federal investiga fraudes na produção de carne bovina e de frango (ANPr/SINDIAVIPAR/Fotos Públicas)

do Ópera Mundi

Carne Fraca: defender as empresas não significa defender o que elas fazem

 

por Gilberto Maringoni 

Qual a extensão do problema nos frigoríficos e que tipo de punição aplicar às empresas e seus controladores?

1. A espetacular ação do Ministério Público e da Polícia Federal contra alguns frigoríficos instaurou uma polêmica nas redes: qual a extensão do problema e que tipo de punição aplicar às empresas e seus controladores?

2. A primeira questão é decisiva, mas está quase fora da pauta. Não se sabe, estatisticamente, se os problemas demonstram que as carnes das gigantes do agronegócio configuram uma amostragem científica de que toda a produção está comprometida, ou não. A detecção de um problema em cidades do Paraná expressaria uma tendência da produção nacional?

3. Sem responder a essa questão, tudo o mais fica comprometido como análise séria;

4. No entanto, com o espetáculo midiático, outro tema entrou em tela: caso se comprovem as acusações de venda de produtos contaminados, quimicamente manipulados com substâncias nocivas à saúde ou corrupção de agentes públicos e privados, quais devem ser e contra quem devem incidir as sanções legais.

5. Aqui surge uma falsa questão, no âmbito da esquerda. De um lado, há os que julgam imprescindível a penalização das empresas, por degradarem o meio ambiente, explorarem trabalhadores, cometerem crimes contra a população etc. etc.

6. De outro, há os que – como eu – entendem que empresas não são entes dotados de vontade própria e que penalizá-las – com bloqueio de acesso a créditos oficiais, veto a compras governamentais, não emissão de certificados de qualidade, boicote aos produtos e tudo o mais – implica a quebra não apenas destas, mas de toda a cadeia do agronegócio, que vai do pequeno produtor, rede de fornecedores de insumos, equipamentos e tecnologia, indústria de grãos, milhares de empregos e, principalmente, tecnologia acumulada ao longo de décadas.

7. Assim, punidos deveriam ser donos, acionistas, técnicos e responsáveis por essa sequência produtiva. Punidos com afastamento da direção dos negócios, multas, arresto de bens e prisão, de acordo com a legislação vigente. No limite, intervenção oficial ou estatização dos negócios.

8. A defesa das empresas não significa a defesa das empresas tal como elas são, mas a defesa de conhecimento acumulado e nichos de mercado na e pela economia brasileira. Não vi, até agora, entre a esquerda, ninguém defendendo a salvação de uma incerta “burguesia brasileira” ou da “fraude nacional”, como, com evidente má-fé, alguns fizeram por aqui.

9. Não se está tampouco defendendo uma “conciliação de classes”, a partir de um raciocínio plano.

10. O que seria penalizar uma empresa? Seria destruí-la? Vender seus ativos a retalho? Detonar as marcas? Isso tem sido feito na cadeia da indústria naval e da construção civil, deixando donos e controladores – esses sim responsáveis por escândalos de corrupção – livres, leves e soltos. E essas fatias do mercado começam a ficar livres para serem ocupadas por conglomerados transnacionais.

11. Os que dizem professar um marxismo puro logo alegam a desimportância do processo. Repetem bordões como “capital não tem pátria” e “isso seria uma agressão aos trabalhadores”. Cumpre lembrar que capital realmente não tem pátria, mas a sede da enorme maioria das corporações globais se situa no hemisfério Norte, para onde migram lucros, recolhimento de impostos e mais-valia acumulada no sul.

12. Há evidentes diferenças entre empresas aqui sediadas e que reinvestem seu lucro aqui e as que remetem a maior parte dele para fora e só se expandem mediante créditos, desonerações e subsídios oficiais. Assim, não se trata de alardear que quem defende a não destruição das empresas desposa a tese de que empresas nacionais exploram menos o trabalhador que suas congêneres globais;

13. Denunciar os males do agronegócio, suas relações de trabalho e danos ambientais não é difícil. A maior parte de tais denúncias é verdadeira, e ninguém – entre a esquerda – parece desejar encobri-los. São relações encontradiças em qualquer empresa capitalista. O que está em tela no caso Carne Fraca – me parece – não é a superação do capitalismo, mas a investigação de possíveis fraudes.

14. Lamentavelmente, até onde sei – não li ainda os jornais de hoje – o socialismo não está na agenda imediata. Assim, qualquer solução colocada para as empresas estará inscrita no universo de uma economia de mercado, com os instrumentos que o Estado (burguês!) dispõe.

15. Quebrar as empresas equivale a desnacionalizá-las. Nada garante que, por serem companhias de capital aberto, o processo de desnacionalização não aconteça com as mesmas nas mãos de seus atuais controladores, como elas estão. Os casos da TAM e da Ambev estão aí, frescos na memória de todos. Logo, manter as coisas como estão tampouco é solução.

16. Se destruir empresas que incidiram em práticas corruptas fosse solução, Lockheed, Alstom, Siemens, Samsung, IBM, ITT, Volkswagen e tantas outras não mais estariam entre nós. Achar que JBS e outras expressam a corrupção inata do Brasil, existente desde a Carta de Caminha, é incidir na velha teoria das classes dominantes de que este seria um país inviável;

17. A solução – repetindo – é punir exemplarmente proprietários, acionistas e responsáveis pela possível bandalha e preservar marcas, ativos, mercados e conhecimento acumulado. A carne brasileira não teria entrada em mais de uma centena de países – a maioria com duras regras de fiscalização fitossanitária – se alguma qualidade não tivesse.

18. O mercado da carne é extremamente competitivo em termos globais. Perdê-lo seria um harakiri econômico de difícil reversão num país em crise. Trata-se da produção de commodities? Sim. Mas não é detonando a produção doméstica que se reverterá a primarização acelerada da economia brasileira.

19. Por fim, alguns contrapõem a produção das empresas-gigante – nociva e podre – à de pequenos produtores – virtuosos e higiênicos. Além de ingênuo, o raciocínio não leva em conta o processo de extrema monopolização do setor, operado na última década. Pequenos e médios produtores fazem parte hoje – em sua maioria – da cadeia produtiva das grandes. Quebrariam todas juntas, como carreira de dominó. No caso dos “orgânicos”, sua produção, por falta de escala e fatores logísticos, não supre nem em médio prazo a demanda e têm preços inacessíveis para a grande massa da população.

20. No mais, defender empresas não tem nada a ver com defender burguesias nacionais, internas ou rurais.

 

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

2 Comentários

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  1. Não faz sentido…

    Até um leigo, olhando pela foto observa que o investimento  para  se manusear carnes  é algo vultuoso  e  nenhum empresário seria  idiota, ou imbecil o suficiente  para  por tudo a  perder  por causa  de um lote  com salmonelas !!

    Joga esta droga no lixo, ou transforma  em ração prá  peixe, porque peixe  se alimenta  de salmonelas  numa boa !!

    Em tempo:  Lembrei da imbecilidade do delegado da PF citando o uso do ácido ascórbico ( vitamina C ) na carne…- Completamente louco !!!

    Se  eu dissesse  que  uso todo dia ácido acético ( vinagre )  na salada  de minha família, ele  iria  mandar me prender  por  maus  tratos  e  tentativa  de assassinato !!

    Ou, se soubesse  que carrego uma grande  quantidade de Ácído clorídrico  dentro do corpo ( suco gástrico estomacal ), iria  me fuzilar  por  ser um homem-bomba do EI  !!

    Pergunta:  Quando é que vão demitir  sumariamentte  este delegado ( melancia no pescoço )  e  este ministro da justiça  ( com cara  de pombo-leso )  ???

     

  2. Taí um cara que saiu do binário

    O problema é que hoje a maioria esmagadora das pessoas só conseguem pensar no binário – se não está comigo, está contra mim.

    Os mais ignorantes pensam assim por nunca terem sido estimulados a pensar melhor, pela nossa mídia.

    Os mais inteligentes são binários conscientes, assumidos e com muito orgulho!

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