Chega ao fim a Era Cappelli no MJ, por Carlos David Carneiro

Embora forma de agir seja digna de elogios, "conteúdo" legado não parece suficiente para tirar segurança da extrema-direita

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Chega ao fim a Era Capelli no MJ. O que ele viu. E o que deixou de ver

Por Carlos David Carneiro*

Ao que parece, enquanto escrevo este texto, a era Capelli à frente do Ministério da Justiça chega ao fim. O Presidente Lula acaba de anunciar Ricardo Lewandowski como o novo Ministro na Justiça, em substituição a Flávio Dino, que irá ao STF.

Com isso, Ricardo Cappelli, Secretário-Executivo de Dino e fiador público da política de segurança pública do Ministério deve deixar a pasta. Ele parece ter enxergado mais longe que boa parte da esquerda.

Número um: para ele, existe uma nação a ser disputada. Número dois: ele não acha bonito insultar o senso comum, ele quer disputá-lo. Nos dias que correm, isso é tremendo.

Ao mesmo tempo, ele não enxergou longe o suficiente. Seu programa ficou muito longe de deixar ao país o legado necessário. Este legado virá?

Como em todas as pastas do terceiro governo do presidente Lula, com o qual também tive a oportunidade de contribuir pontualmente no ano passado, a pasta da Justiça despertou grandes esperanças, frustrações e alegrias do lado de fora.

Entre as frustrações, declarações indefensáveis no campo da segurança pública em relação às polícias e derrapadas na direção programática causaram a ira de setores da esquerda.

Ao mesmo tempo, um movimento mais amplo se formava e um jogo mais interessante era jogado. Boas entregas na área, a formação de um novo campo com governadores, gestores e trabalhadores da área da segurança e respostas rápidas, ainda que improvisadas e não necessariamente as melhores, às crises enfrentadas, mostravam que havia à frente do Ministério da Justiça um sentido estratégico muito claro e também a reconstrução de um sistema de governança que, em condições dificílimas, permitiu ao governo agir na conjuntura.

Por trás desse aparato agia um quadro experiente na política que, oriundo do movimento estudantil, parecia não ter perdido a tradição das boas análises de conjuntura. Este mesmo quadro percebia a necessidade de isolar a extrema direita e via no medo da violência que assolava a população brasileira um dos maiores combustíveis do adversário a ser enfrentado. E aqui parece residir um de seus maiores méritos: ele fez a leitura correta e foi à luta. Este quadro era Ricardo Cappelli.

Por questões, em ultimíssima instância, contingentes, relacionadas ao seu lugar no mundo e suas teorias políticas, a esquerda tem problemas conhecidos de comunicação em matéria de segurança pública. Cappelli não sofre desse mal. Não teve problemas em bancar slogans como “agora ficou ruim para bandidagem”, em priorizar aplicativos contra roubos de celulares e, acertadamente, discursar de maneira veemente contra milicianos e narcotraficantes que aterrorizam comunidades inteiras em comunidades empobrecidas Brasil afora.

Existe para ele, portanto, um senso comum e um país a ser disputado, e, acima de tudo, um país que clama por resultados. Cappelli, ao final de um ano, tem bons resultados para mostrar. É um grande quadro. E será fundamental para a esquerda e para o país aonde quer que vá. Não seria exagero, diante da leitura que faço, propor que a “forma Cappelli” seja tomada como “um” modelo.

Se defendo veementemente a “forma Cappelli”, o “conteúdo” legado até agora não parece ser suficiente para, como este uma vez expressou, fazer com que o tema da segurança deixe de ser “exclusividade da extrema direita”.

É preciso reconhecer e valorizar, é verdade, que, em condições extremamente difíceis e sob o encalço do golpismo e do fascismo, inflexões programáticas importantes foram feitas. A retomada do Pronasci, o anúncio dos “Convives” e o fortalecimento do Sistema Único de Segurança Pública são medidas que devem ser aplaudidas e amplamente divulgadas.

Essas inflexões, contudo, não podem fazer com quem quer que se pretenda progressista e se sinta indignado com o número de homicídios existentes no Brasil de hoje se contente com a falta de ousadia do governo Lula e a sua desconexão com o conhecimento teórico e prático produzido nas academias e nas experiências dos governos estaduais e municipais em matéria de segurança pública.

Para ficar em pouquíssimos exemplos, que fogem ao léxico mais tradicional da esquerda, não adianta recriar o Pronasci e não aprender com os programas de base comunitária de nova geração melhor focalizados e estruturados em evidências ou mesmo com os próprios estudos produzidos sobre o primeiro Pronasci e com a experiência de programas com o Pacto pela Vida, no que teve de bom e de ruim.

Ademais, a discussão praticamente inexistente ou meramente retórica sobre prevenção poderia abrir uma avenida de debates e políticas baseadas em fatores de risco e metodologias integradas de prevenção, hoje praticamente inexploradas para além de círculos de iniciados.

Por fim, o urbanismo social, talvez o único elemento, dentre os aqui citados, já presente na estratégia do governo, mas ainda de maneira muito residual, poderia ser alçado à estratégia central de combate à violência.

Sem desconsiderar as dificuldades práticas e a destruição da máquina pública nos últimos anos, todos esses caminhos têm, segundo as melhores metodologias disponíveis, o condão de enfrentar de maneira muito mais eficiente e efetiva o inaceitável número de homicídios que o Brasil vive hoje, por exemplo, e poderiam ser muito bem explorados pela “forma Cappelli”. Mais que isso, representariam um verdadeiro legado, de mudança estrutural, para a segurança pública no país.

Por ora, com as notícias de mudança no Ministério da Justiça, no entanto, resta torcer para que a “forma Cappelli” permaneça e não retrocedamos a debates e planos intermináveis, discursos abstratos sobre “direitos” e slogans “cidadãos”, o que não é improvável quando petistas e juristas se encontram.

E, mais que isso, que a “forma” desse grande organizador e comunicador chamado Ricardo Cappelli encontre finalmente um programa que lhe dê substância e conforme o legado que este país tanto precisa e tanto merece em matéria de segurança pública.

* Carlos David Carneiro é Professor, servidor público e doutor em direito pela UERJ/RJ

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