Como promotores estaduais criaram uma crise urbanística em São João da Boa Vista

Há uma franca parceria entre outros promotores de São João de Boa Vista e especuladores imobiliários da cidade

À medida que dias vão passando, vai ruindo o universo de impunidade-vingança criado em São João da Boa Vista pela ação-inação de promotores estaduais.

Dias atrás, o Tribunal de Contas do Estado reprovou o contrato da prefeitura com a Organização Social de Saúde Rita Lobato.

O instituto estava em uma relação preparada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de São Paulo, de entidades suspeitas. Atuação do Gaeco se intensificou quando constatou que terceirizações e quarteirização de serviços municipais tinham se transformado na nova frente o PCC (Primeiro Comando da Capital.

Acontece que o Gaeco é um órgão do próprio Ministério Público Estadual. Nem assim houve uma ação dos promotores de São João da Boa Vista para combater contratos irregulares.

Em São Paulo, a corregedoria do MPSP e o próprio Procurador Geral montaram uma blindagem corporativa, avalizando os abusos dos promotores de São João, desmoralizante para a instituição.

O pacto pela especulação imobiliária

Pior que isso, foi a franca parceria entre outros promotores estaduais de São João de Boa Vista e especuladores imobiliários da cidade.

A cidade cresceu. Não comportava mais espaço e casas para seus habitantes dentro do perímetro urbano. O passo óbvio teria sido uma ampliação do perímetro urbano, que permitiria construir desde conjuntos habitacionais para mutuários de menor renda, até condomínios para pessoal de maior renda, impedindo uma explosão no valor dos imóveis e dos aluguéis no perímetro urbano.

A Câmara Municipal começou a discutir o tema em 2016.

Em junho de 2016, o Promotor Ernâni de Menezes Vilhena Junior, da área do Patrimônio Público e Social, e o Promotor Donizete Tavares Moraes Oliveira, da área de Habitação e Urbanismo resolveram interferir diretamente na votação da nova Lei do Zoneamento, prerrogativa da Câmara de Vereadores.

Especialmente Ernâni, ao lado de Nelson O’Really,  passou a defender a não ampliação do perímetro urbano da forma mais canhestra possível .

Primeiro, foram buscar um estudo encomendado pela prefeitura a uma empresa privada. Não tive acesso ao estudo, mas fontes de São João dizem que as conclusões eram referentes à cidade de Pelotas (RS), com conclusões que valiam para Pelotas, e aplicaram em São João. Sem o estudo na mão, não posso saber se a base foi essa.

Mais: determinaram que vereador que votasse contra a orientação dos promotores, poderia ser denunciado por improbidade administrativa, caso não fundamentasse tecnicamente seus votos. Já quem votasse a favor teria o tal trabalho de Pelotas e não precisaria justificar nada.

Promotor Ernâni de Menezes Vilhena Junior

Segundo nota publicada no próprio site do MPSP, “estudos técnicos do Núcleo de Apoio à Pesquisa – USP Cidades e da Urban System analisando a ocorrência de graves prejuízos aos cofres públicos, à qualidade de vida da população e segurança pública se houver a ampliação do perímetro já urbanizado”.

No decorrer dos debates, os argumentos dos promotores foram reduzidos a pó, em cima de obviedades. Mas de nada adiantou.

São João experimentava um enorme crescimento, com a população pobre se instalando nas áreas rurais, fora dos limites do município, vivendo em situação precária. Já a classe média enfrentava um aumento expressivo nos preços dos imóveis, pela falta de condições legais de construir condomínios fora dos limites urbanos.

A ampliação do perímetro urbano visava regularizar sua situação e levar até eles serviços públicos. Os promotores alegavam que essa ampliação traria mais despesas para o município, mas não levavam em conta que também ampliava o número de contribuintes.

Sem poder ampliar o perímetro urbano, a consequência óbvia seria a verticalização da cidade, com a explosão de preços de imóveis e dos aluguéis beneficiando os especuladores urbanos.

Houve várias sessões na Câmara Municipal para discutir o Plano Diretor. Em uma delas, o promotor Nelson O´Really ameaçou diretamente os que votassem a favor da ampliação do perímetro urbano.

Sua apresentação foi coalhada de falácias. Mencionou declarações da urbanista Erminia Maricatto – sobre a construção de Minha Casa Minha Vida em locais distantes – para criticar a ampliação do perímetro urbano. As críticas de Ermínia nunca foram contra habitações populares e, sim, contra a falta de definições, na Lei do Zoneamento, para que os imóveis ficassem em áreas habitáveis e próximos aos locais de emprego.

O pastor Marcos Costa fez a defesa da ampliação do perímetro e criticou a interferência do Ministério Público nos assuntos legislativos.

Foi o que bastou para que fosse alvo de uma ação por desacato, da parte do promotor Nelson O`Really, assim como a advogada Erika Pessoal Cristiana, que foi secretária da Conseg (o Conselho de Segurança, instrumentalizado por O´Really), mas que apoiou a ampliação do perímetro urbano.

Foi o que bastou para que, assim como a advogada Hellen Cristina e o advogado Maurício Betito, ela fosse alvo de uma perseguição implacável, que quase inviabilizou seu trabalho.

Os estudos a favor da ampliação

A APES (Associação dos Pastores Evangélicos de São João da Boa Vista) preparou um documento criticando a postura dos promotores, desmontando os supostos argumentos técnicos e antecipando tudo o que viria a ocorrer posteriormente na cidade.

No documento, os pastores alertam que os promotores manipularam as conclusões dos estudos e atropelaram as prerrogativas da Câmara Municipal.

O documento é dividido em vários pontos de argumentação.

Ponto 1 – a imposição do voto

1- O Ministério Público – MP, por meio dos integrantes da PPP (Promotoria do Patrimônio Público), em termos práticos e sob o eufemismo de “Orientação”, de fato “legislou” ao CRIAR regras inexistentes no Regimento Interno da Câmara Legislativa e na Lei Orgânica Municipal.

2- O rito legislativo, para atendimento ao conceito interno e novo do MP sobre o que seria “liberdade” do voto do Vereador, mesmo após afirmar que o trabalho técnico referido pela PPP não é vinculativo, mas apenas opinativo (ou seja, dizem ser opinativo, mas querem impô-lo).

3- Os Legisladores favoráveis à redução do perímetro urbano, poderão apenas votar, sem dar justificativa própria para o voto.  Assim seria porque a justificativa técnica exigida – regra criada agora pelo MP, já estaria feita, por meio da PPP, sendo que o MP considera suficiente para tanto.

4- Entretanto, os Legisladores contrários à redução do perímetro urbano, mantendo-o como está definido há muitos anos, estes, sob pena de responderem por ato de improbidade, NÃO PODERÃO APENAS VOTAR, pois deverão  Individualmente, JUSTIFICAR o voto.

5- E mais.  A justificativa destes deverá observar a “exigência” – não prevista em lei orgânica ou regimento interno da Câmara – ditada pelo MP no item “4” da Portaria, nos seguintes termos já postos: aqueles trabalhos técnicos da USP, sem atribuição legal de vincular, mesmo assim vinculariam o Vereador ao “ônus de adequar seu voto a uma argumentação capaz e suficiente para contrariar os trabalhos técnicos”.

6- O que seria “capaz e suficiente para contrariar os trabalhos técnicos” referidos é algo sabido somente pela PPP.

Ponto 2 – falsa interpretação de decisões do STF

Deixando claro sua parceria com proprietários de imóveis do perímetro urbano, os  promotores incluiram também a exigência de que o perímetro urbano não fosse reduzido. “Caso o perímetro urbano seja reduzido, os proprietários de área que voltem a ficar na zona rural podem entrar com ações contra o Município”, alegavam eles. 

No trabalho, os pastores mostram que os julgados do STF sobre direito adquirido se referiam ao regime previdenciário dos servidores públicos (julgamento da reforma da Previdência de 2004) e de TV por assinatura. “ Nada, nada a respeito de não existir direito adquirido para lesão a proprietários de imóveis urbanos que passem a ser rurais por redução do perímetro urbano”.

Ponto 3 – sobre novos loteamentos

Sustentavam os promotores que quem não tinha loteamento aprovado não tinha direito adquirido. Os pastores mostraram que desde 2016 foram suspensas todas as análises de novos loteamentos, justamente para aguardar a aprovação final da Lei de Zoneamento. 

“Mas é de estarrecer que a PPP não se recorde que NÃO HÁ LOTEAMENTOS APROVADOS (NEM EXAMINADOS) DESDE O DIA 21/01/20216 em consequência de dois Decretos Municipais (5.370, de 21/01/2016, e 5.419, de 25/04/2016), que foram editados pelo Prefeito Municipal após pressão de ações civis públicas do MP local contra a tramitação de projetos de loteamento, até a aprovação do Plano Diretor”.]

Ponto 4 – Análise da portaria dos promotores

 Os promotores invocavam a questão da segurança pública para combater a expansão do perímetro urbano. No trabalho, os pastores mostravam três furos no raciocínio deles:

– Não haveria área suficiente na parte já urbanizada para suportar o crescimento da população, a partir do levantamento do número de metros quadrados e lotes vagos.

– O crescimento observado ao sul da rodovia SP-342 está afastado dos mais significativos equipamentos e espaços urbanos. Construir residências neste setor criaria “gentrificação (mudança da população para lugares mais baratos) e criação de novos guetos”.

– Loteamentos monofuncionais e monossociais representam grande risco à sustentabilidade socioeconomia da cidade. Tais características aumentariam a criminalidade.

Trabalho apurado por engenheiros da cidade, supervisionado pela associação de classe, demonstrou que o valor dos lotes, do metro quadrado, na região central ou no “setor centro” estava muito acima da capacidade de compra daqueles que pretendiam construir novas residências.

Ponto 5 – centro e centralidade

Outro argumento dos promotores era o de que a expansão do perímetro urbanos esvaziaria o centro. O trabalho dá uma aula aos promotores sobre as diferenças entre centro e centralidade. 

O argumento era rebatido pelo trabalho:

“À medida em que cresce, a cidade demanda novos centros, cada qual adequado às características das regiões.  Regiões distintas, geograficamente, são equipadas com o próprio às características da vocação de cada parte da cidade:  educação, saúde, lazer, indústria, comércio etc.  As centralidades se formam a partir destes novos centros de demanda, seja a prioridade ou vocação de cada um a atividade econômica, de serviços, indústria, residência etc”. 

Ponto 6 – O “direito à moradia” x “aluguel social” 

No trabalho dos promotores, afirma-se que “a Constituição Federal garante “ao cidadão o direito à moradia e não à casa própria” – art. 6º.   O “aluguel social”, (…) “remanejando o benefício para os que mais precisam” e “ocupando imóveis no centro ou em bairros centrais da cidade”.  

Os pastores tratam esse artigo como “indesculpável discriminação”, ao negar ao mais pobre o direitos à moradia. 

“Primeiramente, nega-se ao cidadão de poucas posses o direito de adquirir um terreno para construir seu próprio imóvel, pela simples proibição de fracionar o solo urbano com tal finalidade.  Mas o MP afirmou que há imóveis ociosos, lotes ociosos no CENTRO para tal fim.

Quem acreditar que um lote central, muito mais caro, será acessível ao pobre (a quem já afirmam “ter o direito à moradia e não à casa própria”) também poderá crer que tal pessoa poderá alugar um imóvel muito mais caro, no centro, em vez de ter imóveis compatíveis com as suas posses fora do centro, em outras centralidades urbanas, ou seja, o pobre deve alugar casa no centro da cidade, em vez de ter seu próprio imóvel na periferia”.

Ponto 7  “O problema das casas de aluguel”. 

No item 7 do trabalho dos promotores, fica nítida a defesa dos loteamentos e habitações já existentes. 

“A construção de casas no perímetro da área já urbanizada atualmente atrairia “moradores de cidades vizinhas”, aumentando oferta de aluguel de padrão mais baixo, fazendo cair o preço do aluguel no centro e área já urbanizada”.

Constatam os pastores: “Ou seja, os cidadãos que hoje não tem casa e pagam aluguel, devem continuar assim, para evitar casas “sem inquilinos” na região central”.

Ponto 8 –  IPTU progressivo.  

Segundo os promotores, o IPTU progressivo poderá incentivar o aumento da oferta de terrenos ociosos e regular os preços de mercado.

Indagam os pastores: e por qual motivo este fato aceito pelo MP não conduziu o mesmo MP à conclusão de que a especulação imobiliária ocorre é no centro, região central, e não onde serão abertas novas áreas para dar oportunidade de aquisição e construção a quem não pode pagar fortunas por terrenos centrais? 

É óbvio que, não havendo novos lotes disponíveis fora do centro, o preço destes imóveis será mais ainda elevado.  No caso inverso, abrindo novos loteamentos de padrão mais alto, cairá o preço de imóveis de especulação imobiliária no centro.   Isto produzirá resultado muito mais imediato e prático do que aguardar dez  ou vinte anos para um especulador vender lote central pela metade do preço.

Resumo:  o que se faz, reduzindo o perímetro urbano, é proteger o proprietário de imóveis centrais e região urbanizada, em detrimento de quem necessita de imóvel de preço viável, menor, não especulativo, em novas áreas.  Tanto para alugar quanto para comprar.

Ponto 9 –  O estudo da USP demonstrou que a disponibilidade de imóveis para habitação é e continuará sendo superior à demanda pelos próximos anos.

A única certeza é a de que haverá verticalização da cidade para suprir a falta de espaço de expansão. Aí, outra vez, a especulação imobiliária imperará no sentido inverso daquele que o MP afirma proteger, em teoria, mas inviabiliza a moradia (aluguel ou aquisição/construção de casa própria).  Preço de lote para verticalização é muito superior.

A república dos promotores

Não houve o que demovesse os promotores, especialmente após o apoio incondicional dado pelo Procurador Geral do Ministério Público estadual. Nâo foram detidos sequer pela correição do Conselho Nacional do Ministério Público, suspendendo o promotor Nelson O´Really, mas poupando Ernâni de Menezes Vilhena Junior. E a decisão do CNMP vem sendo contestada publicamente pelo MP-SP, em um quadro de expansão do crime organizado nos contratos de terceirização e quarteirização das prefeituras.

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Luis Nassif

5 Comentários

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  1. Descalabro. MPSP se prestando a esse papel? Passando pano para crime! Tem que chegar na PGR essa denúncia. Absurdo completo!!!

    1. Queriam tornar SJBV em uma cidade particular/condomínio fechado.
      Parecendo que os Drs. agiam aos seus próprios sonhos e interesses particulares.
      Uma cidade de conto ou tirada de algum beste seller ou quem sabe uma Dubai onde (Só habitaria pessoas brancas de olhos azuis, com curso superior e pós doutorado, falariam se 3 idiomas fluentes e um dialeto próprio da Cidade “Lingua do I” a é todos com muito $$$$)
      Me sinto triste e solidário pelo povo desta cidade

  2. Caro Nassif. Há tempos dei aulas em algumas cidades no interior de Minas. Hoje não mais mas ainda círculo: sinto informar, não há planejamento algum ante meus olhos. Constrói-se o que quer e loteia-se como quer. E, como sou de BH, não precisa ir longe, basta periferia.
    Esses promotores simplesmente agiram às claras.
    Por aqui, loteamentos de antigas fazendas nas redondezas, viraram bairros em Betim, Contagem e outras. Procure em cartórios a regularização dos imóveis. Inexiste. Vendas são realizadas apenas com contrato de compra e venda pois para as prefeituras no loteamento ainda não foi regularizado. E não sei como há Luz e água. Mistérios.

  3. Interferência absurda, a fala do sujeito é um descalabro! Isso é vergonhoso demais, o CNPM tem que tomar uma atitude contra esses “promotores” . São João da Boa Vista, minha terra entregue ao que á de pior, em todos os sentidos.

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