Hamlet e o STF

Há algo de podre nos corredores do palácio do Supremo Tribunal Federal

O julgamento do Mensalão petista foi o maior espetáculo judiciário de 2013. Ninguém pode discordar desta proposição. A discordância só se dá em relação ao resultado do processo. Alguns juristas, poucos e irrelevantes, consideraram as condenações rigorosamente justas. Vários juristas de peso, como Celso Antonio Bandeira de Mello, Ives Gandra Martins e Claudio Lembo, para citar apenas alguns, criticaram bastante o STF em razão dos equívocos técnicos e violações a princípios constitucionais praticadas pelos Ministros do STF.

Acompanhei o julgamento e estou convencido de que os petistas foram condenados sem provas, por suspeita, com o uso distorcido da “teoria do domínio do fato”, porque a literatura supostamente permite e em razão de não terem provado sua inocência. Sustentei que há semelhança entre o julgamento do Mensalão petista e o resultado da Devassa que condenou o inconfidente Tomás Antonio Gonzaga injustamente ao degredo: 

http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/2012/novembro/12.11.Mensal%C3%A3o_e_Inconfid%C3%AAncia.pdf

A decisão proferida pelo STF, porém, é válida e produzirá efeitos enquanto não for revogada. É obvio um Tribunal não deve se preocupar com a popularidade de suas decisões. Mas também me parece óbvio que a rebeldia manifesta pela população em relação a condenação de José Genoino é um fenômeno importante que merece ser avaliado com cuidado.

Até a presente data José Genoino foi o único condenado do Mensalão a pagar a vultosa multa lhe imposta pelo STF. Os recursos para o adimplemento da obrigação foram obtidos através de doações voluntárias feitas ao condenado. Uma rede de solidariedade foi criada através da internet e rapidamente levantou a elevada quantia necessária. Delúbio Soares, outro condenado no Mensalão, seguiu o exemplo de Genoino e conseguiu arrecadar 30 mil reais em um único dia. Portanto, é evidente que a Justiça que a população está a fazer é diferente daquela que foi feita pelo STF. Este conflito velado entre a cúpula do Judiciário e uma parcela da sociedade brasileira evocou em mim a tragédia shakespeariana. 

Em Hamlet uma representação teatral do homicídio cometido pelo tio/padrasto do protagonista desencadeia nele a consciência de culpa e um desejo assassino. Mas o adversário do príncipe da Dinamarca não sobrevive para desfrutar o poder conseguido de maneira infame. “O resto é silêncio.”

No caso de José Genoino a condenação proferida pelo STF é sofrível. Não há prova de que ele tenha participado de um esquema criminoso, a menos que se considere crime participar de reuniões e atividades político-partidárias. Genoino foi condenado por corrupção, mas não tirou qualquer proveito pessoal do suposto esquema de lavagem de dinheiro. Consta do Acórdão proferido pelo STF que, em razão de ser presidente do PT, José Genoino conhecia ou deveria conhecer a existência de uma organização criminosa gerindo recursos obtidos de maneira ilegal dentro do seu partido. Um pouco adiante, na mesma decisão, o STF condenou José Dirceu porque ele (e não Genoino) era o verdadeiro “chefe” do PT e da operação criminosa. A contradição entre estas duas proposições é evidente e o resultado um absurdo: Genoino foi condenado porque chefiava o PT e porque não o chefiava (já que quem fazia isto era o co-réu José Dirceu).

Havia algo de podre no reino da Dinamarca e as suspeitas de Hamlet foram estimuladas pela aparição do fantasma de seu finado pai. Nos luxuosos corredores do STF também há algo de podre. Afinal, os diretores das empresas de comunicação que receberam o dinheiro criminoso petista para fazer propaganda (Rede Globo, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e Abril Cultural, para citar algumas que foram mencionadas pelo Ministro Ricardo Lewandowski em seu voto) não responderam pelos mesmos crimes (apesar da evidente co-autoria).

Neste contexto, o pagamento da multa imposta a José Genoino pela população brasileira se assemelha bastante à representação do homicídio cometido pelo Rei Cláudio dentro da peça Hamlet. Afinal, como a peça dentro da peça, o ato de rebeldia da população também revela uma injustiça fundamental. A peça encenada a mando de Hamlet faz o Rei Cláudio tomar consciência de seu crime. O ato da população fará o STF perceber o crime cometido contra os réus do Mensalão petista?

O STF não deve temer proferir decisões impopulares. Mas ai daquele Tribunal que proferir decisões injustas atraindo contra si o ódio de toda uma população. Pois como Hamlet, a população também é capaz de se vingar apesar da hesitação.

Fábio de Oliveira Ribeiro

15 Comentários

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  1. A fruta podre mais visível do

    A fruta podre mais visível do STF é o Min Gilmar Dantas. Isso até os fetos sabem. Aliás, o livro Operação Banqueiro deixou isso claríssimo. Mas a Procuradoria Geral da República – PGR segue acupada pelo fernandíssimo Engavetador Geral da República.

     

    Vida curta ao republicanismo petista!

  2. Qual População?

    “A justiça da população” de qual população o autor está falando? No Brasil a dita população não só acredita como tem certeza, que 99% dos políticos são corruptos e deveriam ser presos, decapitados etc.  

    1. Você está enganado

      Em qual levantamento estatístico você se baseia para fazer sua afirmação. Um indício de que você está completamente enganado: Dilma, do PT, é, neste momento, favorita na corrida presidencial.

    2. Precisa melhorar os

      Precisa melhorar os argumentos. Há políticos corruptos? Claro.

      Há juizes corruptos? Policiais, empresários, jornalistas, advogados, médicos?

      Eu ainda prefiro eleger os governantes através da política, tentando encontrar o melhor. Se vc prefere golpe do judiciário, vá pro Paraguai, quer uma família real ‘honesta, tem a Arábia Saudita. Militares, que tal o Egito.

      Ou passamos o Brasil para o stf mandar? A OAB, a Globo, o Itaú, a polícia?

      Há uma frase mais ou menos assim: ‘a democracia é ruim, mais ainda não inventaram um regime melhor’.

       

    3. Cuidado com essas

      Cuidado com essas generalizações, Samuel; não se esqueça que os que armam esses espetáculos não só acreditam como tem certeza, que 99% da popoulação é completamente idiota.

      Com relação ao post, sensacional. Tb vou postar no FB.

  3. Deformação repugnante

    Esse processo apenas nos mostra como é perigosamente volúvel  – a depender do freguês – esse Tribunal.

    Quanto mais cedo um número maior de brasileiros tomar ciência dessa aberração, mais rápido superaremos essa mostruosidade.

  4. Belo texto.
    Sim…enquanto

    Belo texto.

    Sim…enquanto não forem revogadas, as condenações valerão.

    Mas o que doi…muito, é que no momento que essa MERDA (me perdoem) chegar à OEA, ou a HAIA, quem SERÁ CONDENADO POR DESCUMPRIR DIREITOS HUMANOS SERÁ O BRASIL…NÃO AS POIAS DA TEORIA DO DOMINIO DOS FATOS, DO STF.

  5. E o Batman, heim? Disse que

    E o Batman, heim? Disse que “não teve tempo” para assinar a ordem de prisão do João Paulo. Um vassalo global que chegou a atropelar um feriado nacional para proporcionar espetáculo midiático? O pior de tudo é que a culpa é do Lula!!

  6. Se a AP470 tem alguma

    Se a AP470 tem alguma semelhança com Hamlet é na covardia com que os ministros do STF se portaram frente a Joaquim Barbosa e a mídia. Foram cúmplices do Rei Claudio e agora vão ter que conviver com a vilania que cometeram com o Poder Judiciário brasileiro.

    No plenário do STF tem de tudo, de Polônio à rainha Gertrudes. Luiz Fux pela sua inexpressividade e traição com certeza é Rosencrantz.  Lewandovski e agora Teori são os que mais se assemelham a  Hamlet. 

  7. Hamlet e o STF

    Amigos, recomenda a jurisprudência que, na dúvida, (“No caso de José Genoino a condenação proferida pelo STF é sofrível. Não há prova de que ele tenha participado de um esquema criminoso, a menos que se considere crime participar de…”), se decida um julgamento a favor do réu, ou réus; neste julgamento da AP 470, na dúvida, o STF decidiu “pau” no réu, ou réus!

  8. O poder na democracia

    O Genuino foi punido pelo STF a ressarcir o erário pelo crime que cometeu.

    Parte da sociedade disse: – Não, alto lá! Ele não cometeu crime e por isso não pode ser punido. Ele é inocente, não vai pagar um centavo. 

    Com este gesto, o judiciário foi destituído de seu poder por esta parcela da sociedade. Como se fossem à frente de sua casa e não deixassem ele de ser preso.

    Genuino, além de não pagar um tusta, foi homenageado com este ato. Quem não se sentiria assim, caso a justiça decretasse uma pena e as pessoas se rebelassem contra isso impedindo sua aplicação? 

    Mas alguém poderia alegar: 
    – Ah, mas quem fez isso foram os amigos e parentes. Logo, indiretamente ele foi punido. 

    Discordo.

    Primeiro. Quem disse que ele era inocente fez isso em “praça pública”. Não foi a família e os amigos do bairro de forma velada que arrecadaram os recursos. Este pessoal fez isto publicamente, uma espécie de desobediência civil, um desafio ao poder constituído.

    Segundo. Estas pessoas não fizeram isso por amizade. Se o Genuino tivesse sido pego com “as calças na mão”, com “batom na cueca”, vc acha que os amigos conseguiram juntar 700 mil em 10 dias? 

    O pessoal fez isso por convicção política (e senso de justiça) em sentido amplo. Pela vida do réu, por suas condições físicas e financeiras e pelo processo de julgamento (alguns, como R. Jeferson, sequer foi executada a pena). Por tudo isso, cidadãos que nunca conviveram com Genuino, não são seus amigos pessoais ou familiares, tiveram a coragem de afrontar a decisão da justiça e disseram em alto e bom som:

    – Alto lá, estamos numa democracia, quem decide é o povo. E nós decidimos que o réu é inocente e não vai pagar um centavo. E assim foi feito. Ou seja, na prática a decisão do STF de punir Genuino através de multa pecuniária foi desautorizada em praça pública. 

    Numa democracia o poder emana no povo, por isso, os membros do STF são indicados por seu representante.
     

  9. O poder emana do povo!

    Tem razão, não conheço Genoino não sou vizinha nem parente. Mas dei a minha pequena contribuição na certeza da injustiça a ele cometida. E assim será com os outros injustiçados. Não podemos nos curvar às arbitrariedades e às condenações sem provas! O pior é ver  pessoas que lutaram pelo nosso país sendo condenadas por verdadeiros e vaidosos almofadinhas que, com certeza, não teriam a coragem e a bravura desses, que já fazem parte de nossa história! 

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