Indulto natalino de Bolsonaro pode perdoar PMs do massacre do Carandiru

Indulto pode abranger os policiais militares envolvidos no massacre do Carandiru, que ocorreu em outubro de 1992

Agência PT

Indulto de natal de Bolsonaro pode abranger PMs envolvidos no massacre do Carandiru

Do Consultor Jurídico

Em seu último indulto de natal, o presidente Jair Bolsonaro (PL) concedeu perdão a agentes de segurança condenados, mesmo que de forma provisória, por crimes cometidos há mais de 30 anos e que não eram considerados hediondos à época. Foi o primeiro indulto de natal de Bolsonaro que incluiu um artigo dessa natureza.

“Será concedido indulto natalino também aos agentes públicos que integram os órgãos de segurança pública de que trata o artigo 144 da Constituição e que, no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de 30 anos, contados da data de publicação deste decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática”, diz o texto.

De acordo com promotores ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo, o indulto pode abranger os policiais militares envolvidos no massacre do Carandiru, que ocorreu em outubro de 1992 e, portanto, completou 30 anos em 2022. A defesa dos PMs, inclusive, informou à Folha que deve pedir o trancamento das ações contra eles com base no indulto.

Isso porque o crime de homicídio só passou a ser enquadrado como hediondo em 1994, após forte mobilização popular pelo assassinato da atriz Daniella Perez. Em 1992, quando houve o massacre do Carandiru, apenas estupro, latrocínio e extorsão mediante sequestro eram considerados crimes hediondos no Brasil. 

111 mortos
Em 2 de outubro de 1992, presos do Pavilhão 9 do Carandiru, em São Paulo, iniciaram uma rebelião que foi contida de forma violenta por tropas da PM comandadas pelo coronel Ubiratan Guimarães, que assassinaram 111 detentos. O episódio foi parcialmente televisionado e teve destaque internacional.

A Justiça brasileira levou 17 anos para pronunciar os 116 policiais envolvidos — apenas em 2010 ficou definido que eles iriam ser julgados pelo júri popular. O caso passou brevemente pela Justiça Militar até ser encaminhado à Justiça Estadual, graças a conflito de competência julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

O primeiro a ser condenado foi o próprio coronel Ubiratan Magalhães, a pena de 632 anos em primeiro grau, em 2001. Por ser réu primário, pôde concorrer em liberdade. Em 2002, foi eleito deputado estadual por São Paulo. Concorreu com o número 14.111 — sendo 111 uma referência à quantidade de mortos no Carandiru. 

Com isso, passou a ter foro especial, o que levou seu processo para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde acabou absolvido. A corte entendeu que Ubiratan agiu em estrito cumprimento da ordem e em legítima defesa, tese que passou a ser defendida pelos demais réus. Ubiratan foi assassinado em 2006, dentro de casa.

Para os demais acusados, a disputa judicial ainda não terminou. Até o momento, 74 deles foram condenados em quatro júris a penas que variam entre 48 anos e 624 anos de prisão.

Em 2016, o TJ-SP chegou a anular todas as condenações por entender que os jurados decidiram contra a prova dos autos, já que não há elementos capazes de demonstrar quais foram os crimes cometidos por cada um dos agentes.

Em abril de 2018, o STJ mandou o TJ-SP julgar novamente os embargos de declaração apresentados pelo Ministério Público estadual no caso. E ainda em 2018, a corte paulista confirmou que os 74 policiais militares deveriam ser submetidos a novo júri popular.

Essa decisão foi reformada pelo Superior Tribunal de Justiça, que restabeleceu a condenação. Para a 5ª Turma, a impossibilidade de realizar perícia para saber qual policial militar atirou em qual preso é suficiente para amparar o julgamento da ação penal com base em outras provas nos autos.

O último recurso contra a condenação foi para o Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso. Em agosto de 2022, ele negou seguimento aos recursos extraordinários, em decisão monocrática, que depois foi confirmada e transitou em julgado.

Assim, acabaram as possibilidades de questionamento judicial e o TJ-SP não tem mais alternativa a não ser discutir os desdobramentos da sentença, inclusive a pena e o regime de prisão que serão impostos aos policiais.

Em novembro de 2022, a 4ª Câmara Criminal do TJ-SP julgou um agravo interno, mas adiou o julgamento de duas apelações sobre o caso do massacre do Carandiru por pedido de vista do desembargador Edison Brandão. 

O agravo foi rejeitado pela turma julgadora por unanimidade. A defesa pedia a suspensão do julgamento das apelações até decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito do Tema 1.087 ou até a superação da polarização política existente no país.

O julgamento do STF vai analisar se um tribunal de segunda instância pode determinar que seja feito um novo júri, caso a absolvição do réu tenha ocorrido com base em quesito genérico, por motivos como clemência, piedade ou compaixão, mas em contrariedade à prova dos autos.

É possível que toda essa discussão seja, ao fim e ao cabo, inócua. Isso porque a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou, em agosto, um projeto que anistia os envolvidos no episódio. O texto ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça antes de ser levado a votação no Plenário.

Impacto cultural
É impossível, ainda hoje, afastar o impacto do massacre do Carandiru na sociedade brasileira. O episódio está ligado à fundação do Primeiro Comando da Capital, facção que surgiu nas penitenciárias paulistas para combater a opressão dentro do sistema criminal e, hoje, é uma das maiores organizações criminais do mundo.

A chacina foi retratada em livros, músicas e também no cinema. O filme Carandiru, de Hector Babenco, foi um enorme sucesso, multipremiado e que chegou a ser listado para concorrer a uma vaga pelo Oscar.

Inspirado no livro Estação Carandiru, de Dráuzio Varela, o filme foi lançado em 2003 e não agradou ao Coronel Ubiratan, que classificou-o de injusto, irresponsável e covarde. “Pergunto: se um dos jurados vir essas cenas e amanhã vier a julgar um daqueles homens que estavam comigo, ele já virá pré-concebido por ver a ação da Polícia Militar como violenta”, disse, à época.

A canção Diário de um detento, do grupo de rap Racionais MC’s, retrata o massacre pela ótica de um preso. A música ficou em 52º lugar no ranking das 100 maiores canções brasileiras feito pela revista Rolling Stone. 

Redação

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