Moro criou o pedido de desculpas como extinção de punibilidade, por Lenio Streck

Do Conjur

Moro criou novo tipo de extinção de punibilidade: pedido de desculpas

Por Lenio Luiz Streck

Esta coluna é light. Ficou mais light ainda depois que li a recomendação do procurador-geral da República: Segundo Rodrigo Janot, os integrantes do Ministério Público Federal devem evitar o “messianismo”, as “cizânias personalistas” e os “arroubos das idiossincrasias individuais”. Ouviram bem, senhores procuradores? Recortei e colei na geladeira de minha Dacha. Vou cobrar.

Sigo. Por isso, não há tese alguma a ser descrita ou defendida no Senso Incomum de hoje. Afinal, quem lê tanta notícia, perguntava Caetano Veloso na canção Alegria, Alegria. O que mais se pode dizer sobre os acontecimentos? Eis a questão. Algumas frases e falas acabaram com a discussão. No caos que se formou, sobra muito pouco. Assim:

O que dizer sobre o direito de Pindorama depois que o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho fez uma interpretação do impeachment conforme a Constituição norte-americana? Cessa tudo o que a antiga musa canta. Depois da verfassungskonforme Auslegung (interpretação conforme a Constituição, foi lançada a Interpretation des brasilianischen Amtsenthebung (Impeachment) in Übereinstimmung mit der nordamerikanischen Verfassungou talvez, The Interpretation of the Brazilian impeachment in accordance with the North American Constitution. Portanto, não é necessário provar crime nenhum. Pronto. Magister dixit. Informações que me foram dadas, à socapa e à sorrelfa, pelo jurista G. Camarote (autor do livro em italiano, em 3 volumes, Sapere sempre tutto ciò che accade nel governo e più in impeachment — “sempre sei tudo sobre o governo e até do impeachment”), indicam que Cunha teria mandado a OAB emendar a inicial, por esta não ter fundamentado o pedido na Constituição americana. A ver. As fontes do G.(Rei do) Camarote nem sempre são confiáveis.

Talvez pelo fato de a OAB não ter fundamentado o impeachment naInterpretation of the Brazilian impeachment in accordance with the North American Constitution — tese que parece que vai vingar (e não há nenhuma ironia nisso — apenas uma constatação) — Cunha colocou o pedido na fila. Disse que a OAB chegou tarde. A meu ver, também. Arrisco em dizer que talvez por isso Cunha tenha aproveitado para criticar o exame de ordem. Esse Cunha… Não perde uma oportunidade….

E o que dizer após o mico que o juiz Sérgio Moro pagou ao Supremo Tribunal Federal, pedindo calorosas desculpas em longas 30 páginas? Quando entrei no MP vi uma cena bizarra: um promotor havia pedido, equivocadamente, o arquivamento de um caso escabroso. Fê-lo em 65 páginas. Ao que o velho procurador lhe disse: quem arquiva em 65 páginas, denuncia em folha e meia. Serve para Moro. Muita desculpa. Muito drible. Muito malabarismo verbal. Depois ele se irrita quando os réus não contam toda a verdade. Viu como é, doutor? Por vezes, é difícil explicar o inexplicável. Além disso, Moro criou uma nova espécie de extinção de punibilidade: por pedido de desculpas. Por exemplo, a violação da Lei 9.296, mais o artigo 325 do CP foram considerados como um mero descuido. Ele não imaginou que, mesmo sendo fruto de um “erro” na obtenção das escutas (mormente de Dilma e Lula), isso poderia ter repercussões na vida política.Verbis: “compreendo que o entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários. Jamais foi a intenção desse julgador, ao proferir a aludida decisão de 16/3, provocar tais efeitos e, por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal”. O STF poderia conceder o prêmio Poliana à Moro. E a reforma do Código Penal pode acrescentar novas hipóteses de extinção da punibilidade: o pedido de desculpas. Mas tem um problema. Devem ser diretas. Sinceras. Como as delações, matéria da qual Moro entende bem demais. Bem, que lê tanta notícia, mesmo?

Camarote — sempre ele (minha fonte preferida) — já me assoprou que parece que o pessoal da Petrobras já está escrevendo longa carta à Moro, pedindo desculpas por alguns crimes. Pedem isonomia. Por exemplo, se Moro for desculpado pelo fato do artigo 325, querem o mesmo desconto de suas penas. Isso sem considerar as penas do artigo 10 da Lei 9.286. Dá um bom desconto.

Que mais aconteceu que valha a pena noticiar? Tem o parecer do PGR sobre o caso Lula. Estamos em fase de muita criatividade. Teses sobre oimpeachment, teses sobre a descriminalização via desculpas e, agora, o foro privilegiado misto. Parece que foi tirado de algum direito alienígena também. O parecer é emblemático. Diz que Dilma pode nomear, mas a nomeação tem desvio de finalidade. Ao mesmo tempo, as investigações ficam no primeiro grau… E a Constituição? Deixemo-la prá lá. Lembro de uma seção no Órgão especial do Colégio de Procuradores do MP em que fui membro eleito durante três gestões. Era o julgamento de um recurso de membro do MP. Em determinado momento, fui interrompido em meu voto: “Lá vem o Dr. Lenio de novo com essa história de Constituição”. Pois é. Pois é.

Em termos de Brasilian Law Oscar Premium, parece que a melhor tese até agora — claro, está difícil de escolher — pode ter sido aquela, também tirada do direito norte-americano, de autoria do procurador Pastana. Essa tese é muito estudada em Columbia e se chama Bird sings better when arrested. Positivistas e não positivistas, hermeneutas e argumentativistas se debruçam há anos sobre essa nova teoria. Nas minhas aulas de doutorado há um espaço só para essa discussão. Já há alunos fazendo interface com o direito dos animais. Afinal, passarinho na gaiola… Prender o pobre psitacídeo só para ouvi-lo falar?

No mais, os meios de comunicação estão deitando e rolando com a frase “impeachment não é golpe”. Os grandes juristas contemporâneos da GloboLaw School são os maiores experts em como não se deve fazer jornalismo e como se distorce o Direito. Nos programas soliloquias, o jusfilósofo Dr. M. Birne, explica, de forma imparcial, o que é isto — impeachment, a partir de seu livro em alemão Die Größe meiner Wut gegen die Regierung (Minha grande raiva contra o governo, 3a ed, com posfácio de Cunha, Eduardo). Best seller. Cristina Wolf, direto de Brasilia, fala de cadeira. Pudera, depois de ter publicado sua tese doutoral em inglês intitulada The size of my anger against the government (A dimensão da minha raiva contra o governo – 5ª. Ed., revista, com capítulo especial sobre “porque levamos Eduardo Cunha de barbada nos noticiários). Li a ambos e fiquei impressionado.

Nem preciso falar do filósofo contemporâneo W. Bomer, autor do livro What is the best way to present the news in a partial way (qual é o melhor modo de apresentar noticias de modo parcial, 3ª Ed. Revista e atualizada de acordo com o impeachment). Veja-se que a grande maioria dos jornalistas escreveram livros famosos e seguem suas matrizes teóricas ao máximo.

O que mais me resta por escrever?

Ainda para finalizar: seguindo a matriz teórica do best seller do professor Birne (Pereira, em alemão), a IPI (imprensa pindoramense isenta) chegou ao máximo ao colocar no ar um vídeo feito por uma anônima em um shopping, “entrevistando” o ministro Celso de Mello. Fantástico. Ups. Passou noFantástico, mesmo. Tudo bem, mas fico pensando cá com meus botões: como isso se daria na Alemanha? Um juiz do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional) sendo gravado/entrevistado em uma grande Kaufhaus? Algo como “Wie geht es dir, mein Freund? Was denken Sie über den Prozess, der das Gericht über den Fall von Kanzlerin Angela…“? (Algo como “o que você acha do processo…”). Provavelmente o juiz diria: “Dieses Gespräch wird nicht ‚ rollen” (em tradução abrasileirada, algo como “Minha Senhora, essa conversa não vai rolar”).

Nem vou falar da NBC entrevistando o Judge Clarense, em um shopping em Washington. Minha dúvida — em face de minha ingenuidade — é: essa gravação foi autorizada? Sei lá. Em tempos de escutas clandestinas… Todos escutam todos. E quem fará a Grundescuta (a escuta fundamental, algo como a Grundnorm?). O ministro autorizou a divulgação no Fantástico? A senhora anônima vendeu o vídeo? Tem assinatura do ministro autorizando? A tal senhora estava usando crachá?[1] Pode-se gravar pessoas sem usar crachá?

Se ainda há algo a dizer, perguntaria — agora de forma absolutamente séria: Cansamos da democracia? Se não, vamos levar o direito a sério. E cumprir a Constituição, sem ideologizar tudo. Deve ter restado um mínimo de racionalidade. Se a resposta for, sim, cansamos, sugiro a leitura de duas fábulas. A primeira é de Ésopo: as rãs, cansadas da democracia, pediram a Zeus que lhes desse um rei. Rindo dessa ingenuidade, Zeus lhes deu um pedaço de pau. Como esse “rei” não se mexia, reclamaram com passeatas na lagoa. Zeus se irritou e lhes deu um novo rei: um gavião… que comeu as rãs.

A segunda é do Barão de Mandeville. Ali também as abelhas estavam cansadas da democracia e dos vícios. A colmeia ia bem, mas havia muitos vícios. Então as abelhas moralistas fizeram passeatas, colheram milhões de assinaturas e pediram que a rainha decretasse a virtude. Feito isso, iniciou o caos. Uma sociedade sem vícios — portanto, sem politica e políticos da base e fora da base aliada da Rainha — não tem crimes, não tem doentes, não tem stress, não tem trabalho para advogados, policiais, procuradores, juízes… Nem jogo do bicho tem. Quebrou. Caos. As abelhas se deram conta e voltaram à Rainha e pediram: restaure os vícios, porque — e essa é a moral da história — vícios privados, benefícios públicos. Não existe essa coisa de “só virtudes”, “eugenia social”, etc. Eis aí uma fábula liberal, é verdade. Em tempos de guerra entre esquerda e direita, é possível que todos a critiquem. OK. Está bem. Então, fiquem com a de Ésopo. Ignorem a de Mandeville. Não quis ofender… Como constitucionalista (mas limpinho), só estou tentando ajudar. Lembremo-nos da recomendação do Procurador-Geral da República: paz. Serenidade. E sem idiossincrasias.

E cuidado com o que forem pedir a Zeus.

Post scriptum: na próxima, se Pindorama ainda estiver por aí, escreverei sobre o projeto do Código de Processo Penal.


1 Lembro do personagem de Francisco Milani, na Escolinha do professor Raimundo, Pedro Pedreira (Pedra 90). Ele pedia: tem documento? Testemunhas? Reconhecimento de firma?

 

Redação

25 Comentários

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  1. O camisa preta do Paraná,ao

    O camisa preta do Paraná,ao admitir,ainda que de forma dissimulada,que errou,torna-se réu confesso pelo crimes cometidos contra o presidente Lula,contra a presidenta Dilma e contra a segurança nacional.

    1. política

      Moro abriu novo artigo na Constituição, se voce cometer um crime e pedir desculpa ao STJ, fica inocentado, simples assim!

      Brecha para todos criminosos agirem do mesmo jeito, e viva golpe!

  2. Até agora nada do Ministro da Justiça processar o Juiz Moro por

    Até agora nada do Ministro da Justiça processar o Juiz Moro por ter grampeado e vazado conversas particulares da presidenta da República!

     

  3. Caro Nassif
    Nada que um

    Caro Nassif

    Nada que um pedido de desculpa, dentro de uma das celas, durantre alguns anos, no Paraná não resolva.

    Mas ele é da casa grande.

    Calhorda.

    Saudações

  4. A fábula das rãs é perfeita.
    A fábula das rãs é perfeita. A Dilma é a personificação do pedaço de pau. Para o lugar do gavião há muitos pretendentes.

  5. Eh isso mesmo que eu tou

    Eh isso mesmo que eu tou cobrando:  OU MORO TEVE RAZAO TECNICA APRESENTAVEL A UM SUPREMO TRIBUNAL OU MORO NAO TEVE RAZAO TECNICA PRA APRESENTAR.  E nao teve.

    Repetindo:  nao so nos Estados Unidos como na maioria dos paises civilizados, Moro estaria preso e fora do emprego instantaneamente.  TODOS nos sabemos que esse “pedido de escusa” vai passar batido no supremo brasileiro por pura incompetencia deles.  Supremo que nao segue a lei sempre resulta nisso.

  6. Vale a pena entrar na página

    Vale a pena entrar na página do Conjur para ler os comentaristas.

    O povo é detentor do poder?

    PAULO FRANCIS (Advogado Sócio de Escritório – Civil)

    31 de março de 2016, 8p4

    Lennio Streck, até que ponto é correto afirmar que a voz do povo é a voz de Deus.?

    Como membro do MP e com o talento que tem, o que voce pensa da patuleia que está no poder.

    Falar só de direito é muito chato.

  7. depois do grampo

    Depois do grampo tenho certeza absoluta que o vazador é o Moro. Repare que toda vez que tem alguma coisa importante para acontecer como hoje, por exemplo, que o STF vai decidir sobre a investigação de Lula, sai no estadão “Lava Jato monta diagramas da família Lula”.  http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/lava-jato-monta-diagramas-da-familia-lula/  Esse vazamento e outros que tiveram quem vazo foi o “MORO VAZA” . MORO é unha é carne dos jornalistas da Pig, se não for ele é alguém próximo a ele que vaza com o consentimento do mesmo. Se o Moro fosse substituído por outro juiz os vazamentos pararia a não ser que alguém entregasse na mão dele o processo. Eu penso que deveriam transferir o Moro pra onde o Judas perdeu as botas 

  8. Lenio sempre brilhante

    Não é à toa que é um Jurista com j maiúsculo….esperava tudo menos essa do Manoel Gonçalves Ferreira Filho…os professores da ufpr, um processualista de lá que foi meu professor enchia a boca pra falar dele e, realmente, era um excelente processualista…o que as pessoas não fazem em nome de uma obsessão cega! Jogam os seus “nomes” no lixo…vergonha total. Texto riquíssimo!

  9. Haja filó para o saco!

    Juiz cujo pai é fundador do psdb paranaese e a esposa presta serviço para multinacional do óleo. Não fosse pouco, vem agindo de maneira parcial e fora da lei, mas mesmo assim, como esse país é uma esculhabação, as instituições e seus representantes não se dão o respeito, as coisas vão acontecendo.

     

  10. Pedido de desculpas para

    Pedido de desculpas para extinção dos crimes só deve ter valor para os imortais. Para nós mortais somente o texto frio. Nenhum juiz quer saber se você tem conhecimento da lei. Não adianta falar, esta eu não conhecia, mesmo no emaranhado de leis que existem, das em uso com as em desuso. Cumpre-se.

    Seria este pedido de desculpas para aliviar a pena uma nova jurisprudência válida só para magistrados ou atingirá toda a população?

  11. Li agora a pouco no PORTAL

    Li agora a pouco no PORTAL 247 que a LAVA JATO fez a arvore genealógica ASCENDENTE e DESCENDENTE do LULA, achava bom fazerem a do FHC já até mando uma bem pequena que chega mais rápido na rapinagem na PETROBRAX ops..PETROBRAS.

    FHC E SUA FAMILIA CONTROLARAM A PETROBRAX – ESSA FOTO EMPOSSANDO O GERRO David Zylbersztajn

     

  12. Li agora a pouco no PORTAL

    Li agora a pouco no PORTAL 247 que a LAVA JATO fez a arvore genealógica ASCENDENTE e DESCENDENTE do LULA, achava bom fazerem a do FHC já até mando uma bem pequena que chega mais rápido na rapinagem na PETROBRAX ops..PETROBRAS.

    FHC E SUA FAMILIA CONTROLARAM A PETROBRAX – ESSA FOTO EMPOSSANDO O GERRO David Zylbersztajn

     

  13. pecado perdão e penitência

    Na confissão da Igreja Católica o perdão é sempre condicionado a algum tipo de penitência, proporcional ao pecado cometido e declarado.

    Menino moro depois da declaração do mal feito espero que o Teory te enquadre, ou será que o Francisco não é Chico.

  14. Um belo tapa na ignorância

    Um belo tapa na ignorância pomposa dos salões jurídicos.

    Essa “germanização”, para quem não entendeu, tem um endereço: o apego cego de Gilmar Mendes pela doutrima alemã constitucionalista, que copia deslavadamente em seus livros.

  15. Essa história de desculpas é

    Essa história de desculpas é jogada marketing. 

    Começou com o Ronaldo Fenômeno quando ele levou os teavestis pro hotel. 

     

  16. Não esqueçamos, de outra

    Não esqueçamos, de outra parte, a tese jurídica inédita do editorial do Estadão, propondo a subsunção do direito administrativo ao direito penal, com possíveis repercussões até no poder de mando do empregador. Se o Ministro da Justiça agora precisa de provas para transferir um policial federal de uma investigação para outra (ou, melhor dizendo, para condenar um policial federal à pena de transferência de atribuições), não se segue, ex tunc, ou pelo menos ex nunc, que o próprio Estadão agora necessita de um inquérito penal, com direito a ampla defesa e amparado no princípio do contraditório, para transferir um foca da seção de esportes para a página policial? Ou o que vale para o Estado não vale para o Estadão, estando este, na medida em que aumentativo, acima da norma cogente no que toca à autoridade meramente política ou administrativa?

    Mais genericamente, não temos o caso de subsitituição, in limine e in totum, da nossa tradição jurídica entroncada no Direito Romano, pelo muito mais autenticamente brasileiro jus criolorum doidum?

  17. Não era só deus que no conto

    Não era só deus que no conto de fadas tinha o poder de criar as coisas do nada? ah mas é um juiz, se acham deuses…retórica…

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