Percival Maricato
Percival Maricato é sócio do Maricato Advogados e membro da Coordenação do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais
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Percival Maricato: Impeachment não é golpe?

Percival Maricato: Impeachment não é golpe?

A mídia repete frase dita por juristas: “impeachment não é golpe”. Outras acrescentam: “se houver direito de defesa”. Não ressaltam que as análises são mais complexas. Não há um conhecedor de leis que, além da frase, não faça análises mais profundas sobre as motivações, para se ter um impeachment, a necessidade do fundamento jurídico. Por exemplo, não é qualquer motivo que pode fundamentar o impedimento de um político eleito, mas apenas os previstos em lei, na Constituição, que deve ser lida como um todo, onde o fundamento maior é proteger o Estado Democrático de Direito.

A primeira discussão a ser feita é, pois, se a presidente infringiu ou não a lei (Constituição) e não se o impeachment é ou não legal. Evidente que impeachment pode ser legal ou ilegal. É ilegal se baseado apenas em incompetência ou impopularidade de um Presidente (lembremos FHC, que fez pedalas e chegou a ter menos de 20% de aprovação nos últimos anos) ou na força política de uma eventual maioria no Congresso (ou assembleias legislativas, câmara de vereadores). Em uma segunda análise, é preciso aferir se infringiu a lei com razoável gravidade, se agiu com dolo, se causou prejuízo de monta ao país ou suas instituições. Anular eleição, em uma democracia é algo muito sério, exige fundamentos sólidos, ou pode se tornar bola de neve, atingindo futuros presidentes e atuais ou futuros governadores e prefeitos.

Quanto a atual Presidente, pode-se admitir em abstrato que ela usou artifícios de duvidosa legalidade para fechar o orçamento de 2014, o que seria, segundo o TCU, pedalada fiscal. No entanto, ainda que assim fosse, é infração de tal gravidade a ponto de levar ao impedimento? Presidentes anteriores não cometeram a mesma infração? Por sua vez, há que se discutir juridicamente se a infração cometida em um mandato, serve para a acusação em outro. Fosse outro o presidente eleito, com certeza não serviria. E então, serve para quem tem o mesmo nome?

O aspecto jurídico, no entanto, tem sido esquecido; o que existe é uma luta pela fração de poder representada pelo governo, a única que a oposição não tem. Há que se reconhecer que é justo a preocupação de muitos políticos de um lado e outro com a situação a que foi levado o país e pela falta de perspectiva de superação da crise pelo governo Dilma, pelo menos a curto prazo. O Lavajato forneceu armas políticas, intensamente usadas na mídia e nas ruas. Mas se desgasta a olhos visto e não será perdoada pela história.

Com tanta pressão, instabilidade, insegurança, notícias ruins, as pessoas começam a pensar em mudanças, sem pensar nas consequências. Temer não enfrentaria a crise em situação também desvantajosa? Há argumentos relevantes contra a Presidente, mas no plano político e administrativo: diz-se que ela cometeu erros graves na condução da economia e na costura política da base de apoio, foi prepotente, não tem mais condições de dirigir o país, perdeu a confiança do mercado, tem a maioria da população contra ela. Também é relevante dizer que muitas dificuldades decorrem da conduta da oposição, da campanha cerrada da mídia, do Juiz Moro, que a alimenta através de apurações e prisões seletivas no Lava Jato.

Esses são fatos. Em direito, além da letra fria da lei, costuma se usar interpretações teleológicas, ou seja, aferir intenções, objetivos da norma. E quando necessário, usa-se princípios gerais de direito: o da razoabilidade, da proporcionalidade, etc. São comuns notícias de jornais que falam de pessoas presas por pequenas infrações, julgadas e liberadas de punição, por praticarem crimes de bagatela, ou seja, sem importância suficiente para levar a uma condenação. Guardadas as proporções, se cometida a pedalada fiscal, tem que se analisar se o ilícito tem dimensão para anular uma eleição.

Não obstante, sem que cada parte deixe de usar seus argumentos e tente atingir seus objetivos, há que se acrescentar como função de todos que tem consciência de responsabilidade, a procura da saída. Como o resultado do embate tem nos aproximado de um impasse ou rompimento com a legalidade, de aumento da fratura na sociedade, de crescimento do ódio e da intolerância, do desrespeito a diversidade, está na hora das lideranças conversarem, as políticas e também a de trabalhadores e empresários que recusam-se a engajar-se no esquema da FIESP, de preverem alternativas civilizadas, de se interessarem mais por ponto comuns (preservar conquistas sociais, enxugar o Estado, recuperar economia e o emprego etc), por apontar alternativas, provisórias que sejam (manter conquistas sociais, tornar menos caro e mais eficiente o setor público, fazer reformas política, tributária, aumento da produtividade, etc). Depois voltaremos a procurar culpados, tentar impor projetos, vencer eleições, com maior respaldo parlamentar, o que exige principalmente o fim dos partidos fisiológicos.

A questão é, pois, mais complexa do que ser a favor ou contra o impeachment, apesar de não se falar outra coisa. Como apontam as pesquisas, inclusive recente do Datafolha, a sociedade é feita de esquerda, direita e centro em iguais proporções e todos temos que conviver em um mesmo país, são todos necessários para enfrentarmos as dificuldades e construir a nação. Se já não estamos bem convivendo, quanto mais se aprofundarmos o fosso que está sendo criado e sabendo que a crise econômica e política pode nos levar a uma crise social.

Percival Maricato

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Percival Maricato é sócio do Maricato Advogados e membro da Coordenação do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais

8 Comentários

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  1. Impeachment não é golpe.

    Golpe é um partido que é Governo, articular/conspirar para a queda deste “Governo”.

    O PT tentou o impeachment do FHC várias vezes, sem sucesso.

    Os partidos de coligação e apoio do Governo FHC nadaram de braçada. Assim como os partidos de coligação e apoio ao Governo Lula.

    O problema de tudo é a crise que não é política. É externa e aumentada/alimentada pelo governo da própria presidenta, esta acabou com a natação da turma.

    1. É GOLPE

      Golpe de Estado é a tomada do poder pela força, sem encer eleição nem respeitar as leis vigentes.

      É o que está sendo tentado pelo poder econômico com apoio de uma parte da alta burocracia estatal e por um conluio de políticos corruptos.

      É GOLPE!!!

  2. É GOLPE

    Esse processo não é um processo de impechment, porque não há crime de responsabilidade. É GOLPE.

    O impechment é para honestos tirarem um presidente criminoso, não para criminosos tirarem uma presidente honesta. É GOLPE.

    Quando perderem a votação na Câmara (e vão perder) os golpistas vão se voltar uma tentar tirar Dilma do poder via TSE, provando mais uma vez que É GOLPE.

    E o TSE não tem nada contra Dilma, mas vão tentar votar sua cassação mesmo assim, mesmo sem ter nenhum motivo. Só para tomar o poder de assalto, sem voto.

    É GOLPE!!!

    .

  3. política

    Percivala foi coerente e equilibrado quando analisa o momento de crise em que vivemos no Brasil.`´E isso mesmo, os principais responsáveis pela condução do país devem procurar se entender para encontrar um caminho não traumático para resolver as questões políticas econômicas e jurídicas de maneira equilibrada. Jogar aecistas contra dilmistas é um erro irreparável independente de que lado estejam os protagonistas destas ações.

     

  4. Não é “O que” e sim “Como”

     

    Não é “O que” e sim “Como”

     

    No meu ponto de vista, o impeachment em si é legal e constitucional, mas o problema é que “este tipo de impeachment” não é válido, ou seja, o ponto central da questão do impeachment entre os que são contra ou a favor do mesmo não é debater e argumentar “O que” e sim “Como” está sendo feito e levado adiante este processo dentro do Congresso Nacional.

     

    Isso está totalmente injusto.

     

    Tudo começou por ódio e vingança do Eduardo Cunha para com a presidente Dilma.

     

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