A bruxa, Carlos Drummond de Andrade

A bruxa

      –  A Emil Farhat

Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto,
estou sozinho na América.

Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
anunciou vida ao meu lado.
Certo não é vida humana,
mas é vida. E sinto a bruxa
presa na zona de luz.

De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto…
Precisava de um amigo,
desses calados, distantes,
que lêem verso de Horácio
mas secretamente influem
na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
e a essa hora tardia
como procurar amigo?

E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
que entrasse neste minuto,
recebesse este carinho,
salvasse do aniquilamento
um minuto e um carinho loucos
que tenho para oferecer.

Em dois milhões de habitantes,
quantas mulheres prováveis
interrogam-se no espelho
medindo o tempo perdido
até que venha a manhã
trazer leite, jornal e clama.
Porém a essa hora vazia
como descobrir mulher?

Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
conheço vozes de bichos,
sei os beijos mais violentos,
viajei, briguei, aprendi.
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras.
Mas se tento comunicar-me
o que há é apenas a noite
e uma espantosa solidão.

Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
querendo romper a noite
não é simplesmente a bruxa.
É antes a confidência
exalando-se de um homem.

– Carlos Drummond de Andrade, Antologia Poética

Redação

9 Comentários

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    1. Oi, Anarquista Lúcida!

      Visita mais o Multimídia!,

      Foi Vânia que iniciou a postagem de poemas naquela seção. Surgiram outras pessoas, até um visitante postou umas coisas bem boas. Nalgum comentário que deixei noutras seções, sob outros Posts, disse que ia frequentar quase exclusivamente o Multimídia. Excepcionalmente é que deixo alguma coisa noutra seção. Você leu a longa entrevista com Antônio Risério, antropólogo baiano, que fala em capachismo cultura e ideológico? Pois é, nenhuma estrelinha, só um comentário de uma pessoa que leu e achou exclente. Coo sabes, acho que há uma irmandade aqui, não no bom sentido e comum a qqs grupos, mas no sentido de convento, de coisa fechada, com uma margem muuuito pequena para o contraditório. Deixei de levar o Blog do Nassif mais a sério. Só o vejo porque aqui há Posts que reúnem vários assuntos num só blog, e só vou veer o Post um ou outro. Pena que vou perder teus comentários e de algumas raríssimas pessoas, porrque vou deixar, já deiixei (aqui é uma exceção, como sempre há exceções em qq coisa) de ler os previsíveis comentários. Não fiquei chateado nem um pouco com o que voce me falou. até,

    2. o Fora de Pauta postei uma

      o Fora de Pauta postei uma longa entrevista (de 2 partes), não sei se voce teve disposição pra ler. Instigante, tem uma posição que eu acho muito interessante e reflexiva. Um participante me comentou que é uma excelente postagem, palavras dele. E… nenhuma estrelinha. Pois é, o pessoal tem disposição pre laer alguns longuíssimos comentários e comentar em cima deles, mas este do Antônio Risério, antropólogo baiano, se não me engano, ninguem leu e… não gostou, ou pasasaram correndo sem deixar uma estrelinha ao menos. A longa entrevista (cuja fonte citei e pode ser acessada imediatamente pelos dois links que cito) bate de frente contra os racialistas, os neoracialistas, e os neopetencostais antiracialistas (os do Brasil). Claro que ninguém aqui, salvo exceçpões, que espero existirem, gostaram ou iriam gostar se o lessem. Um dia desses escrevi não um mea-culpa, mas expliquei, sem precisar desenhar… o que alguns ou muitos não puderam decifraar nem entender (mas coo diz uma crônica do velho Rubem (Braga), “Não ameias à distância, não ameis, não ameis” – isso da internet tem esses problemas, a falta de olho no olho, as precipitações , os mal entendidos, justamente por serem na pressa de lerem ou de escreverem qq coisa, com boa fé, é claro, não nego. Por isso, repeti que no blog não é espaço para discussões aprofundadas, até podem ser um embrião (podem). Não me descadastrei, isto é , não pedi descadastramento, pq. o cadastrado tem a vantagem de publicação imediata de um comentário qualquer, e um visitante precisa esperar aas vezes um tempão, isso se não for cortado. No mais, a Multimídia foi uma agradável descoberta – claro que nem tudo euaprecio por lá, às vezes nada, mas vale a pena arriscar e visitar.

        1. Hahahahhahaha

          Anarquista,

          esse cara sempre me faz rir.

          Desde o dia entrou no meu post, parecendo uma Mamangaba.

          Com esse discurso afarinhado o caboclo tá precisando de um gole de pinga.

    1. Grato, compartilhei o que vi.

      grato, Flávio. O mérito é do Drummond, apenas compartilhei com os pouquíssimos visitantes ou participantes que vêm à seção Multimídia, alguns, como eu, só há umas 3 semanas descobri que se podem encontrar pérolas na seção que agora tb tem poemas (peguei o gancho, pois foi uma participante que inaugurou com poemas, que eu me lembre).Claro, também me decepciono com algumas postagens que aparecem por lá. Mesmo assim, vale a pena dar uma espiada.

      1. Presentear alguém com um poema é o que há de mais nobre

        Ricardo, presentear alguém com um poema é o que existe de mais nobre, e foi isso que você fez aos frequentadores deste espaço ao sugerir esse poema do Drummond, e o Nassif ao destacá-lo aqui. Muitíssimo obrigado aos dois, vocês enriqueceram o meu domingo. Grande Drummond, eterno.

        No mais é o que a Analu disse: viva e deixe viver. Cada um tem o seu caminho. Siga sempre em frente. Tudo de bom pra você.

        1. Flávio, que doces palavras!!

          Flávio, que doces palavras!! Te convido a visitar a seção Multimídia (não a do GGN, mas a que vem na listagem de posts do dia, geralmente no finzinho da lista.

          Você merece (e muito) o compartilhamento.

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