Como e onde nascem as crianças brasileiras: a luta de classes começa antes do berço

Por Sebastião Nunes

Almoçar é um ato político. Dormir é um ato político. Tomar banho é um ato político. Ninguém é inocente e tudo o que fazemos está carregado de sentido. Se alguém pensa que o nascimento de uma criança é apenas um fenômeno biológico, está enganado: nascer é um ato político. Portanto, não adianta espernear: do primeiro vagido ao último suspiro, tudo na vida é ação política. Até sonhar.

 

MATERNIDADE DE MILIONÁRIO

            Toda dengosa, e antes de escolher o hospital, mamãe-futura escolhe a cidade. Nova Iorque? Não, muito barulhenta, e nunca se sabe quando os terroristas vão atacar de novo. Paris? Tem lá seu charme, mas mamãe-futura odeia queijo depois do almoço e as parisienses são umas eternas emburradas. Sem falar nos muçulmanos, sempre a fim de quebrar o pau. Melhor Roma, quem sabe algum cardeal aceita ser padrinho? Mas e as italianas, peitudas e de boca larga? Vão acabar dando em cima do maridinho, tão carente nos últimos tempos, coitado. Madri, jamais: aquelas morenas cabeludas são todas umas carmens. Talvez Londres, mergulhada eternamente em fumaça, com seu horrível desfile de inglesas narigudas e vermelhaças. Duro é comer carne-de-vaca-sapecada, crua por dentro e queimada por fora, pingando sangue, aquilo que eles chamam rosbife, argh! Pode ser melhor algo nativo, ficar por aqui mesmo. O problema são os hospitais de segunda, as enfermeiras fedorentas, as baratas – e a língua. Que tragédia, meu Deus, o neném nascer ouvindo português! Não é uma desgraça? Está decidido: Mônaco, terra de príncipes encantados e princesas loucas varridas.

            O futuro do filhote será brilhante.

 

MATERNIDADE DE RICO

            Quantos hospitais cabem no plano de saúde? Vamos escolher com calma. Aliás, é melhor combinar com o ginecologista. E cesariana, é claro. Mas um cortezinho mínimo, um centímetro no máximo. Não dá pra sair? Nesse caso é melhor desistir. Imagina se vou ficar com uma cicatriz horrorosa na barriga. Parto natural? Nem sonhando! Mamãe-futura é novata e detesta a ideia de ficar se espremendo horas e horas, com as enfermeiras saltitando em volta. Tudo deve ser planejado com o máximo de antecedência. É preciso pensar nos detalhes, das camisolas às fraldas descartáveis, dos biscoitos pra mamãe às papinhas pro filhinho. Como? Não vai ter papinha no hospital? Mamar no peito? Mas isso é uma nojeira! Ah, meu Deus, será que ainda existem amas de leite? Aquelas crioulas enormes, com peitos enormes, leite espirrando pra tudo quanto é lado? Se não existem mais, desisto. Eu é que não vou ficar com o bico do peito cheio de buracos. Cruzes!

            O futuro do filhote está garantido.

 

MATERNIDADE DE CLASSE MÉDIA

            Caminhando como um navio cheio d’água, chega mamãe-futura, distribuindo sorrisos melancólicos. Pobrezinha de mim! Ter de aguentar mais essa, não bastassem os nove meses de sofrimento e náuseas. Paciente, faz de conta que está feliz, mas está mesmo é morrendo de medo, nunca se sabe. Na recepção, o marido se irrita com a demora. Assina o cheque sem fundos e suspira mais fundo que o cheque. Até o dia da alta dá-se um jeito. Mamãe-futura está com desejo de tomar sopa. Onde estamos? Se em São Paulo, sopa de mandioquinha. No Rio, sopa de batata-baroa. Em Minas, sopa de cenoura-amarela. Mamãe-futura, com papai-futuro a tiracolo, é cuidadosamente escoltada até o apartamento. Estariam esquecendo vovó-futura? Não: está ali, bem juntinho, mas só vai assumir o controle depois que o chato do marido cair fora. Enquanto isso, fazem careta um para o outro. Acomodados, ligam a televisão e se deliciam com as eternas pancadarias e trepadas da novela.

            O futuro do filhote é incerto.

 

MATERNIDADE DE POBRE

            Mamãe-futura conseguiu vaga na enfermaria lotada. Sobe pela escadinha de três degraus e deita-se lentamente. Cruza as mãos na barriga e fiscaliza os mosquitos passeando no teto. Cinco minutos depois olha em volta. Todas as vizinhas estão olhando para ela. Aos poucos, o gelo derrete e o papo se generaliza. Só haverá pausa em alguns momentos: na hora da comida, da visita do médico, das dores de cada uma. Então vem a maca e leva a que geme mais alto. Todas desejam felicidades e sorriem. Ficam esperando alguns minutos em silêncio. Depois recomeçam a fofoca, até que mamãe-recém volta, a coisinha mais linda do mundo dormindo ao lado.

            O futuro do filhote periga nem existir.

 

MATERNIDADE DE MISERÁVEL

            Debaixo do viaduto, mamãe-futura geme. O marido reclama: “Cala a boca, criatura, deixa de drama!”. Faz frio ou calor, é dia de sol forte ou madrugada de chuva. De viaduto para viaduto o número de habitantes varia bastante. Oito, doze, vinte. Duas ou mais famílias, com filhos pequenos, alguns solteiros agregados. A vidinha continuava numa boa até que a mulher emprenhou. As contrações aumentam, as dores também. Mamãe-futura geme mais forte, sem se importar com a vizinhança. Desconsolado, o maridão coça a cabeça. Procura a garrafa de cachaça, derrama um trago goela abaixo. Limpa a boca na manga suja da blusa ensebada e manda as crianças magricelas tomarem conta da tralha. Então se levanta devagar e vai buscar uma ambulância na rodoviária. Costuma dar certo. “Se não der, azar”, resmunga ele. “Tem muita mulher sobrando no mundo”.

            O futuro do filhote é um salto no escuro.

 

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Ilustração: recorte sobre imagem da Wikipédia: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f0/Child_vaccine.jpg

Sebastiao Nunes

6 Comentários

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  1. Voltando ao caso da “pé-di-atra” gaúcha…
    Ela acabou fechando o PPPP !Ja não atendia Pobre, Preto e Prostituta……..agora, não atende aos PETISTAS…..Não nos esqueçamos da quela máxima de Maiakowsky /Brecht…. 

    1. Gosto muito de seus

      Gosto muito de seus comentários mas permita-me uma pequena correção: a versão original desse poema é  atribuída ao tradutor da obra citada como fonte!

      Vi isso em outra reportagem e me chamou atenção esse fato sempre atribuído a bertholt brecht.

  2. Lia bastante teorias da

    Lia bastante teorias da conspiração que afirmavam que a elite financeira do planeta desejava diminuir o número de habitantes do planeta para um número suficiente para servi-lhes bem e não ameaçar-lhes o poder. Quanto mais tempo deixarem a população se procriarem, menor o tempo seria para eles continuarem no poder e governando o mundo em virtude de seus interesses. Pois afinal, quanto maior o número de pessoas, menor é o poder sobre elas e maiores são as chances delas se roveltarem contra eles. Daí a manipulação midiática e mental… Daí as leis anti-terrorismo, utilizando do estado para controlar a população… As leis anti-terrorismo é uma ditadura democrática. Estão pervertendo as leis para proteger o povo das ameaças terroristas que eles mesmos criaram, para que assim possam se protegerem do povo quando este acordar da manipulação. Ou seja, criam uma lei anti-terrorismo que supostamente protegeria o povo contra atentados terroristas quando na verdade, é uma lei para se protegerem da revolta popular diante do agravamento das desigualdades criadas por eles mesmos. 

  3. Esquecestes de incluir, entre

    Esquecestes de incluir, entre o parto de milionárias e ricas o parto das destinatárias destas vacinas compradas com o dinheiro ROUBADO DO POVO. 

    E é por causa destes roubos de milionários e de ricos que existem: os MISERÁVEIS, os POBRES, e a CLASSE MÉDIA,volta e meia também sacrificada.

     

  4. E por falar em pedaladas fiscais, estas tucanas incluem desvios.

    Depois o ministro disse que não disse aquilo que tinha dito, no conhecidíssimo processo de abafamento. É por isso que estamos ainda pagando as contas do aécio & caterva.

     http://chebolas.blogspot.com.br/2014/10/charge-foto-e-frase-do-dia_22.html 

    … Evidentemente que o candidato tucano procurou se defender, em seguida. Mas essa história da vacina para cavalo é só mais um ingrediente para tornar o novelo ainda mais emaranhado e obscuro. Por não ter investido o mínimo necessário em Saúde quando governou o estado, Aécio Neves teve que assinar um Termo de Ajustamento de Gestão com o Tribunal de Contas de MG.

    No debate, Dilma voltou a afirmar que embora o PSDB tenha votado contra a CPMF, o governo do PT conseguiu aumentar os investimentos em Saúde no país. E lembrou que na última sexta-feira o Ministério Público de Minas ajuizou uma ação contra o governo do estado por suposta fraude orçamentária nos gastos com Saúde durante a gestão do presidenciável (2003-2010).

    Assinada por três promotores, a peça pede o ressarcimento aos cofres públicos de R$ 1,3 bilhão que, segundo a promotoria, foi “maquiado” pelo governo Aécio e a estatal de saneamento Copasa para que o estado atingisse o mínimo constitucional (12% das receitas) referente aos gastos com Saúde.
     

     Os brutos também amam? E amam quem?  

    Nada contra vacinar os animais, mas convenhamos que a verba deveria ter saído da Secretaria de Agricultura e Pecuária. Se fosse o caso, para realmente vacinar os cavalos e proteger a população da febre equina, como está sendo alegado – mas com dinheiro da Secretaria destinada a isso e não do cofrinho da Saúde Pública.

    Caberia agora investigar, também, a lista de cavalos vacinados em Minas Gerais. Será que a verba usada de forma indevida foi aplicada democraticamente ou será que a distribuição beneficiou tradicionais famílias mineiras, famosas pelo seu apreço pela cavalaria?

    DE TRISTE MEMÓRIA

    O episódio traz à lembrança o último presidente da série de militares que “governou” o país nos Anos de Chumbo. 

    Já perto da transferência de poder para os civis, irritado com jornalistas ou com políticos ou com subordinados – com todos e mais alguns – o então general João Batista de Figueiredo proclamou esta pérola: 

    “Prefiro cheiro de cavalo do que cheiro de povo.” 

    Hoje, resta saber que tipo de pessoa o povo brasileiro quer no comando da Nação.
     

    Pois é, cada qual com as suas preferências...Pois é, cada qual com as suas preferências…  

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    http://www.conexaojornalismo.com.br/colunas/cultura/novasmidias/governo-aecio-contabilizou-vacina-para-cavalo-como-gasto-em-saude-67-34678  

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