Izaias Almada
Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.
[email protected]

O gato Rambo e o amigo eletrônico (III), de Izaías Almada

Marcelo apresentou Mac Thor a Rambo, que apenas eriçou o pelo um pouco mais que o normal. Na verdade, ignorou o visitante.

O gato Rambo e o amigo eletrônico (III)

Conto de Izaías Almada

          Mac Thor fazia a figura de cavaleiro medieval com armaduras futuristas. Medieval, porque Marcelo sempre ficara impressionado e admirado com as histórias que o pai lhe contava sobre o Rei Arthur e seus cavaleiros, sobre as cruzadas e até com as aventuras divertidas de Robin Hood. E futurista, pois não ficava bem chegar aos Estados Unidos com alguém que não pudesse se apresentar como legítimo representante do que de mais moderno havia em eletrônica e robótica.

          Usando o sofá reclinável de leituras do pai como uma cabine de viagens no tempo, Marcelo ali se instalava com o conforto e a posição dos astronautas. Fechava os olhos, e pronto! Alguns segundos depois, à sua frente, lá estava Mac Thor.

          O amigo eletrônico de Marcelo falava vários idiomas, podendo se comunicar com povos de países e épocas diferentes. Recebera de Merlin, o mago, uma poção mágica que o capacitava a viver um milênio, tempo no qual deveria estar sempre ao lado da justiça e na luta pela igualdade entre os homens. Devia evitar revelar o seu segredo aos mortais, fazendo-o apenas àqueles que privassem da sua companhia e que demonstrassem – quando da sua aparição – que os propósitos para os quais era invocado, eram sempre os propósitos do bem e da justiça. Mantinha sua aparência juvenil e só se materializava, isto é, só assumia a forma humana se o amigo em questão corresse algum tipo de perigo.

          Mas entre a imaginação e a realidade muitas vezes, para nós seres humanos, fica difícil distinguir onde começa uma e termina a outra, até por que existe um pequeno fator mensurável e de natureza física – o tempo – que pode muito bem confundir-nos, baralhar-nos.

          De certa maneira, o grande físico e matemático Einstein tentou demonstrar isso com a sua teoria da relatividade. Imaginemos Sócrates, o filósofo grego, a dar aulas aos seus discípulos com o auxílio de um videocassete ou Leonardo da Vinci a pisar a lua junto com a missão espacial americana que lá chegou em 1970…  Se é que chegou! Ou ainda Gutemberg a mandar um fax para o New York Times defendendo os benefícios da sua invenção. Tudo uma questão de tempo ou, se quisermos, da sua relatividade, sendo que – nos três exemplos dados – a realidade acabaria por superar em muito a imaginação daqueles três benfeitores da humanidade.

          Marcelo não pretendia tanto. Seu problema era mais comezinho, mais imediato e, fruto que era de um já avançado mundo tecnológico, não lhe passava pela cabeça que ao brincar como qualquer menino, vizinho ao século XXI, trazia no bojo da sua brincadeira e da sua imaginação as grandes conquistas da história do próprio homem.

          E como o elemento surpresa será sempre um elemento aliciante e mobilizador dos desejos e vontades nessas questões de fantasia e realidade, vejam só que curiosa amizade se estabeleceu entre criador e criatura.

          Era a primeira viagem de Mac Thor após os anos oitenta. Gostava do século XX, mas sentia-se um tanto esquecido nos últimos anos. Uma das viagens que mais o impressionara fora para ajudar um menino judeu que perdera toda a família na Segunda Grande Guerra.

          Na altura, com todos os poderes que possuía, ainda assim Mac Thor sentiu-se impotente diante de tanta brutalidade e injustiça cometida pelos soldados nazistas que queriam dominar o mundo. Horrorizara-se com os avanços da tecnologia militar, do uso indiscriminado da ciência para justificar atos de guerra, com o preconceito e a intolerância e, tão logo conseguiu pôr a salvo o menino Daniel, pediu ao anfitrião que o deixasse regressar ao mundo de onde viera.

          Quando Mac Thor chegou à casa da granja, notava-se o ar preocupado com que apareceu. Foi logo tomando conhecimento dos últimos jogos eletrônicos que Marcelo tinha no seu quarto. Sentiu-se à vontade naquele ambiente, e antes mesmo de chegar saber qual a razão principal do que ali viera fazer, Mac Thor recebeu do novo companheiro o maior número possível de informações: sobre a vida que levava, sobre a vida dos seus pais, sobre a escola em que estudava, sobre o Brasil e sobre o mundo atual.

          Marcelo percebeu que não sabia ainda muita coisa para poder ensinar e disse a Mac Thor que poderia melhor se informar se lesse os jornais do pai, alguns dos livros que estavam na biblioteca e assistisse à televisão. Viram juntos vários filmes no videocassete. Em uma semana, Mac Thor acumulara tamanho volume de informações, que Marcelo já não era capaz de acompanhá-lo em muitos dos assuntos que surgiam.

          Na casa da granja todos perceberam a mudança no comportamento de Marcelo. A irmã continuava a não ligar a mínima; os pais julgavam, com alguma razão, que tudo se devia à perspectiva da mudança para outro país. Era, portanto, uma questão de tempo e adaptação à nova situação.

          Rambo e Maneco sentiram-se enciumados quando perceberam que Marcelo lhes dedicava menos atenção à medida que os dias iam passando. Ao final da primeira semana de convivência, sentaram-se os dois amigos a conversar e Marcelo finalmente expôs a Mac Thor os seus planos em relação a ele.

          A primeira missão seria uma missão de reconhecimento. Mac Thor deveria ir aos Estados Unidos da América em primeiro lugar, assim como se fosse um embaixador. Conheceria a Nova Inglaterra para onde Marcelo se mudaria com os pais: hábitos, costumes, alimentação, divertimentos, escola e, principalmente, como é que viviam os meninos da sua idade.

          A segunda missão, o ensino do inglês de maneira intensiva, isto é, os dois amigos estudariam durante os próximos meses uma hora e meia diária de inglês, a língua materna de Mac Thor. Finalmente, Mac Thor acompanharia Marcelo num rápida viagem aos Estados Unidos pouco antes do natal, época escolhida para a mudança de toda a família, e lá passaria uma semana se adaptando.

          Em contrapartida, Marcelo ensinaria a Mac Thor todos os truques dos jogos eletrônicos, não só os que aprendera, mas também os que mostravam as revistas especializadas, bem como tentaria lhe explicar sobre futebol e alguns programas da televisão brasileira, exceto novelas, que Marcelo detestava. Assim combinaram, assim fizeram.

          Marcelo apresentou Mac Thor a Rambo, que apenas eriçou o pelo um pouco mais que o normal. Na verdade, ignorou o visitante. Maneco também foi chamado a conhecer Mac Thor, mas teve muitas dificuldades em entender exatamente quem era aquela figura criada pela imaginação de Marcelo. Para os pais e a irmã, o segredo daquela presença seria convenientemente mantido.

          (CONTINUA)

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Izaias Almada

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador